Nesta quinta-feira, Dia Mundial do Coração, a Associação de Assistência à Criança Cardiopata (AACC) Pequenos Corações alerta para um crescimento preocupante: o óbito de crianças cardiopatas no país, por falta e falha no atendimento. Em 2016, foram 24 mortes, seis casos somente em agosto.
De acordo com a AACC, apesar de alarmantes, os números não representam a totalidade dos casos, já que muitos não chegam ao conhecimento da entidade. De janeiro a agosto, os estados com registros de óbitos de bebês cardiopatas foram: Tocantins (5), São Paulo (3), Piauí (3), Maranhão (2), Acre (2), Bahia (2), Amapá (1), Rio de Janeiro (1), Goiânia (1), Mato Grosso (1), Paraná (1), Alagoas (1) e Distrito Federal (1).
Segundo a advogada e diretora da AACC, Janaina Souto, na maioria dos casos a cardiopatia foi diagnosticada e as famílias receberam orientações para o processo cirúrgico, em que 12 buscaram atendimento com medidas judiciais, porém, sem sucesso. “No Tocantins a situação é ainda mais séria. Temos acompanhado quatro bebês que esperam, com liminar, o tratamento urgente. Um deles, com diagnóstico de Síndrome de Hipoplasia do Coração Esquerdo (SHCE – a cardiopatia mais grave que existe), espera transferência há mais de 40 dias, desde que nasceu. Apesar da medida judicial que obriga o Estado a fazer a transferência, a decisão ainda não foi cumprida. A situação é desesperadora, já que neste caso a cirurgia é prevista em, no máximo, 3 dias de vida. ”, denuncia Janaina.
Diagnóstico precoce versus tratamento
Após a bandeira levantada pela Pequenos Corações, para a implantação do Teste do Coraçãozinho (Oximetria de Pulso) nas maternidades brasileiras, uma portaria do Ministério da Saúde incorporou o exame na rotina neonatal, em 2014. No entanto, a prática não tem sido unanimidade no país. “Fizemos grandes progressos nos últimos dois anos, porém, existem muitos lugares em que o teste ainda não está sendo feito. Temos mães voluntárias trabalhando para que seja decretada lei municipal em algumas cidades. É o caso de Birigui, em São Paulo, em que a lei foi recentemente aprovada e aguarda o protocolo ser adotado nas maternidades”, diz Larissa Mendes, também diretora da AACC.
A Pequenos Corações conta com o apoio de mães que levam informações às gestantes dentro dos hospitais e ainda promovem o treinamento das equipes de saúde sobre a importância do Teste do Coraçãozinho, contribuindo para que ele seja colocado em prática. Um exemplo é a cidade de Campo dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, em que as voluntárias, com a ajuda de médicos especialistas, conseguiram implantar o exame nas duas maiores maternidades da cidade. “Vale ressaltar que o teste é minimamente invasivo, indolor, rápido e com investimento mínimo para a instituição: o oxímetro; equipamento já existente nas maternidades”, incentiva Larissa.
A presidente da AACC, Márcia Adriana Rebordões, alerta ainda a necessidade do diagnóstico precoce em mulheres que integram o grupo de risco. Neste caso, o ecocardiograma fetal é recomendado ainda na gestação e a oximetria de pulso deve ser feita no bebê nas 24 horas após o nascimento. “Merecem uma atenção diferenciada as mulheres acima dos 35 anos de idade, com outros filhos ou familiares próximos que tenham cardiopatias; gestantes com diabetes, hipotireoidismo, lúpus eritematoso sistêmico (LES) ou que apresentem doenças como toxoplasmose e rubéola durante a gestação. Também àquelas que utilizam medicamentos anticonvulsivantes, anti-inflamatórios, ácido retinóico e lítio, por exemplo. A gestação de gêmeos ou de múltiplos e a gravidez por fertilização in vitro devem receber cuidados especiais, igualmente”, explica Adriana.
Considerado o “padrão ouro” na triagem neonatal, o Teste do Coraçãozinho tem eficácia comprovada pelos especialistas na detecção das cardiopatias. Uma prova disso é o aumento do diagnóstico de bebês com cardiopatias nas maternidades. Contudo, um outro problema se revela diante do crescimento dos casos: a falta de atendimento e tratamento rápido para esses bebês. “Com o diagnóstico precoce sendo realizado, se os hospitais funcionassem corretamente, com vagas e especialistas em cirurgia cardíaca, muitas crianças teriam a chance de viver”, lamenta a presidente.
