O tema “lesbianismo”, como é definida a relação entre mulheres, está em pauta. Seja por meio da bissexualidade, homossexualidade ou por simples curiosidade, o assunto vem ganhando destaque entre as celebridades, nas novelas, filmes e na vida real, como mostrou a atriz canadense Ellen Page, 26, que emocionou o mundo com um discurso no último sábado (15), quando declarou que é gay.
A estrela do filme Juno disse que sofreu por anos, com medo de se revelar. “Eu estou aqui porque sou gay. Para ajudar os outros a terem uma vida mais fácil, mais esperançosa”, disse. No Brasil, a cantora Daniela Mercury segue engajada na luta contra o preconceito, desde que assumiu sua relação com a jornalista Malu Veçosa.
No campo da ficção, a novela global Em Família começa a tatear o assunto. Clara, personagem de Giovanna Antonelli, descobre um interesse diferente pela fotógrafa Marina (Tainá Müller), algo inédito para uma mulher que vive um casamento de longos anos com Cadu (Reynaldo Gianecchini).
Já no BBB, as participantes Clara (que é casada com um homem) e Vanessa também protagonizam cenas calientes de beijos nas festas da casa; mas também de cumplicidade no dia a dia quando dividem diálogos e situações cotidianas.
Independente dos rótulos, são muitas as dúvidas que rondam o campo da sexualidade humana.
Segundo as especialistas ouvidas pelo Terra, o interesse por mulheres, quando não passa de uma simples curiosidade, não indica a orientação sexual da pessoa. Já quando evolui para o campo afetivo, talvez possa desencadear uma série de descobertas que, mesmo tardias, podem trazer um grande alívio para quem se identifica com este tipo de situação.
A psicóloga e terapeuta familiar e de casal Marina Vasconcellos enxerga como positiva a ampliação da discussão em torno do tema nos últimos anos. É natural que, quando algo sai do campo da obscuridade, mais pessoas se sintam à vontade para se abrir. “Hoje existe uma permissão maior para se mostrar, ninguém precisa morrer frustrado”, completa.
Juliana Bonetti, psicóloga especializada em sexualidade, concorda que atualmente existe uma mobilização social maior em cima do interesse de mulheres por pessoas do mesmo sexo. “A novela retrata, os filmes também. A coisa toda está sendo mais dita. Existe esta demanda social, o que é muito bom, porque dá lugar a este tema”, pontua.
Diferente dos meninos, as meninas já se entendem desde cedo pelo contato físico: é comum amigas tomarem banhos juntos, se abraçarem, se beijarem e até dividirem a mesma cama.
Os sentimentos podem acabar se confundindo, mas Marina alerta que não há dúvidas quando o sentimento pende para o lado afetivo, e não como para uma simples admiração. “Você pode achar uma amiga linda, mas o que diferencia é o desejo”, afirma. Ela explica que o interesse e a atração vêm acompanhados da vontade de tocar e ter maior intimidade com a pessoa.
Na adolescência, esta vontade é mais comum, mas isso não necessariamente pode ditar a orientação sexual de uma pessoa, de acordo com as especialistas. Juliana acrescenta que a curiosidade e as fantasias são coisas normais, que não denotam mudança na orientação sexual. “Se for apenas uma experiência, ou se você apenas deu vazão a uma fantasia, isso não vai fazer de você homossexual”, afirma Juliana.
Descoberta tardia
Apesar da explosão dos hormônios – que caracteriza a adolescência – propiciar este tipo de curiosidade, também é comum o interesse crescer mais tarde, como mostra a novela das nove.
Ao contrário do que se possa imaginar, Juliana descarta que o novo comportamento tenha a ver com um possível descontentamento com o parceiro. “Não é uma responsabilidade do marido, não dá pra dizer que ele não investiu na relação. São questões individuais, é ela que tem que se responsabilizar por isso, e não tentando buscar uma explicação fora.”
