A polêmica em torno do uso de células-tronco para fins terapêuticos parece estar longe de ter um fim. Mas, no mês passado, uma notícia mobilizou grupos contrários e a favor desses estudos.
Uma equipe de cientistas japoneses e outra norte-americana anunciaram ter desenvolvido, paralelamente, uma mesma técnica, capaz de fazer células humanas adultas da pele voltarem ao estágio inicial tronco-embrionário, reprogramando-as. Dessa forma, seria possível criar, posteriormente, órgãos e tecidos sob medida, sem gerar impasses científicos e éticos a respeito do uso de óvulos e embriões humanos em experiências.
Alguns especialistas acreditam que ainda é cedo para achar que o novo método divulgado seja a solução definitiva para que essas pesquisas avancem. É o caso da geneticista Mayana Zatz (foto), pró-reitora de pesquisas da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano.
“É muito importante que as pessoas entendam que esse estudo não substitui as pesquisas com células-tronco embrionárias. Ele as complementa, abrindo uma nova possibilidade. A grande vantagem dessa nova técnica é que a gente poderá estudar doenças genéticas de uma maneira muito mais ampla”, ressalta.
O procedimento criado pelos cientistas do Japão e dos Estados Unidos consiste na transformação de células da pele em células-tronco, através da inserção de quatro genes diferentes, por meio de um retrovírus. A geneticista lembra que, por essa razão, é preciso cautela, pois ainda não se sabe como seria o comportamento desses vírus dentro de um organismo humano.
Com o aperfeiçoamento do novo método será possível retirar células da pele (fibroblastos) de um paciente com alguma doença genética e reprogramá-las, capacitando-as a formar diferentes tecidos humanos.
“Isso pode ser um material precioso no estudo de genes humanos que causam doenças genéticas e no teste de drogas em pacientes com esses problemas”, destaca Mayana.
Repercussão do novo método
A possibilidade de se criar células-tronco a partir da pele foi motivo de comemoração para alguns setores da sociedade contrários à utilização de embriões em pesquisas, entre eles o Clero Romano. Por meio de um prelado do Vaticano, a instituição afirmou que a nova pesquisa “parece não levantar problemas éticos”.
O presidente norte-americano George W. Bush declarou à imprensa que incentiva avanços científicos como este, que evitam técnicas que destruam a vida. Nos EUA, uma parcela conservadora da população apóia a decisão dele, de se opor ao financiamento das pesquisas com células-tronco embrionárias com recursos federais.Brasileiros descobrem “reservatório” de células-tronco no cordão umbilical
Pesquisadores brasileiros têm alcançado bons resultados em seus estudos. Recentemente, uma nova fonte de células-tronco do cordão umbilical humano foi descoberta por um grupo de cientistas da Universidade de São Paulo (USP), o que pode mudar o modo como esse material é tratado nas salas de parto dos hospitais.
Hoje existem serviços de congelamento do sangue do cordão, rico em células-tronco hematopoéticas (precursoras das células sangüíneas), que podem ser usadas em transplantes de medula óssea, para o tratamento de leucemia. Porém, o cordão umbilical em si é descartado.
Nessa pesquisa constatou-se que ele possui um outro tipo de célula-tronco, chamada mesenquimal, com grande potencial terapêutico. Nas células-tronco adultas (de origem não embrionária), as mesenquimais estão entre as mais versáteis e podem formar ossos, gordura, cartilagem, músculo e até neurônios, de acordo com alguns estudos.
Lei de Biossegurança
Está prevista para dezembro, no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, a discussão sobre a inconstitucionalidade ou não da Lei de Biossegurança, aprovada em 2005 e que permite pesquisas com células-tronco embrionárias, desde que sejam feitas com embriões estocados em clínicas de fertilização, considerados excedentes ou inviáveis e sem condições de desenvolvimento do feto.
Para a geneticista Mayana Zatz, a possível proibição desses estudos causaria um verdadeiro retrocesso. Há cerca de dois anos, ela e o seu grupo realizam estudos que têm demonstrado a importância do uso dessas células para a regeneração de tecidos no futuro.
A geneticista ressalta que esse impedimento “impossibilitaria a existência de tratamentos para doenças neurodegenerativas e lesões em pessoas paraplégicas ou tetraplégicas – vítimas de acidentes – que precisam de neurônios funcionais para, quem sabe, um dia volta a andar”.
Das células-tronco embrionárias é possível dar origem a qualquer um dos 216 tecidos que formam o corpo humano, por esse motivo elas são consideradas pela medicina a maior esperança para a cura de doenças genéticas e fonte de estudo de doenças congênitas.
Para explorar essas células, porém, é preciso extrair o “botão embrionário”, o que causa a destruição do embrião. Esse procedimento é condenado por algumas religiões, principalmente o Clero Romano, que considera que a vida se inicia no momento da concepção.
Agência Unipress Internacional
Por Carlos Gutemberg