Expansão de território, garantia de segurança e pagamento de propina a policiais são as molas mestras para a aliança da máfia das vans com traficantes da facção criminosa Terceiro Comando Puro (TCP), nas zonas Norte e Oeste, em mercado que movimenta R$ 15 milhões por mês. Uma mensagem suspeita para César Moraes Gouveia, o Coroa ou Cabeção, apontado pela Polícia Civil como o maior ‘empresário’ ligado à Cooperativa Rio da Prata, foi interceptada dia 21 de janeiro no Presídio Lemos Brito por agentes da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap).
O material faz parte de investigação da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco-IE) e do Ministério Público, que inclui ainda a ligação do transporte alternativo com o jogo do bicho. Na carta, um presidiário agradece a César por ter ajudado o grupo a financiar a clonagem de duas viaturas da Polícia Federal. Pede ainda auxílio para que outros dois veículos também sejam clonados. Ele cita que outro objetivo do bando do traficante Marcelo Santos das Dores, o Menor P, chefe de favelas do Complexo da Maré, seria a invasão da favela Vilar Carioca, em Inhoaíba. O território também é de interesse das vans.
O principal elo, segundo o inquérito 014/2013 da Draco-IE, de César com o tráfico de drogas seria o irmão dele, Pedro Jorge de Gouveia, o Pedrinho Maluco, que cumpre pena no Instituto Penal Vicente Piragibe. Mas os tentáculos de César não param por aí. Para pagar propina a servidores públicos, com a cobrança de R$ 50 de motoristas de vans, ele contaria com o apoio do ex-agente penitenciário Sebastião do Nascimento Custódio, o Tião Desipe, e do ex-policial civil Marcos Bretas, o Marcão, preso em 2007, na operação Furacão da Polícia Federal, que resultou na condenação da cúpula do jogo do bicho. Gravações telefônicas, autorizadas pela 6ª Vara Criminal Federal, registraram conversas entre Tião Desipe e Marcão sobre o fato de policiais civis e militares exigirem R$ 50 de propina para deixar cada van circular nas zonas Norte e Oeste.
Segundo as investigações, a Cooperativa Rio da Prata seria usada para movimentar o esquema. Com 900 veículos e faturamento de R$ 600 mil por dia, transporta um milhão de passageiros. Os motoristas seriam obrigados a pagar taxas, que, somadas, representam R$ 1, 9 milhão por mês. Por trás da cooperativa estaria César, como homem-forte do negócio. Ele teria ainda patrimônio de R$ 3 milhões, que inclui oficinas mecânicas, uma delas em sociedade com a irmã de Marcos Bretas.
Manobra favorece irmão
Na disputa pelos pontos de vans, relatório de Inteligência aponta que Pedro Jorge de Gouveia, o Pedrinho Maluco, fingiu ter deixado a facção criminosa Terceiro Comando Puro (TCP) para beneficiar o irmão César Moraes Gouveia, o César Cabeção ou Coroa. Pedrinho Maluco pediu para ir para presídio do Comando Vermelho (CV), pois assim César poderia expandir seus negócios nas áreas dominadas pelo grupo.
O documento ressalta que a permanência de Pedrinho Maluco no Instituto Penal Vicente Piragibe, por supostas questões de segurança, seriam para beneficiar ‘interesses relativos aos lucros com a circulação de vans da Cooperativa Rio da Prata em áreas dominadas pelo CV’.
Fundador da Rio da Prata, César é apontado como um dos rivais da milícia Liga da Justiça, chefiada pelos irmão Natalino e Jerônimo Guimarães, o Jerominho, ambos presos em unidades federais. César teria enfrentado o grupo na disputa pelas linhas de Santa Cruz e Sepetiba.
PARCERIA TAMBÉM NA ILHA
A ligação do tráfico de drogas com o transporte alternativo também ‘prospera’ na Ilha do Governador. Investigações da Draco-IE dão conta de que no bairro o traficante Fernando Gomes de Freitas, o Fernandinho Guarabu, do TCP, controla 350 das 600 vans que circulam. Ele cobraria taxa para autorizar parte dos veículos a pegar passageiros pela região, além de cobrar ágio do comércio de gás de cozinha.
Para administrar o transporte alternativo, milícias — até então que carregavam a bandeira de combate ao tráfico de drogas — também se aproximaram de traficantes. A Liga da Justiça, por exemplo, teria arrendado nas favelas do Barbante e da Carobinha, em Campo Grande, espaços para o comércio varejista de drogas. A Carobinha foi negociada com integrantes da facção criminosa Amigos dos Amigos, ligados à quadrilha que ainda controla o tráfico na Favela da Rocinha. Já o Barbante teria sido com bandidos do Comando Vermelho (CV). Nas duas comunidade teria sido proibido uso de armas.
O arrendamento de território para a venda de drogas também foi adotado pela milícia conhecida como Águia de Mirra, que domina pelo menos 13 favelas na Zona Norte. O principal ponto é a comunidade da Palmerinha, que fica entre os bairros de Honório Gurgel e Guadalupe.
No mapeamento feito pelos investigadores, o tráfico de drogas tem a sua contrapartida. Segundo as informações, eles negociam espaços em favelas, terceirizando para os milicianos a distribuição da venda de gás e TV clandestina, o chamado ‘gatonet’.
Motoristas, as principais vítimas, pagariam até R$ 300 por mês
Motoristas são os principais reféns da união de traficantes e a máfia das vans. De acordo com levantamentos feitos pela Draco-IE, em média, quem trabalha com cooperativas paga R$ 300 por mês, além de taxas extras de propinas para policiais civis e militares.
Há ainda informações de que um PM cobraria R$ 1.100 por proteção e para permitir o estacionamento de Kombis no terreno dele em Bonsucesso. Enquanto isso, o sucesso empresarial acompanha investigados por envolvimento com a máfia das vans e milícias. Um dos exemplos é o próprio César Moraes Gouveia, o Coroa ou Cabeção. Citado no relatório da CPI da Milícia da Assembleia Legislativa, em 2008, ele já teria acumulado R$ 3 milhões em patrimônio.
No mesmo caminho, Jerônimo Guimarães, o Jerominho, um dos chefes da milícia Liga da Justiça, também teria adquirido casas na Região dos Lagos, Mangaratiba, Recreio dos Bandeirantes e Campo Grande. Para apurar o crime de lavagem de dinheiro foi aberto um procedimento na Polícia Civil que apura o crescimento patrimonial de integrantes das milícias de Rio das Pedras e a Liga da Justiça.
Encarregado da cobrança de propinas junto à Cooper Alternativa, Alexander Dantas, ligado à milícia Águia de Mirra, tinha endereço nobre na Barra da Tijuca. Ex-PM, ele foi morto a tiros na Zona Norte.
Adriana CruzO DIA RIO