A Câmara dos Deputados não vai cumprir imediatamente uma eventual decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de cassar o mandato dos deputados que trocaram de partido. O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), afirmou na quarta-feira à noite que, caso o Supremo determine a perda de mandato, será necessário estabelecer um rito, incluindo prazo de defesa para os deputados que mudaram de sigla.
Os ministros do STF retomam nesta quinta-feira, 4, às 14 horas, o julgamento de mandados de segurança em que partidos da oposição pedem que confirmem o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que deputados que trocaram de legenda têm que devolver os mandatos aos partidos pelos quais se elegeram.
“É preciso definir o rito. Vou fazer o quê? Faço uma cartinha para mandar para a casa de cada deputado?”, indagou Chinaglia. Ele explicou que pediu à Secretaria Geral da Mesa um parecer jurídico para definir qual o rito a ser cumprido caso o Supremo decida hoje pela cassação dos mandatos dos deputados que mudaram de partido. Mas, preocupado com a repercussão junto ao Judiciário, Chinaglia fez questão de deixar claro que a Câmara não cogita descumprir uma eventual decisão do Supremo de cassar esses mandatos. “Temo que isso possa tisnar uma relação de absoluto respeito entre a Câmara e o Supremo”, disse.
Chinaglia reuniu-se com os ex-presidentes da Câmara Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Michel Temer (PMDB-SP), além dos deputados José Genoino (PT-SP), José Eduardo Cardozo (PT-SP) e Flávio Dino (PC do B-MA) para definir os passos da Câmara em relação ao julgamento do Supremo. A idéia é criar um rito a ser cumprido com base no artigo 55 da Constituição, que estabelece os casos de perda de mandato parlamentar, se o Supremo resolver cassar os mandatos dos deputados que trocaram de partido.
“Cabe à Mesa da Câmara baixar um ato assegurando o direito de defesa dos deputados”, explicou Flávio Dino. Ficou decidido que a Câmara enviará o ex-ministro do TSE Fernando Neves para defendê-la na sessão do Supremo.
Divergências
O STF adiou a decisão sobre a quem pertencem os mandatos parlamentares: aos partidos ou aos deputados federais, estaduais e vereadores. Mas mesmo distante de um veredicto, os ministros já divergiram na quarta-feira sobre questões preliminares.
Eros Grau, relator do mandado de segurança do PPS, disse ser contrário inicialmente ao recebimento da ação pelo Supremo. Argumentou que o mandado de segurança não seria o instrumento correto para que parlamentares perdessem seus mandatos. Por esse instrumento, argumentou, os deputados infiéis não teriam direito a ampla defesa, previsto na Constituição.
“O que se está a debater é o fato de que esta Corte vai declarar a perda de mandato e convocar suplentes sem que os deputados atingidos tenham podido se defender”, declarou. Por conta disso, afirmou o ministro, o Supremo não deveria sequer admitir a ação para depois discutir o mérito.
Os outros dez ministros, no entanto, derrotaram a tese de Eros Grau. Na opinião deles, havia fatos suficientes para que o STF admitisse a ação e continuasse a discuti-la nesta quinta. E consideraram que Eros Grau já antecipava indevidamente sua opinião sobre o mérito do mandado.
Se Eros Grau fosse vitorioso nessa questão inicial, o julgamento terminaria na quarta mesmo. Assim, PPS, PSDB e DEM não teriam de volta os mandatos dos 23 deputados que deixaram suas fileiras e se filiaram a partidos da base governista.
Somente nesta quinta os ministros dirão quais argumentos são válidos. Na quarta, contudo, Marco Aurélio Mello, maior entusiasta da fidelidade no tribunal, já contestou um dos principais argumentos da defesa dos parlamentares infiéis. Reafirmou que, no entendimento do TSE, a troca do deputado infiel pelo suplente não caracteriza perda de mandato, mas uma renúncia tácita.
Outro que se adiantou foi Celso de Mello. Antes da sessão, indicou que, caso seja favorável aos mandados de segurança, defenderá a definição de quando a regra da fidelidade passará a valer. “Se o Supremo defender a decisão do TSE, terá de se deparar com o princípio da insegurança jurídica”, disse.
Por esse entendimento, os deputados que mudaram até esta quinta de partido, estariam anistiados. Alguns ministros se colocarão contra essa determinação de prazo. Para Marco Aurélio, a regra valerá para todos os deputados que mudaram de partido desde as eleições passadas.
O Supremo precisa concluir o julgamento nesta sessão. Na sexta, termina o prazo para que candidatos às eleições de 2008 se filiem a um partido e com isso possam disputar mandatos municipais. Alguns deputados pretendem concorrer a prefeituras em seus Estados, mas para isso precisam mudar de partido para ter viabilidade eleitoral. Se o STF definir que a mudança de legenda é razão para perda de mandato, não se arriscarão . Caso o STF dê sinal verde para o troca-troca, podem migrar para outros partidos, disputar as eleições e, se perderem, voltar a Brasília para terminar seus mandatos.
Defesa
Na sessão de quarta, os advogados ocuparam a maior parte do tempo. Foram oito advogados que falaram por três horas. Apenas às 18 horas, o primeiro relator dos mandados, Celso de Mello, começou a ler seu voto, interrompido às 19 horas.
O primeiro advogado a falar foi o representante do DEM, ex-ministro do Supremo Paulo Brossard. O DEM perdeu oito deputados desde as eleições do ano passado e foi o autor da consulta feita ao TSE que acabou por determinar, sem efeitos práticos, que o mandato parlamentar pertence ao partido e não ao parlamentar.
Há 18 anos Brossard defendeu a fidelidade no julgamento de um mandado de segurança semelhante aos atuais. Por isso, o advogado do PSDB, Eduardo Alckmin, cedeu os 15 minutos a que tinha direito. Com isso, Brossard falou por 35 minutos, 15 a mais do que o permitido.
Brossard argumentou que a lei brasileira obriga a que os candidatos a cargos políticos estejam filiados a partidos políticos e recordou que as eleições brasileiras se dão pelo sistema proporcional, em que deputados, mesmo que não tenham sido bem votados, podem ser eleitos com os votos dados à legenda. Por isso, defendeu, que o mandato pertence às legendas. “A representação proporcional na Câmara não foi feita por um divertimento. Ninguém tem direito de violar esse preceito?, disse Brossard.