Dois Brasis convivem no atual cenário econômico. Um começa a acelerar: o próximo ano terá um crescimento de 2,25% do PIB, segundo a expectativa dos agentes econômicos compilada pelo Banco Central. Não é excepcional, mas será a maior expansão em oito anos. O outro Brasil é um país com um contingente de 12,4 milhões de desocupados. Os desempregados, subempregados e desalentados somam mais de 20 milhões de habitantes. E tudo indica que essa realidade vai continuar. É a face mais dramática da crise social e da incapacidade do governo Bolsonaro em atuar concretamente para reverter os problemas do mercado de trabalho.
As privatizações anunciadas até aqui são insuficientes, apesar das 44 concessões previstas para 2020 pelo Ministério da Infraestrutura
A julgar pela ação do Ministério da Economia, essa realidade não vai ser alterada no curto prazo. Além da liberação parcial do FGTS, que revive uma medida tomada pelo governo Temer, o governo adotou apenas um desajeitado programa de emprego batizado de Verde Amarelo, destinado a estimular a contratação a partir da desoneração da folha de pagamento das empresas. O número de beneficiados —1,8 milhão de jovens — é considerado superestimado pelos especialistas. Para não provocar um rombo nas contas públicas com a benesse fiscal aos empresários, o governo propôs um mecanismo que vai contra o próprio espírito da iniciativa — quer taxar os desempregados beneficiários do seguro-desemprego. Também pesa o fato de que essa medida foi utilizada à exaustão pela ex-presidente Dilma Rousseff com resultados pífios. Por essas razões, é pouco provável que o Congresso aprove a Medida Provisória que criou o programa da forma como foi concebido.
Reformas e fast tracking
Seria mais um revés para a equipe econômica no Congresso. Além da Reforma da Previdência, que tomou o calendário legislativo de 2019 e só foi aprovada com a liderança decisiva do Parlamento, são poucas as iniciativas da equipe econômica que de fato avançaram na ambiciosa pauta econômica do ministro Paulo Guedes. A sensação é de que as privatizações anunciadas até aqui são insuficientes. A promessa de arrecadar até R$ 1 trilhão com as desestatizações já foi esquecida. O programa de concessões é lento e repleto de empresas pouco relevantes — as 44 concessões para 2020 anunciadas pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, são capitaneadas pelo novo leilão da rodovia Dutra, e não trazem novidades. Para agilizar o processo, está em discussão a criação de uma Fast Track, ou via rápida, para facilitar as privatizações. Mas até agora o Ministério da Economia não enviou esse projeto ao Congresso. Enviou, por outro lado, três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) — que são de difícil aprovação — para limitar os gastos públicos em caso de emergência financeira e para redesenhar o Estado, descentralizando recursos e fundindo municípios. Devem enfrentar vários obstáculos no Legislativo, e seus efeitos práticos no curto prazo são limitados.
Num sinal de confiança, o risco-país caiu ao nível mais baixo em nove anos. A Selic está no menor patamar histórico e a B3 bate recordes seguidos
Enquanto os resultados não aparecem, resta esperar que nos próximos meses a economia reaja ao estímulo monetário que, este sim, avançou. A Selic, taxa básica de juros, recuou ao nível mais baixo da história. Está em 4,5%, quase dez pontos percentuais abaixo de julho de 2015 (quando cravou 14,25%). Essa baixa estimula o investimento produtivo e tem afugentado as aplicações em renda fixa, que são substituídos pela aposta na B3. O ibovespa, principal indicador do desempenho da bolsa de valores, bateu seguidos recordes em 2019, ainda que os estrangeiros tenham tirado um volume recorde de recursos do País, que eram direcionados às ações brasileiras. Num sinal auspicioso de confiança na economia brasileira, o risco-país medido pelos títulos CDS (Credit Default Swap) de cinco anos atingiu o menor nível desde novembro de 2010. Ao mesmo tempo, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) elevou de estável para positiva a perspectiva da nota da dívida pública brasileira. Isso significa que existe a possibilidade de o País retomar o grau de investimento, classificação concedida pelas empresas de rating especializadas que garante o aporte de mais fundos do exterior. Se a crise internacional não se agravar — por algum conflito ou pelo recrudescimento da guerra fiscal China x EUA —, deve-se esperar um ano mais positivo para o País, ainda que menos arrebatador do que o discurso superlativo do ministro Paulo Guedes. No início de 2018, o Ministério da Economia afirmava que a economia cresceria 2,9% em 2019 caso a Reforma da Previdência passasse. A realidade tratou de desmentir mais essa previsão irreal.
Confiança no crescimento
Os dados estimulantes, amparados por uma aceleração na atividade econômica no último trimestre, ajudam a trazer mais confiança e atenuam os efeitos da política divisionista e desestabilizadora do presidente Jair Bolsonaro. Todo o esforço do governo tem sido até o momento concentrado nas reformas macroeconômicas e em medidas capazes de reativar a economia. A aposta é que, assim, os empregos e os salários voltarão. Falta a população perceber de fato que será beneficiada.
Marcos Strecker\ISTOÉ