Os répteis são animais de sangue frio. Consoante essa característica de sua constituição somática, eles também agem friamente. Os homens têm sangue quente, mas alguns homens comportam-se como animais de sangue frio, mostrando-se frios no agir. Sérgio Moro é um desses homens. A forma como agiu o ministro Moro evidenciou esse traço reptiliano de seu comportamento, principalmente em relação ao presidente Bolsonaro.
Sérgio Moro pode ser comparado a uma cobra, ou melhor, a uma serpente. Sim, mas ele é pior do que esse tipo de animal. Porque de uma serpente poder-se-ia dizer que ela não sabe o que faz. Moro sabia o que fazia. Mesmo assim, fazia. O mato, as pedras por entre o que se disfarçam os répteis, correspondiam às luzes das câmeras da mídia venal, que ofuscavam os olhos das multidões, de sorte que estas olhavam para Moro sem conseguir ver o que Moro realmente era. Mas, diz o ditado popular, “Aqui se faz, aqui se paga”. Moro pagou o que fez com a sua queda e desmoralização, ao ter revelada a sua traição.
Embora pior do que os ofídios, esses dissimulados e perigosos seres rastejantes, o também perigoso Moro comparte com as serpentes o instinto da traição. Ao contrário de um leão, que ao se apresentar à sua presa já chega atacando, abertamente, sem nada esconder, Moro primeiramente aproximou-se de Bolsonaro, parecendo um aliado, se não um amigo. O “aliado”, o “ministro”, o herói da luta contra a corrupção não passava de um espião. Desmascarado, o traidor deu o bote, mas seu veneno foi anulado pelo apoio popular que serviu de antídoto para o veneno da serpente Desde ao menos Judas, o povo não gosta de traidores. O povo não elegeu Bolsonaro para que fosse traído por seus ministros.
O episódio da passagem de Moro pelo ministério prova a extrema importância das relações pessoais. Moro nunca deveu estar onde esteve, isto é, ao lado de Bolsonaro. O Capitão é um homem radical e sincero, um apaixonado pelo Brasil. Sabe-se o que pensa, como age, como se sente, o que quer, o que sofre. O ex-presidente Temer, que não é nenhum campeão moral, já falou das relações pessoais como extremamente importantes. Isto vale para todas as instâncias da atividade humana, das ruas aos palácios.
A propósito, disse o grande filósofo autodidata e antiuniversitário Olavo de Carvalho que a política é a disputa pelo poder entre indivíduos e grupos. No grupo de Bolsonaro, no seu palácio, esteve um traidor. Houve outros, decerto. Mas de Moro, desse de quem mais se esperava, veio a maior decepção. Moro esteve no grupo, mas não pertencia ao grupo, não era do grupo, não compartia o espírito, a consciência do grupo e de seu chefe. O grupo de um chefe deve-se compor de amigos, colaboradores leais dispostos a seguir seu capitão até as últimas consequências.
Mas nós não devemos refletir sobre a traição de Moro de forma fria, como se fôssemos cobras. Sobre isso, pensemos com o coração. Sejamos capazes de sentir compaixão, de ter empatia com aqueles na dor, na pobreza, no desprezo … no poder — tendo ao lado um traidor. Sejamos sensíveis a ponto de sofrer pelo destino de uma galinha mal acompanhada, da galinha a que faltava um grupo, da galinha sem defensores, sem aliados leais, numa situação de risco. Projetemos a figura da galinha sobre a condição do presidente Bolsonaro, exposto, vulnerável e a mercê do traidor Moro a seu lado.
Essa galinha, ela estava tranquila, ela ciscava, ela comia, ela bebia. Ela tranquila vivia, na jaula da jiboia.
* Chauke Stephan Filho nasceu em Cuiabá no ano de 1960. Com formação em sociologia e política (PUC/RJ), português e literatura (UFMT) e educação (Unic), dedica-se ao estudo da sociologia do racismo como servidor da Prefeitura de Cuiabá, onde também serve como revisor.