Numa relação amorosa, o medo de ser traído é tão natural e antigo que alguns especialistas falam em “programação genética do ser humano para evitar a infidelidade”. E garantem que até o homem de tempos ancestrais sentia ciúme. Se antes uma namorada desconfiada fuçava nos bolsos, nos canhotos de cheques e nas roupas do companheiro em busca de provas e evidências de uma traição, hoje os ciumentos têm mais uma importante aliada: a tecnologia. Listas de contatos, e-mails, caixa de mensagens do celular e portais de relacionamento como “Orkut” e “Facebook” são pratos cheios para a curiosidade dos inseguros. Mas quando um dos dois devassa a privacidade do outro, a relação quase sempre se desgasta. O romance pode acabar e gerar muita mágoa, decepção e tristeza.
Virar investigador da própria relação, segundo estudiosos, não é uma boa saída. Para o psicólogo Jorge Antônio Nogueira, especialista em terapia familiar e criador do portal ciumeonline, verificar e-mails e ceulares e contratar detetive em busca de confirmação de infidelidade é o caminho mais curto para o fim do casamento. “O que restará será um indivíduo sozinho, separado, mas com a sensação de dever cumprido”, resume. Mesmo que a pessoa encontre indícios de traição, trazer as evidências à tona pode gerar discussões desgastantes e denecessárias. Principalmente se, depois disso, o suposto traído perdoar o infiel.
Para Nogueira, o medo da traição é diferente entre homens e mulheres. “Na mulher, existe precaução para evitar que o homem se apaixone por outra e vá embora, o que, em épocas remotas, poderia causar a morte da mulher e da prole. No macho humano, essa precaução, programada geneticamente, está voltada para evitar que ele cuide do filho de outro homem, fruto de uma traição. O medo e as reações a uma infidelidade no casamento são muitos fortes porque, para ambos os sexos, a traição poderia acarretar o fim genealógico de um indivíduo”, explica. Por outro lado, garante Jorge, ciúme e infidelidade andam juntos quase sempre. E por isso não há fórmulas simples para lidar com essas condições humanas. Mas há algumas tentativas de evitar brigas e decepções. “Saber que todas as pessoas podem sentir ciúme, desde que haja um fator desencadeante (o surgimento de uma antiga namorada de adolescência, por exemplo) pode fazer com que o parceiro evite se expor”, comenta.
A atendente Laura Rossi de Souza, de 25 anos, é casada há 5. No casamento dela, praticamente não existe privacidade. “Todas as nossas senhas são as mesmas, de e-mail, conta bancária, tudo. Vira e mexe, trocamos os chips de nossos celulares. Todos os nossos amigos são os mesmos e um ajuda o outro a resolver tudo, então, precisamos ter tudo em conjunto”, explica. Desconfiança é palavra que não existe na relação de Laura. Se ela nota que há algum número de telefone desconhecido no celular do marido, nem chega a ficar insegura. “Eu pergunto de quem é, por curiosidade mesmo, e geralmente é do banco ou de alguma empresa. Nem passa pela minha cabeça que seja outra mulher”, finaliza.Já a estudante Carla*, de 22, não teve a mesma sorte. Chegou a terminar um namoro por causa de uma espionagem na internet. “Estava muito desconfiada e resolvi buscar provas. Descobri a senha, acessei a página dele no “Orkut” e vi um depoimento bem suspeito, que uma menina tinha deixado lá”, conta. Ao questionar o ex-namorado, os dois discutiram. Ele se sentiu invadido, e ela, traída. Terminaram e hoje o ex-namorado dela namora a moça do recado suspeito. Ali havia algo errado mesmo. Isso é bastante comum, segundo a psicológa Olga Tessari. “Quando alguém comprometido arruma uma segunda pessoa existe um conflito interno. O sentimento de culpa acaba surgindo. Mudanças de comportamento e até de personalidade são os primeiros sinais de que uma relação não está harmoniosa. Quem trai dá sinais, deixa rastros e se entrega, mesmo que inconscientemente”, analisa.
Boa parte dos casos de espionagem eletrônica, entretanto, é desconfiança gratuita. E algumas pessoas ultrapassam o limite do ciúme normal e atingem o grau de patologia. É preciso estar atento, pois essa fronteira pode ser bem sutil. O psiquiatra Geraldo Ballone garante que, em questões de ciúme, a linha que divide imaginação, fantasia, crença e certeza pode ser vaga e imprecisa. “No ciúme, as dúvidas podem se transformar em ideias supervalorizadas ou até delirantes, e a pessoa sente um impulso forte de verificar as dúvidas. Os ciumentos estão em constante busca de evidências e confissões que confirmem as suspeitas mas, ainda que confirmada pelo companheiro, essa inquisição permanente traz mais dúvidas, em vez de paz.”
O chamado “ciúme patológico” – ou doentio – se caracteriza pelo desejo de controle total sobre os sentimentos e comportamento do parceiro. O amor do outro é sempre questionado e o medo da perda é constante. Já numa relação considerada “normal”, o medo não é prioridade e o amor não é questionado o tempo todo. A médica Célia Bezerra resume o ciumento doentio: “A pessoa que sofre deste mal está sempre à procura de confirmações para as suspeitas por meio de confissões que nunca a deixam satisfeita porque sempre surgem novas dúvidas. O ciumento vive um eterno sofrimento, experimenta o estresse, o descontrole emocional, terminando por causar um tremendo clima de tensão e desajuste familiar.” Esse tipo de ciúme exagerado é conhecido como “Síndrome de Otelo”, em referência ao personagem de William Sheakespeare que desconfiava tanto da mulher, Desdemona, que acabou matando a esposa mesmo sem provas da infidelidade dela. Na peça há uma personagem que diz que o ciúme “é um monstro de olhos verdes”. Todo cuidado é pouco com os monstros disfarçados de galãs.
*O nome foi trocado a pedido da entrevistada
por:Juliana Vilas/F.Uni