domingo, 22/12/2024
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Caso Petrobras abre devassa em empreiteiras e em outras estatais

O fim da guerra eleitoral deu à Justiça Federal tranquilidade para analisar o conteúdo da delação premiada e, nos próximos dias, autorizar a Polícia Federal a deflagrar uma nova fase da Operação Lava Jato. Na mira, agora, estão os gigantes das obras públicas, suspeitos de participar do esquema de desvios na Petrobras: as empreiteiras que, segundo as denúncias, pagaram suborno aos partidos da base aliada do governo e que podem levar as investigações para outras estatais federais de peso. A propina que teria beneficiado o PP e o PT pela diretoria de Abastecimento equivale a 3% do valor líquido de cada contrato.

 

A nova ofensiva da Lava Jato está sustentada no depoimento do ex-diretor de Abastecimento da estatal, Paulo Roberto Costa, prestado no dia 8 de outubro, sob o juramento de dizer a verdade. O relato de Costa, ao qual o iG teve acesso, descreve o escândalo da maior estatal brasileira como a “ponta do iceberg” que esconderia um enorme e invisível bloco de empresas públicas e privadas unidas para desviar dinheiro público.

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Costa revela que o esquema funcionou em toda a estrutura da Petrobras e cita nominalmente as principais empreiteiras de um cartel organizado, conforme afirma, para controlar obras de grande envergadura, mediante o pagamento de propinas a partidos políticos.

Segundo Costa, fazem parte do cartel Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior, OAS, Iesa, Engevix, UTC e, entre outras, a Toyo Setal _ também citada na delação premiada pelo doleiro Alberto Youssef. Essa empresa firmou um acordo com a justiça, colabora nas investigações e aceitou devolver ao erário R$ 40 milhões, iniciativa que, segundo os investigadores, pode estimular uma nova onda de colaboração _ o que seria inédito num mundo em que política e negócios do poder se tornaram uma via de mão dupla.

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O doleiro Youssef, também por acordo de delação premiada, citou ainda, entre empreiteiras e fornecedoras de material e serviço às obras da Petrobras, várias outras empresas. Nesse grupo estão Engesa, Queiroz Galvão, Rigidez, Treviso, Clyde Union, Muranno, Sanko Sider, MO Consultoria, GDF, Jaraguá Equipamentos, Tomé Engenharia, RCI, KFC e o Labogen.

Todas as empresas negam que tenham participado de irregularidades, embora algumas se proponham a reparar eventuais erros via acordo de leniência – versão econômica dos acordos de delação na área criminal. No judiciário e na CPI mista da Petrobras, que patina no Congresso, há pedidos de quebra de sigilo fiscal e bancário de todas elas.

Paulo Roberto Costa diz que durante anos o esquema foi mantido em segredo porque o alvo da das empresas não se restringia às obras da Petrobras. “Visava (também) hidrovias, ferrovias, rodovias, hidroelétricas, etc, etc, etc…”, revela. Se suas confissões forem verdadeiras, a corrupção pode ter ferido o coração do governo, que são os programas de infraestrutura destinados a alavancar o crescimento econômico e a inclusão social.

Minha casa, minha vida

Jeso Carneiro/Agência Senado

Doleiro Alberto Yousseff

Um dos advogados de defesa do doleiro Alberto Youssef pediu durante o interrogatório que Costa esclareça melhor por que o cartel se rendeu ao assédio dos partidos na montagem do esquema de corrupção. Ele, então, reafirma que a preocupação era manter o conjunto de obras “a nível de Brasil” e diz, textualmente, que havia “interesses em outros ministérios capitaneados por partidos”.

Esclarece que os tentáculos do esquema se esparramam para obras em aeroportos, portos, “saneamento básico” e, entre os programas considerados vitrines do governo na área social, o “Minha Casa Minha Vida”. E diz que ninguém deixava honrar os acordos criminosos no caso da Petrobras para não perder outros “nichos” na Esplanada. O roteiro que ele traça é estarrecedora sinceridade:

“(…)Todos os programas, a nível de governo, nos ministérios, têm políticos de partidos. Se você criar problemas de um lado, pode-se criar um problema de outro. Então no meu tempo lá eu não lembro de nenhuma empresa ter deixado de pagar. Houveram alguns atrasos, de empresas do cartel, mas deixar de pagar, nunca deixaram (sic)” afirma.

A propina que teria beneficiado o PP e o PT pela diretoria de Abastecimento equivale, segundo conta, a 3% do valor líquido de cada contrato, recursos originários da manipulação de uma “zona cinzenta” entre os custos indiretos da estatal e a margem de lucro das empresas Para dar fachada legal às operações era necessário, no entanto, controlar as licitações para que as empresas vencedoras fossem do cartel e superfaturar as obras, atos que ficavam diluídos numa cláusula que trata da margem de manobra da estatal, o chamado “BDI” citado pelo delator.

Costa afirma que ao efetuar o repasse da propina _ de uma semana a dez dias depois que o Tesouro Nacional pagava _, as empresas tinham pleno conhecimento sobre o destino do dinheiro: partidos políticos, testas de ferro de empresas, muitas delas de fachada, campanhas eleitorais e servidores corruptos da Petrobras _ como ele próprio.

