Investigações e operações que combateram a corrupção em Mato Grosso já conseguiram recuperar um total de R$ 191,6 milhões aos cofres públicos. Até agora, no entanto, não existe um entendimento sobre como deve ser feita a destinação desses valores. Há quem diga que o dinheiro deve ir para a conta única do Estado e outros defendem que, em caso de recursos não desviados, ou seja, pagos a título de multas, por exemplo, sejam atendidas as necessidades de determinados órgãos.
A princípio, o Ministério Público é quem mais tem se mobilizado para resolver o problema. Um levantamento feito a pedido do jornal A Gazeta mostra que mais de 16 órgaos públicos, fundações e associações receberam valores fruto de penas impostas a corruptos.
A maior parte deste recurso, cerca de R$ 89,5 milhões, foi e ainda está sendo destinada ao setor da Saúde. Foram beneficiados o Hemocentro, o Pronto-Socorro Municipal, o Fundo Estadual de Saúde e o Hospital Central, além de outras entidades beneficentes e filantrópicas. A Segurança Pública também foi privilegiada, a secretaria receberá aproximadamente R$ 18,1 milhões do dinheiro usurpado dos cofres do Estado.
Em suas decisões, o Judiciário também tem preferido investir em segurança. Um levantamento feito pela Sétima Vara Criminal, também a pedido de A Gazeta, mostra que o juízo já encaminhou R$ 4,4 milhões para o setor. O dinheiro foi usado para ampliação do sistema de inteligência (R$ 1 milhão) e para a compra de armas e equipamentos para o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (R$ 3,4 milhões).
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O Ministério Público não informou de quais operações e termos de colaboração premiada resultaram a devolução dos recursos. Mas, segundos dados do Tribunal de Justiça, o dinheiro veio das delações dos ex-secretários Alfonso Dalberto e Pedro Nadaf e do ex-governador Silval Barbosa. Karla Cecília de Oliveira Cintra (ex-assistente de Nadaf), Cezar Zílio (ex-secretário de Estado) e o empresário Júlio Minori Tsuji também contribuíram.
Segundo a assessoria da 7ª Vara Criminal, o processo de destinação de valores da corrupção variam. Quando se trata de dinheiro e não de bens e imóveis, o processo é mais simples: o réu ou colaborador deposita o recurso nas contas do Judiciário e ele é revertido, conforme determinação do juiz e a necessidade de terminadas secretarias de Estado. Já os imóveis precisam passar por avaliação e, mais tarde, sao submetidos a alienação.
Como o Poder Judiciário não pode vendê-los, é preciso que sejam leiloados. Em muitos casos, o processo pode ser moroso e levar mais de um ano para que o dinheiro roubado, finalmente, retorne aos cofres públicos. É o caso de alguns bens que Silval Barbosa ofereceu em seu termo de delação. Muitos ainda aguardam leilões e há outro porém: em geral, conforme a assessoria da 7ª Vara, o valor da avaliação de imóveis, por exemplo, ultrapassa o da realidade do mercado imobiliário, o que torna ainda mais difícil converter o bem em dinheiro.
O ex-governador teve dois apartamentos sequestrados pela Justiça, um deles no bairro Jardim das Américas e outro no bairro Miguel Sutil. Além disso, se comprometeu a alienar em sua delação outros bens avaliados em R$ 46 milhões. São três fazendas, um lote urbano e um imóvel no bairro Parque Cuiabá.
O rumo do dinheiro
Há quem critique o modo com o Tribunal de Justiça e o Ministério Público têm movimentado o dinheiro recuperado da corrupção. Para o jurista secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT), Ulisses Rabaneda, o Judiciário não pode executar recursos públicos, quando se trata de dinheiro que foi retirado do erário e devolvido via colaboração, acordo de leniência ou entrega voluntária.
“Todas as vezes em que, nestes acordos, há uma convenção de valores ressarcidos para determinado fim, como por exemplo a aquisição de viaturas, isso é absolutamente ilegal, é executar uma verba que sequer está no orçamento. Estes valores devem ser devolvidos ao Estado, que vai executar”, comentou Rabaneda.
Na avaliação do jurista, a destinação de dinheiro ressarcido sem o devido cuidado pode configurar crime de improbidade administrativa. Ele explica que, mesmo nos casos em que uma secretaria ou um Poder é lesado, o dinheiro tem que voltar para as contas do Estado e o direcionamento deve ocorrer somente no próximo orçamento.
Chico Ferreira
Promotora Ana Bardusco explica que parte dos valores vem de processos em que o ente lesado não foi o Estado
Promotora de Justiça, Ana Cristina Bardusco explica que todos os valores listados ao jornal A Gazeta não são resultados de ressarcimento e, sim, de processos em que o ente lesado não foi o Estado de Mato Grosso. Ela exemplifica usando o caso da desapropriação criminosa do Bairro Jardim Liberdade, em que foram pagos R$ 30 milhões pelo Estado nas terras, mas o proprietário teve que repassar R$ 15 milhões ao grupo liderado por Silval Barbosa em forma de propina.
“Se um policial me para na estrada porque eu fiz uma coisa errada e eu dou dinheiro a este policial para sair livre, não há dano de recursos retirados do Estado, mas o criminoso teve um ganho indevido. Estes acordos, quase sempre, são o perdimento do que a pessoa ganhou, o criminoso está devolvendo o que conseguiu fazendo o crime”, esclarece Bardusco.
Segundo ela, nos casos em que há ressarcimento de dinheiro público roubado, o Ministério Público tem feito levantamentos para verificar quanto, de fato, foi o rombo provocado. Na Operação Marmeleiro, por exemplo, o MP ainda avalia o dano causado pelo esquema que desviou recursos públicos através do pagamento de falso consumo de combustível.
Um dos órgaos beneficiados com estes valores foi a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) que, segundo a procuradora-geral Gabriela Novis Neves, terá uma sede própria graças a um acordo de leniência que destinou dinheiro para a construção do prédio.
“Estes acordos de leniência passam pela CGE e pela PGE e a gente debate. Geralmente as necessidades são de quem vai até o Ministério Público e protocola para a Saúde, para a Segurança Pública”, ressalta. “Este recurso, se fosse para a fonte 100, seria engolido, porque a nossa folha de pagamento é muito alta. Às vezes, a destinação é para algo mais certo, como um material pendente que pode ser comprado para manter a vida de um paciente no Pronto-Socorro”, completa.