Já está em pleno vigor no Brasil a Lei 12.846/2013, também conhecida como a Lei Anticorrupção, votada às pressas pelo Congresso Nacional como resposta às manifestações de rua ocorridas em meados de 2013, em todo o país. O escopo da nova regra é mudar drasticamente o trato devido às pessoas jurídicas e dirigentes de entidades coletivas flagrados em atos de corrupção.
Os “alvos” preferenciais da norma são as sociedades empresárias e simples, fundações, associações de entidades ou pessoas, mesmo aquelas constituídas de fato (sem registro na junta comercial ou cartório).
Mas o que muda, na prática, o combate à corrupção, com a aplicação desta lei e seus 31 artigos que, pelo menos em parte, ainda espera regulamentação?
Muda muito!
Em primeiro lugar é bom que se diga que o arcabouço normativo brasileiro, no que tange ao conceito de corrupção, é bastante econômico. Excetuando o que é veiculado no Código Penal pelo artigo 333 (Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício) ou a conduta passiva do funcionário público que concorda com o ato antijurídico (art. 317), bem como o disposto no Código Eleitoral (art. 299), não se faz mais nenhuma menção à corrupção nos textos legais.
Então se não está na lei, a corrupção não existe? Óbvio que a premissa não é verdadeira, a corrupção consome em média 2,3% (por cento) do PIB (Produto Interno Bruto), ou seja, de toda a riqueza produzida no país desaparecem 100 bilhões de reais todos os anos. Convenhamos, esse dinheiro faria a diferença nas políticas públicas (escolas, hospitais, creches, praças de lazer, asfalto, água tratada etc.).
A Lei Anticorrupção inova no mundo jurídico ao permitir a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, e isso quer dizer que, se um empregado ou preposto de uma empresa tenta subornar um fiscal (ato de corrupção), quem será punido será o estabelecimento empresarial.
Ainda que se discuta sobre a constitucionalidade desta medida, lembremos que a responsabilidade objetiva (que permite a punição do acusado independente de sua culpa) já está presente em ramos jurídicos diversos, como o Direito Ambiental, Direito do Consumidor e em menor extensão no Direito Eleitoral (art. 25, Lei 9.504/97).
Antes do advento da Lei Anticorrupção, as empresas podiam alegar, quando flagradas em alguma prática ilícita, que a infração havia sido motivada por uma atitude isolada de um empregado. Acabavam sendo punidos com maior frequência apenas os agentes públicos flagrados (corrupção passiva) e era muito difícil comprovar a culpa da empresa ou do seu preposto.
O bem jurídico que se pretende proteger é a ética nas relações sociais e empresariais, de modo que aqueles empreendedores que atuam com boa-fé em seus atos negociais devem aplaudir esta norma, e em pé, zelando por sua aplicação.
Todavia os corruptos têm motivos para preocupação.
De acordo com a nova regra, quando a pessoa jurídica for surpreendida em ato de corrupção, sofrerá uma punição pecuniária, aquela multa que “dói” no bolso, e que vai de 0,1% a 20% do faturamento da empresa, podendo chegar a R$ 60.000.000 (sessenta milhões de reais). Isso significa a morte da pessoa jurídica que não observar seu dever de agir.
Um dos grandes problemas atuais é a impunidade daqueles que praticam atos de corrupção, e em parte isso pode ser imputado ao judiciário e ministério público, em razão da longa duração dos processos judiciais. Quando não pune os corruptos, ou quando o faz tardiamente, a sanção gera um impacto negativo na opinião pública, perdendo o caráter pedagógico e, por via oblíqua, incentivando ainda mais a corrupção.
Mas agora o judiciário perde o “monopólio” da punição, com a intenção da nova lei!
É que a instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabe à autoridade máxima de cada órgão ou entidade. Isso pode pode ser “de ofício” ou mediante a provocação de qualquer do povo, observados o contraditório e a ampla defesa à pessoa jurídica acusada.
Isso quer dizer que em cada secretaria de estado, prefeitura, ministério ou órgão público pode haver uma equipe qualificada para receber a denúncia de corrupção praticada por uma empresa, ouvir o acusado e instruir o processo (coletar provas), aplicando a sanção cabível.
No âmbito federal a Controladoria Geral da União (CGU) já está se aparelhando para atuar contra as más empresas, e isso se repete, por simetria, nos estados, onde o processamento será feito pelas controladorias ou auditorias.
Isso não quer dizer que fica afastada a atuação do judiciário e do ministério público nesse tipo de querela, inclusive porque a Constituição Federal diz o contrário (art. 5 inc. XXXV). Porém, como se trata de um ato administrativo, somente a regularidade (procedimento) do julgamento e punição das empresas pode ser revista judicialmente, mas não se pode julgar o mérito, em razão da discricionariedade (opção de agir) da Administração.
Aguarda-se uma atuação firme, principalmente dos órgãos do executivo, de resgate do respeito e admiração da opinião pública, com uma atuação rápida e eficaz contra as entidades corruptoras.
É possível que vejamos em breve o desaparecimento de empresas do círculo das relações econômicas, principalmente aqueles que se valem da figura do “laranja”, bem como é provável a extinção daqueles lobistas que visitam os gestores públicos com três ou quatro empresas dentro da pasta, prontos para disputar qualquer licitação, seja para vender agulha ou peças de avião.
Pela nova lei, as empresas deverão se preocupar com a ética empresarial, prevenindo internamente os atos de corrupção (o que se chama "compliance" ou conformidade, respeito à regra). Prevenção de atos de corrupção e agir com ética devem ser metas de toda e qualquer empresa, a partir de agora.
*Antonio Cavalcante Filho e Vilson Nery são ativistas do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção eleitoral)
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