O aposentado Manoel Liberato tem 86 anos e vive em São Sebastião, no litoral de São Paulo. A alfabetização dele deveria ter iniciado por volta de 1928, quando tinha 6 anos de idade, mas só começou no ano passado, por meio de um programa do Governo Federal. Apesar dos oito meses de dedicação, ele admite que ainda falta muito para se considerar “estudado”. “Tenho dificuldade em juntar as letras. Estou velho e não tenho e mesma memória das crianças”, explica.
Em 2007, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que o País tem 14 milhões de pessoas que não sabem assinar o próprio nome – cerca de oito milhões desses brasileiros votarão nas próximas eleições. A maioria é de trabalhadores rurais, nordestinos, negros ou pardos. Segundo o Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf), a situação é pior ainda: 72% da população têm dificuldade em compreender e interpretar textos.
Entre os anos de 1996 e 2006, a população analfabeta diminuiu de 14,8% para 10,8%. Apesar de o Brasil passar por uma queda constante nos indicadores de analfabetismo absoluto, referente àqueles que nunca foram à escola, o País ainda é o segundo da América do Sul com maior número de iletrados, só à frente da Bolívia.
Segundo Ana Lúcia Lima, diretora-executiva do Intituto Paulo Montenegro – responsável pelo Inaf – a alfabetização vai muito além da compreensão ou escrita de frases simples. Ela explica que para ser considerado plenamente alfabetizado é preciso aprender a localizar informações em textos longos, distingüir opiniões de fatos, interpretar gráficos e mapas. No estudo, são avaliadas as habilidades de leitura e escrita, e registrados hábitos de leitura, grau de instrução e renda média familiar. Com a pesquisa, percebeu-se que o desenvolvimento da alfabetização está vinculado a diversos motivos. Como era de se esperar, pessoas com menor escolaridade mostraram ter mais dificuldade em desenvolver a alfabetização. Mas, muitas vezes, pessoas que passaram o mesmo número de anos na escola têm níveis diferentes de habilidades. “Uma criança de pais analfabetos tem mais dificuldade de desenvolver a alfabetização”, explica Ana.
Criado em 1967, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) levava a bandeira da erradicação do analfabetismo, que naquela época atingia mais de 30% dos brasileiros (veja outras iniciativas no quadro abaixo). Entretanto, os mutirões do programa se limitavam apenas a ensinar as primeiras letras e números. Hoje, diversas iniciativas de instituições governamentais ou independentes ainda erram no mesmo ponto em que o Mobral falhou.
A evasão escolar é outro fator que faz com que muitos brasileiros não continuem nas salas de aula.
André Lazaro, secretário de alfabetização e diversidade do Governo Federal, explica que o programa Brasil Alfabetizado oferece as ferramentas de alfabetização, ensinando o domínio das primeiras letras e números, para que depois o aluno freqüente aulas de educação de jovens e adultos. Para o senador e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque, o motivo para a desistência está em não criar o gosto pela leitura nos alunos. “A educação é um meio de emancipação pessoal. O Mobral não era ruim, o problema era que não tinha continuidade. Era apenas alfabetização, não tinha ‘leituração’. E a pessoa que não lê limita seus caminhos na vida”, conclui o senador.
Um dos argumentos mais recorrentes para o aumento do investimento na alfabetização é o retorno econômico. Segundo o IBGE, residências com rendimento maior que R$ 4.150 (dez salários mínimos) têm apenas 1,5% de taxa de analfabetismo, enquanto que nas famílias que sobrevivem com menos de R$ 415 mensais o índice salta para 29%. “O que faz uma economia ser desenvolvida ou não é a quantidade de cérebros que ela tem”, afirma Cristovam Buarque. Entretanto, ele ainda avalia que mais importante do que considerar o crescimento da riqueza do País é perceber o impacto social da alfabetização. “O prazer que uma senhora tem ao aprender a escrever o nome do neto não aparece no Produto Interno Bruto (PIB)”, exemplifica.
Marília Melhado/F.U