Diante dos óbitos, a entidade denuncia dois cenários: nos hospitais em que o Teste do Coraçãozinho ainda não é feito, o bebê cardiopata, na maioria das vezes, recebe alta sem a detecção do problema. Nos casos mais graves, os sintomas se revelam em casa e essa criança volta às pressas para a emergência. Porém, nem sempre há tempo hábil para o socorro. Uma outra situação é total falta de infraestrutura para os casos previamente diagnosticados. O bebê passa pelo exame após o nascimento e tem a cardiopatia diagnosticada, mas a maioria dos hospitais não contam com cardiologistas pediátricos, nem ecocardiografistas e ainda equipamentos para que se possa avaliar a gravidade da cardiopatia. E ainda, quando se consegue fazer uma avaliação completa, com a necessidade de cirurgia imediata, outro drama se apresenta: a fila para uma vaga e cirurgia. “Infelizmente temos acompanhado o pior cenário de todos, o da morte desses recém-nascidos enquanto os pais desesperados acompanham, impotentes, o estado de saúde dos filhos se agravar. Os bebês acabam morrendo sem as operações”, desabafa Janaina Souto.
No Brasil, nascem 28 mil crianças cardiopatas por ano, mas 78% delas não têm acesso ao tratamento. Atualmente, dos 64 centros habilitados no país, apenas 27 têm realizado as cirurgias cardíacas em crianças. E destes 27, apenas 5 são considerados de alta complexidade. Diante da demanda, a conta não fecha e está muito distante de uma realidade aceitável.
De acordo com a AACC, o atendimento ideal seria: com a cardiopatia identificada ainda no Pré-Natal, o parto já ser realizado com o suporte de uma equipe especializada, com o tratamento garantido para a criança cardiopata. Nos casos da detecção acontecer somente após o nascimento do bebê, este deveria passar, imediatamente, por exames mais precisos para identificação da gravidade da cardiopatia e, sendo necessária a cirurgia, que ela fosse realizada rapidamente, com a transferência para um hospital com a complexidade para o procedimento, se necessário. “Na Itália, por exemplo, esse tipo de procedimento e suporte acontece exatamente assim. Tudo depende da disponibilidade dos centros especializados, os quais mantém as vagas para que sejam supridas as demandas. As gestantes já fazem o parto em hospital especializado e o bebê, diagnosticado precocemente como cardiopata, nasce tendo atendimento cardiológico e cirurgia nos primeiros dias de vida. Os que recebem alta têm retorno programado e realizam a cirurgia no tempo devido, sem grandes esperas. E ainda os que nascem sem diagnóstico, mas têm urgência, são transportados em helicópteros para hospitais especializados e realizam as cirurgias de emergência, sem maiores complicações”, conta Larissa, que em 2007 teve um filho cardiopata e teve o socorro preciso, na Itália. Brasileira, Larissa se uniu às mães que enfrentavam problemas semelhantes, porém, sem informações e ajuda neste país, o que motivou a criação da entidade AACC Pequenos Corações, que hoje conta com mais de 50 núcleos em diferentes estados e uma casa de apoio em São Paulo, com recursos provenientes de ações beneficentes e doações voluntárias.
Mais informações no site www.pequenoscoracoes.com
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Contatos para entrevistas:
- Janaina Souto. Advogada voluntária e diretora da AACC Pequenos Corações. É de Brasília-DF e tem coordenado ações junto ao Ministério da Saúde. Contatos: (61) 8208-2292 e brasilia@pequenoscoracoes.com
- Márcia Adriana Saia Rebordões. Presidente da AACC Pequenos Corações. Contatos: (11) 96423-8085 e marciadri@pequenoscoracoes.com
- Dr. Caneo, cardiologista. Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular/Departamento de Pediatria. Contatos: (11) 98114-4748 e caneo@me.com
- Dr. Jorge Afiune, cardiologista (DF). Contatos: (61) 9222-4852, 3208-3339 e afiune.jorge@gmail.com
- Dra. Luciany, cardiologista (DF): (61) 8127.6899
Famílias de crianças cardiopatas
- Olga, mãe do Heitor: (61) 98287-6309, DF
- Daiany Pereira de Sousa, mãe do Angello, bebê com SHCE que aguarda há mais de 40 dias por uma transferência: (63) 99209-0320, TO
- Wiliane de Jesus Sousa, mãe do Luiz Paullo: (63) 9290-9382, TO
Foto: Daiany de Souza com o filho, Angello. Arquivo pessoal.