Marina observa que o folhetim retrata o caso de pessoas que vivem por anos uma vida aparentemente feliz, mas internamente sentem que não estão completas e lidam com esta angústia de forma discreta e silenciosa. “Ninguém se transforma em homo ou heterossexual. Muito provavelmente esta mulher [personagem da novela] já era homossexual. Em algum momento da vida, isso pode ter sido despertado”, acredita.
Um comportamento comum às pessoas que ainda não se entenderam com suas preferências sexuais é uma angústia inexplicável, ou a ausência da felicidade plena ainda que esteja em um relacionamento teoricamente perfeito.
A especialista afirma que geralmente são pessoas que mantêm uma vida de aparências, devido ao medo do preconceito e de chamar atenção da sociedade. “Por mais que tenha se falado muito deste assunto, todo mundo acha legal quando não é na própria família”, pontua, acrescentando que, geralmente, quando a questão vem para dentro de casa a abordagem é diferente.
Dilemas da vida real
Quando o que era uma simples fantasia evolui para o campo sentimental, o ideal é saber administrar estes sentimentos para evitar o sofrimento. O preconceito é o primeiro obstáculo e, junto com ele, também vem o medo do desconhecido.
Quando uma mulher sente desejo por outra e guarda este segredo para ela acaba enfrentando um grande dilema: ter que fingir ser uma pessoa que ela não é. Por isso, o ideal é procurar um equilíbrio, e isso não quer dizer que necessariamente ela precisa abrir sua vida pessoal para todo mundo. “Ela não tem obrigação de falar para ninguém, mas precisa se assumir para ela mesma”, recomenda Juliana.
Deixar a emoção de lado é necessário para que as relações não sofram prejuízos. “Ela tem o direito de falar e de se assumir. Mas que isso seja feito da maneira menos sofrida, com cautela, entendendo o momento certo de falar, e não agindo de maneira puramente emocional”, completa.
Juliana afirma que a partir do momento em que a mulher “bancar” sua própria decisão, as coisas irão se encaixar em algum momento. “O preconceito e o conservadorismo podem surgir, mas ela também pode se surpreender com círculos de amigos e familiares acolhedores”, pontua.
Quando a decisão envolve mais do que um indivíduo, no caso, das mulheres casadas e com filhos, todo cuidado é pouco para não magoar pessoas queridas e acabar prejudicando as relações. “Pode ser bastante difícil em alguns casos, mas eles vão acabar aceitando ao verem que a mãe está feliz”.
A postura impositiva é o pior caminho, segundo a especialista. “É preciso ter respeito por suas relações, por isso, não há necessidade de ficar se beijando na frente das pessoas. Tudo tem que acontecer de forma natural, respeitando os limites de cada um”, indica, reforçando que nos casos mais complicados o ideal seria uma terapia familiar.
Procurar o autoconhecimento, por meio de um tratamento psicológico, é uma boa alternativa na opinião de Marina. “Muita coisa vai mudar, emocionalmente”, afirma. Uma boa dica também é se cercar de pessoas desprovidas de preconceito. A partir do momento que ela realmente se aceitar, tudo passa a ficar mais fácil. “É uma realização pessoal, uma libertação interna. Vai acabar a angústia e, com isso, ela poderá se sentir plenamente feliz”.
Sem nomenclaturas
O discurso de Ellen também chamou a atenção com relação à busca da sociedade pela reafirmação dos gêneros. “Existem estereótipos perversos sobre masculinidade e feminilidade que definem como nós devemos todos agir, vestir e falar. Eles não servem a ninguém”, declarou.
A psicóloga Juliana reforça que não cabem rótulos quando o assunto é a vida sexual. “Acredito que a sexualidade do ser humano é sempre muito complexa e misteriosa. Vamos nos redescobrindo com o tempo, e de repente pode haver algo na psique que se afloradepois de muito tempo. O que importa é o individuo saber do que ele gosta, e não saber se é bissexual ou homossexual. O que importa é o afeto e afeição”, finaliza.