Há quase quatro anos, o município de Votuporanga, no noroeste de São Paulo, liderou uma iniciativa ainda pouco comum no País: um arranjo de desenvolvimento da educação (ADE). À época, 17 municípios toparam criar uma forma de colaboração entre vizinhos para que os gestores dessas cidades encontrassem soluções para problemas comuns.
A despeito da resistência de muitos para conhecer a proposta apresentada pelo prefeito Junior Marão, gestores desses 17 municípios traçaram planos estratégicos para sanar as dificuldades identificadas pelos sistemas de ensino da região e deixaram portas abertas aos que se interessassem pelo projeto depois. Hoje, 37 municípios estão no arranjo.
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Organizados em fóruns, que ocorrem a cada três ou quatro meses, representantes das secretarias municipais de educação desses municípios discutem estratégias para formação de professores, elaboração de planos de carreira, criação de atividades de reforço no contraturno escolar, recuperação da infraestrutura das escolas e aprimoramento da gestão educacional.
As administrações não dividem recursos, alunos, professores ou materiais. Eles apenas trocam experiências e buscam se ajudar. Cursos de formação continuada para professores, por exemplo, já foram realizados em parceria, assim como palestras de especialistas e concursos públicos.
Segundo Eliana Breyer, diretora de Departamento de Ensino Superior e Profissionalizante da Secretaria de Educação Municipal de Votuporanga, o próximo passo será criar um consórcio público entre os municípios que permitirá a realização de compras coletivas.
"Nós já avançamos muito em alguns temas, como a formação de professores, que é um dos nossos objetivos. O arranjo também refletiu em uma gestão melhor da própria sala de aula, e estamos incrementando a relação com o Estado. Temos Idebs [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] altos na região, mas ainda temos problemas com a defasagem dos estudantes em português e matemática", afirma.
A cidade de Álvares Florence, por exemplo, subiu o Ideb de 2009 para 2011 em um ponto (de 6,5 para 7,5). Jales, ao contrário, caiu de 7,1 para 6.7. Votuporanga se mantém com Ideb 6,4. A cidade com menor nota é Riolândia (4,6 pontos em 2011). A meta estabelecida pelo governo para o País é que todas as escolas de ensino fundamental cheguem a 6 pontos em 2020.
Pequenos passos
A proposta parece simples e natural, porém, na prática, ainda é difícil de ocorrer. De acordo com o conselheiro Mozart Ramos, do Conselho Nacional de Educação (CNE), existem hoje cerca de 200 municípios organizados em nove arranjos, em nove Estados. Apenas 3,6% dos 5.565 municípios do País têm parcerias semelhantes, portanto.
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Há um ano, o conselho publicou uma resolução para garantir a implementação desses acordos, uma das formas de colocar em prática o regime de colaboração entre os entes da federação (municípios, Estados e a União), previsto na Constituição para promover a educação. Cada ente cuida de uma etapa educacional, mas especialistas criticam a falta de integração entre eles para, de fato, promover ensino de qualidade no País.
"Se o Brasil não definir com clareza a responsabilidade de cada ente federativo será difícil avaliar o sucesso ou o insucesso do Plano Nacional de Educação. Algumas metas exigem colaboração, inclusive financeira, de todos os entes para que seja efetivada. É preciso definir com clareza as responsabilidades de cada um", ressalta o conselheiro.
Ele lembra que, alguns gargalos, como a construção de creches e o pagamento do piso salarial dos professores, têm de ser encarados pelos municípios, Estados e governo federal como um problema de todos. Pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a responsabilidade da oferta dessa etapa educacional é dos municípios.
"Mas 75% dos municípios dependem exclusivamente do Fundeb (Fundo de Manutenção da Educação Básica) e do Fundo de Participação dos Municípios para manter as contas. Como eles podem dar conta de ampliar creche sem a colaboração de quem mais recebe recursos no País que é a União? A definição facilita também o controle da execução", diz.
