Pelas notícias divulgadas recentemente, o governo Temer tem todas as cartas na mão para aprovar uma reforma da Previdência que introduzirá definitivamente a idade mínima de 65 anos. Ninguém nega que alguma reforma se faz necessária, até mesmo para continuar a pagar as (ínfimas) aposentadorias para boa parte da população. No entanto, cabe a pergunta fatal: se a expectativa de vida do brasileiro aumentou recentemente para pouco mais de 70 anos (sendo otimista), quantos anos sobrarão para que o aposentado goze justamente do descanso merecido? Não é preciso fazer muitas contas para chegar a um resultado óbvio de pouco mais de 5 ou 6 anos, dificilmente chegando a 10. Na prática significa: é preciso trabalhar até o último respiro no leito de morte.
Exageros à parte, o que está em jogo não é uma reforma cuja lei tenha como finalidade última a qualidade de vida do ser humano, mas tão somente um expediente prático para pôr as contas em ordem, depois de governos sucessivos que fingiram ignorar o problema ou adiaram indefinidamente a sua solução.
Mais do que discutir, portanto, qual é a idade mínima conveniente, seria necessário definir o que se entende por aposentadoria, isto é, se por aposentadoria se entende um prêmio concedido a quem trabalhou sem pausa por determinado período de tempo ou se tudo consiste simplesmente em uma quantia em dinheiro a ser concedida para quem não tem mais condições mínimas de saúde, seja por motivos de doença grave, seja por idade avançada.
Como se vê, para evitar injustiças, uma lei sensata deveria analisar caso por caso, trabalhador por trabalhador. Muito mais honesto, portanto, submeter a enorme massa de contribuintes trabalhadores a um questionário visando à identificação de cada trabalhador e de suas perspectivas para o futuro. Antes de leis que simplesmente consideram o cidadão uma das peças de um enorme quebra-cabeça que nunca chega a ser completamente montado pela sucessão de governos, é urgente saber quem é este trabalhador e o que ele espera do seu trabalho. A partir desta grande avaliação da sociedade brasileira que não poderia se limitar às frias estatísticas do IBGE ou de institutos semelhantes, poderíamos pensar numa grande reforma da Previdência, inclusive com a possibilidade de instituir várias idades mínimas e variados tempos de contribuição, levando em consideração a natureza e as condições do trabalho de cada um. Enfim, a iniciativa não se limitaria apenas à avaliação das condições de trabalho com relação à salubridade ou de uma mera adequação à maior expectativa de vida futura.
Não me parece justo, enfim, exigir que todos trabalhem até não mais ter forças apenas para reparar os erros de quem instituiu um monstro chamado Previdência Social. A ação de qualquer forma de governo, com qualquer natureza ideológica ou partidária, deveria visar à qualidade de vida do ser humano. Sendo um trabalho um mal necessário, raramente prazeroso, a não ser talvez, o trabalho de natureza artística, e mesmo assim dentro de certos limites, a extensão desmesurada do tempo de fadiga, mental ou física, vai de encontro aos anseios de uma sociedade mais justa e com maior qualidade de vida. As contas do governo não fecham, não há o que discutir. Centrar toda a discussão, porém, apenas numa problemática matemático-financeira equivale a associar cada ser humano a números abstratos, a uma enorme massa que se deve manipular para obter resultados nas próximas eleições.
À mesa, para uma discussão séria com o governo, deveriam ser chamados os grandes empregadores do país. É do interesse de todos (ou deveria ser) que os trabalhadores vivam melhor, produzindo mais e com maior qualidade. É preciso destruir de uma vez por todas a mentalidade de quem enxerga num empregado um escravo remunerado, ou de quem o chama de colaborador e amigo, mas com ele não festeja, de igual para igual, os resultados que foram obtidos juntos, com fadiga e suor. Nisto consiste uma ação séria, de verdadeira reforma. Logicamente, os tempos da politicagem são breves e nunca há tempo para debates. Quem quer se manter no poder busca caminhos curtos e, portanto, falsos e ilusórios. Infelizmente, os caminhos longos que levam às mudanças profundas são e sempre serão evitados. Até quando?
 
Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.