Interesses de vulto

O juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal do Paraná _ responsável pela Ação Penal 5026212-82, que faz parte do processo de delação, na qual Costa é réu por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha _ quis saber o que impedia a Petrobras de quebrar o cartel ou tomar alguma providência. Costa responde que num certo momento a Petrobras até que tentou, mas sucumbiu diante do poder das grandes que, segundo ele, são poucas no Brasil e não tinham interesse em deixar outras empresas entrar no esquema.

Das que conseguiram furar o bloqueio _ ele cita nominalmente a Santa Bárbara, AIT e Tenace _, várias não conseguiram honrar os contratos com a Petrobras e acabaram falindo. “Não tinha interesse nenhum dessas empresas abrir para outras empresas. Porque iam perder _ vamos dizer _ um nicho de mercado que eles já tinham na mão”.

“Algumas delas se recusaram a fazer esse pagamento?”, inquiriu o juiz. “Nunca, nunca”, respondeu Costa. “Houve alguns atrasos, mas deixar de pagar, nunca tive conhecimento que deixaram de pagar, devido a esses interesses maiores a nível de Brasil (sic)”, esclarece o ex-diretor de Abastecimento.

Tesouro

O acordo firmado por Costa com a Justiça Federal foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal e dará ao delator a vantagem de reduzir a pena. Ele aceitou devolver US$ 25 milhões que foram desviados para o exterior e atualmente estão em bancos da Suíça e Ilhas Cayman prestes a serem repatriados.

O que surpreendeu os investigadores, no entanto, foi a resignação de Costa ao abrir mão de uma verdadeira fortuna, algo que nem a cúpula inteira do setor que dirigia, formada por funcionários graduados da Petrobras, conseguiria acumular numa vida toda dedicada ao trabalho. Ele, de fato, estava assustado por um acontecimento inusitado: no mesmo instante em que era liberado do flagrante, em junho deste ano, teve de voltar à prisão quando autoridades suíças informaram à justiça brasileira sobre a conta com US$ 23 milhões. Na gíria policial “caiu a casa” e ele, então, se rendeu às sugestões dos policiais federais e procuradores.

Como de esmola grande até o Santo desconfia, os órgãos de controle que auxiliam a Justiça Federal rastreiam as pegadas dele no exterior em busca de pistas sobre um eventual tesouro escondido em paraísos fiscais. As revelações dele na delação premiada são um indício das suspeitas: Costa era o operador do PP, que levava 1% de bilionários contratos.

Leniência e altruísmo

Da propina líquida levantada, o partido levava 60%, Costa, 30%, enquanto o doleiro Youssef e o lobista João Cláudio Genú, envolvido também no mensalão e então testa de ferro do ex-deputado José Janene (PP-PR), dividiam os 10% restantes. No PT, segundo Costa, a propina era de 2%. Para se ter uma ideia da envergadura das operações de desvios, o plano de negócios e gestão da Petrobras para o período de 2014 e 2018 prevê investimentos da ordem de US$ 206,8 bilhões, dos quais US$ 38,7 bilhões serão gastos apenas na área de Abastecimento, que foi dirigida pelo delator _ indicado pelo PP _, entre 2006 e 2012.

A decisão de Costa em abrir o jogo rara nas tenebrosas relações da política e os negócios estatais. O mais interessante para o futuro das investigações é que ele cita num depoimento mantido em sigilo no processo de delação premiada, 32 políticos como foro especial e cita os nomes de quem operava pelos partidos e empresas. Nem Paulo César Farias, o operador da corrupção no governo de Fernando Collor fez isso. PC assumiu sozinho as consequências e morreu vítima de um atentado a tiro.

“Esse envolvimento político é uma mácula dentro da companhia”, diz um Costa arrependido, que mescla revelações escabrosíssimas com lampejos de um altruísmo visto como algo distante do tradicional comportamento no ambiente que frequentou: ele jura que aceitou colaborar para melhorar o país.

“É um processo complicado, difícil, longo. Eu decidi fazer a delação premiada (para que) a gente tenha no futuro um Brasil melhor”, disse Costa, encerrando o depoimento com uma declaração segundo a qual estaria cumprindo sua parte numa eventual ação institucional de fôlego para combater a corrupção.

A decisão de Costa estimulou outros três acordos de delação premiada. O do doleiro Alberto Youssef cujas declarações respigaram no Palácio do Planalto e foram usadas pelo PSDB para tentar, sem sucesso, derrotar a presidente Dilma Rousseff no segundo turno e de dois supostos operadores na distribuição de propinas pelas empreiteiras, Júlio Camargo e Augusto Ribeiro de Mendonça, ligados a Toyo Setal.

Uma nova ferramenta no combate a corrupção junto com a nova Lei Anticorrupção, as delações também estão obrigando as empreiteiras a seguir o mesmo caminho, optando por acordos de leniência, pelo qual, admitem culpa, esclarecem a participação, devolvem parte dos recursos desviados e reduzem a possibilidade de seus controladores irem parar atrás das grades.

 

 

 

 

 

Por Vasconcelo Quadros – iG São Paulo

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