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Mozart acredita que os arranjos facilitam principalmente a articulação entre os municípios, mas estimula a interação dessas cidades com os gestores de Estados e da União. Eliana Breyer diz que, no caso do Noroeste Paulista, as parcerias melhoraram todos os canais de comunicação.
Previsto na teoria, longe da prática
Na opinião de Fernando Luiz Abrucio, coordenador da graduação em Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a cooperação ainda é vista como "mais trabalhosa do que benéfica".
"Os custos da barganha federativa no Brasil são muito grandes. Por isso, seria preciso estabelecer estímulos à cooperação em legislações", critica. Para o professor, o governo federal e os Estados têm de aumentar o papel de coordenação das políticas, cobrando e dando apoio aos municípios.
Tanto gestores estaduais quanto municipais concordam que as organizações avançaram para concretizar o regime de colaboração. Mas reclamam que os documentos poderiam tornar as tarefas mais fáceis. Para Maria Nilene da Costa, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), os envolvidos precisam dialogar mais para elaborá-los.
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"A operacionalização do regime de cooperação previsto no art. 23 da Constituição Federal poderá contribuir para a maior eficiência na execução das políticas públicas, desde que favoreça a definição conjunta de prioridades, estratégias e formas de financiamento. É preciso um amplo debate entre os diversos setores que compõem a educação nacional", comenta.
Na avaliação de Márcia Adriana de Carvalho, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) no Rio Grande do Sul, os fundamentos legais hoje são "insuficientes" para garantir a colaboração. "As leis dizem quem deve se responsabilizar, mas não como. O tema é bastante complexo por natureza, mas ainda há aspectos políticos a serem vencidos para se chegar a um consenso", admite.
Priscila Cruz, diretora-executiva da organização Todos pela Educação, acredita que a cooperação em prol de um ensino de qualidade não deveria envolver apenas as diferentes instâncias do poder Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário. "A responsabilidade por uma educação de qualidade também é do Judiciário, do Legislativo e da sociedade", diz.
Outros modelos
Além do arranjo liderado por Votuporanga, existem outros modelos implantados no País, alguns recebendo ajuda de entidades para funcionarem. Tereza Perez, diretora-executiva da Comunidade Educativa (Cedac), conta que a organização coordena oito arranjos, que reúnem 100 municípios.
"Nosso papel é ajudar a estabelecer uma linguagem mais unificada entre os municípios, Estados e União", diz. A primeira tarefa da organização é, nas reuniões com os grupos de gestores de cada arranjo, ajudá-los a decifrar dados e estatísticas. Segundo ela, esse entendimento provoca mudanças significativas para a importância do trabalho em rede.
A identificação dos problemas apontados pelos números mostra aos gestores que não estão sozinhos e, assim como no caso de Votuporanga, estimula a busca de soluções comuns. Nas reuniões dos grupos, metas e estratégias também são definidas.
Com isso, a organização também ajuda os gestores a identificarem, por exemplo, os programas disponíveis em outras instâncias que podem contribuir para as próprias políticas públicas. A proposta é que, no futuro, a entidade deixe os arranjos caminhando sozinhos.
"A Cedac tem um papel fundamental de avaliar se as ações planejadas foram implementadas e qual o impacto de cada uma para a melhoria do acesso, permanência e sucessos de nossos alunos", aponta Vanda Dolci Garcia, diretora de Informações e Planejamento, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná.
Vanda é articuladora do arranjo no Paraná, que já reúne 20 municípios desde setembro de 2012 e tem o apoio da Secretaria Estadual de Educação. Para ela, a Cedac tem um papel importante de "articulador externo", que ajuda a montar propostas mais unificadas e menos personificadas em uma ou outra gestão.
"A metodologia de trabalho permite a reflexão acerca das dificuldades e a definição conjuntas. A educação carece de conhecimento científico para definição e avaliação de programas e projetos", pondera.
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– iG Brasília