Jogo macabro é tema de conversas entre adolescentes; a maioria disse que o assunto ainda não foi abordado pelos professores em sala de aula
Mortes em Minas que podem ter ligação com o jogo Baleia Azul repercutem e dominam conversas de adolescentes de escolas públicas e particulares de Belo Horizonte. Mesmo causo alvoroço entre alunos dos ensinos fundamental e médio, o assunto, porém, só está sendo debatido fora das salas de aula.
O jogo Baleia Azul nasceu na Rússia, em 2015, e se tornou conhecido no Brasil em 2017; além dos dois suicídios investigados em Minas, há suspeitas de casos nos estados do Rio de Janeiro e Mato Grosso
Estudantes de colégios das regiões Centro-Sul, Oeste, Nordeste, Noroeste e Leste da capital ouvidos pelo Hoje em Dia confirmam que o tema – que movimenta redes sociais, preocupa pais e psicólogos e mobiliza até a polícia – não vem sendo abordado, na maioria dos casos, pelos educadores.
De forma geral, boa parte dos jovens ouvidos pela reportagem condena o jogo, uma espécie de “desafio” on-line suspeito de induzir à autoflagelação e ao suicídio. “Minha mãe chegou para conversar comigo para tomar cuidado com jogos e não cair na onda de amigos. A escola deveria conversar sobre isso também, porque existem pessoas que são influenciáveis”, disse uma estudante de 14 anos.
“Isso não é coisa de gente normal. Ninguém entra num jogo sabendo que vai ter que morrer no final. As pessoas que entram no jogo acham que a vida não é boa, mas não podem pensar assim, pois a vida sempre poder ser boa” (Aluna de 13 anos, rede pública)
Mesmo entre os vários adolescentes que acham que a brincadeira não passa de uma “modinha”, e que tratam o assunto até com certo deboche, há quem acredite que os praticantes precisam de ajuda.<
“Isso é coisa de quem está querendo chamar a atenção. Ninguém normal entraria em uma brincadeira que obriga a pessoa a se matar no final”, diz um aluno de 17 anos do ensino médio de uma escola no Prado, Oeste da cidade.
Incipiente
A elaboração de medidas práticas para evitar que mais adolescentes se envolvam com o Baleia Azul, que já pode ter vitimado um jovem em Pará de Minas e outro em BH, ainda é incipiente. Tanto na rede privada de ensino quanto na pública municipal, os órgãos responsáveis aguardam manifestações das escolas para que ações específicas sejam planejadas.
O Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep) informou que como não houve, até o momento, dema por parte das instituições associadas, nenhuma ação foi elaborada para tratar o tema com os estudantes.
Por sua vez, a Secretaria Municipal de Educação informou que “não registrou ainda notificação por parte das escolas de que essa situação esteja ocorrendo”. No entanto, “está atenta a qualquer manifestação que fuja ao cotidiano das escolas e conta com uma equipe responsável por lidar com questões relativas ao clima escolar”.
A pasta afirmou que será feito um trabalho de formação oriento diretores e coordenadores pedagógicos para identificar situações que sugiram ou caracterizem comportamentos de autoflagelação entre os alunos.
Já a Secretaria de Estado de Educação (SEE) disse que está encaminho às unidades de ensino um ofício oriento o reforço de ações pedagógicas de conscientização sobre o uso seguro da internet e de temas que envolvam a convivência no ambiente escolar, como o bullying.
A reportagem tentou contato com a Federação das Associações de Pais e Alunos das Escolas Públicas de Minas Gerais (Fapaemg). Entretanto, até o fechamento desta edição não havia conseguido retorno.
“Tem gente que faz isso porque é modinha. Acho que os pais têm que estar mais atentos às coisas que acontecem, têm que saber o que os filhos estão fazendo” (Aluna de 13 anos, rede pública)
“Tenho canal no YouTube e vou falar sobre o tema porque é um dos mais falados do momento. Quero falar que, se a pessoa tem algum problema, tem que falar com alguém. Suicídio não é solução para nada” (Aluna de 13 anos, rede particular)
Cortar a própria pele e desenhar uma baleia é uma das tarefas que devem ser cumpridas pelo participante
“As pessoas que estão sofrendo com esse jogo precisam de ajuda da família ou de um psicólogo. Os pais têm que conversar com filhos, saber se está tudo bem” (Aluno de 16 anos, rede particular)
Tema deve ser debatido em conjunto, afirma especialista
O Baleia Azul não é o primeiro exemplo de desafios da internet a ganhar fama no Brasil. Há cerca de um ano, a brincadeira do desmaio por asfixia arrebanhou adeptos no país e, em São Paulo, levou à morte um jovem de 13 anos.
“Minha mãe chegou para conversar comigo para tomar cuidado com jogos e não cair na onda de amigos. A escola deveria conversar sobre isso, porque existem pessoas que são influenciáveis” (Aluna de 14 anos, rede particular)
O jogo consistia em prender a respiração até desmaiar, com o intuito de viver experiências fortes. A prática registrou, ainda, óbitos em países como Estados Unidos e Canadá.
Para especialistas, fenômenos semelhantes devem continuar a aparecer periodicamente na rede virtual. Por isso, pais e escolas devem se manter vigilantes.
“Hoje, o foco é o Baleia Azul, mas sempre tem algo acontecendo envolvendo um tipo de comportamento nocivo dos jovens. A escola precisa ser mais abrangente, ter uma linha contínua de atenção ao estudante dentro desse contexto crítico do que está sendo acessado. O adolescente que recebe uma formação, que o leva a analisar as coisas, não vai cair nesse tipo de cilada”, defende Marua Íris Mendes, psicanalista e pedagoga da Associação Mineira de Psicanálise.
“A mensagem da série ‘13 Porquês’ (Netflix) é olhar as pessoas que estão ao nosso redor e perceber mudança de comportamento, observar se a pessoa vai se matar” (Aluna de 16 anos, rede particular)
Ela destaca, no entanto, que a responsabilidade sobre o envolvimento dos jovens com jogos perigosos não deve ser depositada apenas sobre as instituições de ensino.
“A primeira atitude tem que ser familiar. Mas é claro que deve haver diálogo com a escola. Ambos (família e escola) devem caminhar juntos. É imprescindível incentivar um pensamento mais profundo. Os jovens estão extremamente despreparados e sem uma base familiar sólida”, opina a especialista.
Raul Mariano e Cinthya Oliveira
Fonte:Hoje em Dia