O calvário particular do ex-governador Sergio Cabral parece mesmo não ter fim. Agora, a Justiça autoriza que seus bens apreendidos sejam leiloados. Serão vendidos a mansão milionária na praia, a lancha de luxo, os carrões e as joias
Quando foi governador do Rio de 2007 a 2014, Sérgio Cabral e sua mulher Adriana Ancelmo abusavam da ostentação – principalmente com dinheiro público proveniente de propina desviada de contratos firmados com o poder público. Usavam os helicópteros do governo para irem à mansão que possuem na praia de Mangaratiba, no litoral Sul do Estado, transportar amigos e até cachorrinhos do casal durante os finais de semana. Era uma esbórnia. A mansão de Mangaratiba tem inúmeras suítes, adega, sauna, quadras, horta, hidromassagem, academia de ginástica, estacionamento para dezenas de carros, lanchas e motos aquáticas. Fica situada num cenário paradisíaco. Na frente, o mar. No fundo, as montanhas. Era uma afronta constante ao povo carioca que via e ainda vê o Estado esfarelar, sem escolas públicas de qualidade, assistência médica e com os servidores sem receber salários em razão dos desmandos administrativos. Agora, com o ex-governador preso por corrupção e réu em 11 processos, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, determinou o confisco da propriedade, além de outros bens milionários do casal, que serão submetidos a leilão. Só a mansão da praia está avaliada em R$ 8 milhões, 40 vezes mais do que os R$ 200 mil informados na subvalorizada declaração de Imposto de Renda de Cabral.
No site de venda de imóveis Zap, uma residência idêntica está anunciada por R$ 11,8 milhões. Outra similar, por R$ 16,5 milhões. O corretor especializado em imóveis de luxo na região, Charlie Jones, disse que não conhece a casa do ex-governador mas, pela descrição, “pode custar até R$ 15 milhões”. Sobre a diferença, Bretas escreveu: “Ainda que se defenda que o valor de mercado não se reduz com tanta facilidade, a medida também é autorizada pela Lei de Lavagem de Dinheiro, tendo em vista que a dificuldade para manutenção é inegável, uma vez que o casal proprietário está custodiado pelo Estado, sem poder dispensar os devidos cuidados à casa.” Cabral está preso na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona Norte, e Adriana cumpre prisão domiciliar no apartamento deles, no Leblon, bairro mais caro do Rio. Ele responde a acusações de corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e fraude de licitações. Estima-se que tenha desviado cerca de R$ 1 bilhão dos cofres públicos, com participação da mulher.
Lancha de R$ 4 milhões
O leilão inclui, ainda, a lancha Manhattan, avaliada em R$ 4 milhões, jetboat, motos aquáticas, carros importados e muitas joias. Cabral diz que 50% da embarcação, de 75 pés, pertenceriam ao empresário Paulo Fernando Magalhães Pinto. Mas para a Justiça o empresário é “laranja” do ex-governador. Ao menos foi o que Magalhães Pinto garantiu em delação premiada. Pinto disse no acordo que também pagava o aluguel de uma sala comercial usada por Cabral.
O argumento da possível depreciação de patrimônio foi usado pelo juiz Bretas também para justificar a inclusão de bens móveis, como barcos e carros: “Entendo que tanto os automóveis, quanto as embarcações, são bens facilmente depreciáveis com o simples passar do tempo, perdendo valor de mercado, ainda que bem cuidados e com manutenção em dia. Com efeito, uma breve consulta ao sítio virtual da FIPE demonstra que os valores médios de mercado dos modelos dos automóveis constritos reduziram.”
Por enquanto, as joias dignas de majestades usadas por Adriana Ancelmo e compradas com o dinheiro da corrupção do marido que irão a leilão são as que já foram localizadas e apreendidas por investigadores da Operação Calicute, da Lava Jato, avaliadas em R$ 2,1 milhões. Porém, outras 149 peças ainda estão desaparecidas. Recentemente, a Polícia Federal recuperou 15 delas na casa de uma irmã de Adriana, Nusia, que teria recebido o lote como presente. Outras joias estariam com a ex-governanta do casal, Gilda Maria Vieira da Silva, que tentou vendê-las à uma joalheria. Ela alega que as peças seriam parte de seu pagamento.
Serão leiloados também cinco carrões do ex-governador, avaliados em quase R$ 700 mil. Entre os veículos estão um jipe Discovery avaliado em R$ 240 mil e uma Mitsubishi Pajero custando R$ 159 mil. Peritos avaliam que o leilão deve arrecadar, no total, R$ 14,5 milhões. Esse dinheiro ficará depositado em uma conta judicial até que todos os processos sejam julgados.
Embora não tenha data marcada para acontecer, o leiloeiro público já está definido, será Renato Guedes, “cuja equipe já realizou diversos leilões determinados por este juízo”, frisou Bretas. O magistrado acrescenta que “a medida pretende também proteger o patrimônio total dos acusados, caso ele venha a ser absolvido pelos órgãos jurisdicionais.” Até o momento, os advogados do casal não contestaram a decisão ou os valores do leilão.
O dinheiro arrecadado será restituído depois aos cofres públicos. O juiz Bretas explica que “o objetivo da alienação antecipada é o de salvaguardar a restituição aos cofres públicos de eventual produto/proveito de crime, de forma que, obviamente, fica resguardado o direito à devolução da quantia em caso de sentença absolutória”, afirmou Bretas. Fica a lição. Quem ri por último, ri melhor. O povo do Rio está esfuziante só de imaginar que a Justiça possa estar sendo feita. Afinal, o corrupto pode até ser preso, ficar alguns anos na cadeia, mas o que doi na mente e no bolso é ter de ficar sem os bens que adquiriu com o saque aos cofres públicos.
Mulher superpoderosa
Em abril de 2011, a advogada Adriana Ancelmo chamou em seu escritório, no Rio, os três nomes escolhidos pelo então governador Sergio Cabral, seu marido, para comunicar que eles seriam os novos desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ). Na ocasião, Cláudio Tavares de Oliveira Júnior, Patrícia Ribeiro Vieira e Luciano Sabóia de Carvalho também souberam que voltariam a beijar a mão de Adriana na cerimônia de posse, pois ela seria a representante do governador no evento. No mesmo ano, a então primeira-dama influenciou também a ida de Marco Belizze para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Todos sabiam de seu poder no Judiciário. Nos dois mandatos de Cabral, a receita de seu escritório cresceu 457%.
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