quinta-feira, 21/11/2024
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CARTA ABERTA DE BRIZOLA NETO A JOSÉ SERRA: O BRASIL NÃO PODE MAIS

Li boa parte de seu discurso, senhor José Serra. Talvez eu seja hoje o que o
senhor foi, na minha idade, quando era um jovem, que presidia a União
Nacional dos Estudantes e apoiava o governo João Goulart no Comício da
Central. Quando o senhor defendia o socialismo que hoje condena, o
patriotismo que hoje trai, o desenvolvimento autônomo do Brasil do qual hoje
o senhor debocha.

O senhor, como Fernando Henrique, é útil aos donos do Brasil — sim, Serra, o
Brasil tem donos, porque 1% dos brasileiros mais ricos tem o mesmo que todos
os 50% mais pobres — porque foi diferente no passado e, hoje, cobre-se do
que foi para que não lhe vejam o que é.

O símbolo do Brasil que não pode mais, que não pode ser mais como o fizeram.

Não pode mais o Brasil ser das elites, porque nossas elites, salvo exceções,
desprezam nosso povo, acham-no chinfrim, malandro, preguiçoso, sujo,
desonesto, marginal. Têm nojo dele, fecham-lhe os vidros com película para
nem serem vistos.

Não pode mais ser o país das elites, porque nossas elites, em geral, não
hesitam em vender tudo o que este país possui — como o senhor, aliás,
incentivou fazer — para que a “raça superior” venha aqui e explore nossas
riquezas de maneira “eficiente” e “lucrativa”. Para eles, é claro, e para os
que vivem de suas migalhas.

Não pode mais ser o Brasil dos governantes arrogantes, como o senhor, que
falam de cima — quando falam — que empolam o discurso para que, numa língua
sofisticada, que o povo não entende, negociem o que pertence a todos em
benefício de alguns.

Não pode mais ser o país dos sábios que, de tão sabidos, fizeram ajoelhar
este gigante perante o mundo e nos tornaram servos de uma ordem econômica e
políticas injustas. O país dos governantes “cultos”, que sabem miar em
francês e dizer “sim, senhor” em inglês.

Não pode mais ser o país do desenvolvimento a conta-gotas, do superávit
acima de tudo, dos juros mais acima de tudo ainda, dos lucros acima do povo,
do mercado acima da felicidade, do dinheiro acima do ser humano.

O Brasil pode hoje mais do que pôde no governo do que o senhor fez parte.

Pôde enfrentar a mais devastadora crise econômica mundial aumentando
salário, renda, consumo, produção, emprego quando passamos décadas ouvindo,
diante numa crise na Malásia ou na Tailândia que era preciso arrochar mais o
povo.

Pôde falar de igual para igual no mundo, pôde retomar seu petróleo, pôde
parar de demitir, pôde retomar investimentos públicos, pôde voltar a
investir em moradia, em saneamento, em hidrelétricas, em portos, em
ferrovias, em gasodutos. Pôde ampliar o acesso à educação, ainda que abaixo
do que mereça o povo, pôde fazer imensas massas de excluídos ingressarem no
mundo do consumo e terem direito a sonhar.

Pôde, sim, assumir o papel que cabe no mundo a um grande país, líder de seus
irmãos latino-americanos.

O Brasil pôde ser, finalmente, o país em que seu povo não se sente um pária.
Um país onde o progresso não é mais sinônimo de infelicidade.

É por isso, Serra, que o Brasil não pode mais andar para trás. Não pode
voltar para as mãos de gente tão arrogante com seu povo e tão dócil aos
graúdos. Não pode mais ser governado por gente fria, que não sente a dor
alheia e não é ansiosa e aflita por mudar.

Não pode mais, Serra, não pode mais ser governado por gente que renegou seus
anos mais generosos, mais valentes, mais decididos e que entregou seus
sonhos ao pragmatismo, que disfarça de si mesmo sua capitulação ao inimigo
em nome do discurso moderno, como se pudesse ser moderno aquilo que é
apoiado pelo Brasil mais retrógrado, elitista, escravocrata, reacionário.

Há gente assim no apoio a Lula e a Dilma, por razões de
conveniência-político eleitoral, sim. Mas há duzentas vezes mais a seu lado,
sem qualquer razão senão a de ver que sua candidatura e sua eleição são a
forma de barrar a ascensão da “ralé”. Onde houver um brasileiro
empedernidamente reacionário, haverá um eleitor seu, José Serra.

Normalmente não falaria assim a um homem mais velho, não cometeria tal
ousadia.

Mas sinto esta necessidade, além de mim, além de minha timidez natural, além
de minha própria insuficiência. Sinto-me na obrigação de ser a voz do teu
passado, José Serra. É um jovem que a Deus só pede que suas convicções não
lhes caiam como o tempo faz cair aos cabelos, que suas causas não fraquejem
como o tempo faz fraquejar o corpo, que seu amor ao povo brasileiro
sobreviva como a paixão da vida inteira. Que o conhecimento, que o tempo há
de trazer, não seja o capital de meu sucesso, mas ferramenta do futuro.

Vi um homem, já idoso, enfrentar derrotas eleitorais e morrer como um
vitorioso, por jamais ter traído as ideias que defendeu. Erros, todo humano
os comete. Traição, porém, é o assassinato de nós mesmos. Matamos quem fomos
em troca de um novo papel.

Talvez venha daí sua dificuldade de dormir.

Na remota hipótese de vencer as eleições, José Serra, o senhor será o
derrotado. O senhor é o algoz dos seus melhores sonhos.

Por Brizola Neto, no blog Tijolaço

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Parmenas Alt
Parmenas Alt
A estrada é longa e o tempo é curto. Não deixe de fazer nada que queira, mas tenha responsabilidade e maturidade para arcar com as consequências destas ações.
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