Proposta em tramitação no Congresso visa restringir compras com Bolsa Família, como bebidas e cigarro, e combater o uso indevido do benefício. Saiba mais sobre os projetos em análise
Recentemente, o Congresso Nacional tem se mobilizado para implementar uma série de reformas no Bolsa Família, programa social que visa atender milhões de famílias em situação de vulnerabilidade no Brasil.
O objetivo das novas propostas é garantir que os recursos do benefício sejam usados de forma mais eficiente e alinhada aos objetivos do programa, combatendo o uso indevido para fins como apostas esportivas e compra de produtos não essenciais, como bebidas alcoólicas e cigarros.
Entre os projetos em tramitação, destacam-se medidas que visam restringir os tipos de compras permitidas com o cartão do Bolsa Família, além de propostas que buscam coibir a utilização dos recursos em apostas online. Essas reformas têm gerado discussões sobre a efetividade das medidas, mas também apontam para a necessidade de otimizar o uso dos recursos públicos.
A Reforma no Bolsa Família: Propostas em Tramitação
Atualmente, existem duas propostas de destaque que buscam restringir o uso do Bolsa Família.
A primeira, apresentada pelo senador Cleitinho (Republicanos-MG), sugere que o benefício seja disponibilizado por meio de um cartão de pagamento, que limitaria o uso dos recursos apenas para compras de alimentos, roupas, remédios, gás e pagamento de serviços essenciais, como água, esgoto, energia elétrica e internet.
O Cartão de Pagamento: Limitações de Uso
A ideia do projeto é criar uma restrição mais rígida sobre como o benefício é utilizado. Em vez de os beneficiários poderem sacar os valores em espécie e usá-los livremente, a proposta visa garantir que os recursos sejam aplicados apenas em itens que contribuam diretamente para a alimentação e o bem-estar básico das famílias.
A utilização do cartão seria limitada a CNPJs de empresas que comercializam esses produtos ou prestam esses serviços, o que ajudaria a evitar que o dinheiro fosse usado para a compra de bens não relacionados aos objetivos do programa.
O senador Cleitinho defende que, ao permitir saques e transferências livres, o Bolsa Família se torna vulnerável ao uso indevido para compras de produtos que não atendem à necessidade básica da população, como bebidas alcoólicas, cigarros e jogos de azar. Para ele, a mudança é essencial para dar maior efetividade ao programa.
O Combate às Apostas Online
Outro projeto de relevância, de autoria do deputado Tião Medeiros (PP-PR), propõe uma restrição ainda mais direta sobre os usos inadequados dos recursos do Bolsa Família, focando principalmente em apostas online.
A proposta busca impedir que beneficiários do programa usem os valores recebidos em plataformas de apostas esportivas, que, segundo um estudo recente, têm atraído um número considerável de participantes entre os beneficiários do Bolsa Família.
A medida estabelece que, caso um beneficiário seja flagrado utilizando os recursos para fazer apostas online, ele perderá o direito ao benefício. A regra também se aplica a cônjuges e dependentes do titular do benefício, ampliando o alcance da fiscalização.
Além disso, a proposta obriga as empresas de apostas a enviar mensalmente relatórios detalhados ao Ministério da Fazenda, contendo informações sobre os apostadores e os valores apostados, identificados por CPF.
Impactos e Desafios das Reformas
Embora as reformas em trâmite no Congresso sejam bem-intencionadas e visem aumentar a eficiência do programa Bolsa Família, especialistas têm apontado que as mudanças podem não ser suficientes para impedir o uso indevido do benefício.
O problema do uso irresponsável do dinheiro vai além da simples aplicação de restrições e envolve questões sociais mais complexas, como vícios e falta de educação financeira.
A Visão dos Especialistas
A advogada Deborah Constâncio, da Comissão de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), acredita que as reformas podem não ter a eficácia desejada. “Entendo que o vício é um problema social mais complexo. Por isso, acredito que esse projeto pode não ter a eficácia esperada”, afirmou a especialista.
Por outro lado, o advogado Luciano Gabeira, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-ES, vê as propostas como uma tentativa de minimizar o desperdício dos recursos. “A proposta não resolve o problema, mas cria restrições dificultando o gasto inconsciente e indiscriminado desse recurso”, explicou.
O Problema do Uso Indevido do Bolsa Família
A questão do uso inadequado dos recursos do Bolsa Família não é recente. Há registros de beneficiários que utilizam o dinheiro para compras não essenciais, como bebidas, cigarros, ou mesmo para participar de jogos de azar.
Em um estudo realizado pelo Banco Central, foi identificado que, entre janeiro e agosto de 2024, os beneficiários do programa gastaram cerca de R$ 10,5 bilhões em apostas online, com R$ 3 bilhões sendo gastos apenas no mês de agosto.
Esses dados levantam preocupações sobre o impacto social desse tipo de gasto, especialmente quando se considera que os recursos do Bolsa Família são destinados a garantir a alimentação e o bem-estar das famílias carentes.
A utilização desses valores em apostas ou produtos não essenciais compromete o objetivo principal do programa, que é proporcionar a segurança alimentar e a qualidade de vida para quem mais precisa.
O Papel do Tribunal de Contas da União (TCU)
Em setembro de 2024, o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou uma reformulação no formato do Bolsa Família. O órgão apontou que o programa apresenta estimativas de cobertura regional inadequadas e desatualizadas, o que pode levar à inclusão indevida de famílias no programa.
A recomendação é que a metodologia utilizada para determinar a elegibilidade das famílias seja revista, o que poderia gerar uma economia significativa para os cofres públicos — estimando-se uma redução de até R$ 12,9 bilhões anuais.
Essas observações do TCU indicam que, além da proposta de restringir os tipos de compras, seria necessário uma revisão mais profunda na gestão do programa, visando não apenas garantir que os recursos sejam usados de maneira mais eficiente, mas também assegurar que o benefício chegue a quem realmente precisa.
Considerações Finais
As propostas em tramitação no Congresso para restringir o uso do Bolsa Família são um reflexo da preocupação com o destino dos recursos públicos. A medida de limitar o benefício a determinadas compras e serviços essenciais é uma tentativa de evitar que os recursos sejam desviados para fins que não atendem aos objetivos do programa.
Entretanto, especialistas alertam que a questão vai além da simples aplicação de restrições. A mudança no formato de distribuição e fiscalização do benefício pode ser importante, mas não resolve o problema subjacente de dependência e vícios, que exigem abordagens mais amplas e integradas de políticas públicas.
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