Imagine que você está no seu trabalho e de repente chega um cobrador lhe procurando, e lhe apresenta uma duplicata (sem sua assinatura) e um boleto bancário, afirmando que se trata de uma dívida que você contraiu e que precisa pagar imediatamente.Você, porém, não sabe do que se trata, não se recorda de ter comprado nada daquele credor, ou de ter tomado algum valor emprestado dele, e aí questiona a que se refere essa dívida. O cobrador, muito áspero, diz que isso não importa, e que você deve pagar a dívida, ou pelo menos, os juros dessa dívida, urgentemente! Você olha o boleto e constata que a dívida é de R$ 10 mil e que a taxa de juros é de aproximadamente 20% ao mês. O que você faria? Pagaria essa dívida, mesmo sem saber a origem dela?
A situação realmente é absurda, mas acredite, é exatamente isso que acontece com o Brasil em relação a dívida pública, tanto a interna, quanto a externa. Como no exemplo descrito, o Estado brasileiro nunca soube a origem da sua dívida, já que não há correspondência da entrada desse dinheiro nos cofres da União ou dos estados da Federação, simplesmente não há registros contratuais ou contábeis.
Sabe-se apenas que o pagamento dos juros cresceu vertiginosamente durante a ditadura militar (1964 – 1984), e por isso, foi previsto no art. 26 do ADCT da Constituição Federal de 1988, a obrigatoriedade de uma auditoria em relação a dívida, obrigação essa, que nunca foi cumprida. Governo após governo, esse artigo constitucional é ignorado para não contrariar os interesses do Banco Mundial e do FMI, e lamentavelmente, nunca nenhum governo brasileiro teve coragem e disposição para enfrentar esse problema, que consome cada vez mais os recursos destinados às políticas públicas que a sociedade tanto necessita em previdência, saúde, educação, transporte, segurança, moradia e ciência.
Todos os anos os brasileiros pagam integralmente os juros que o FMI manda pagar (que é a meta do superávit primário), mas mesmo assim, o valor principal da dívida continua crescendo. No ano de 2014, por exemplo, quase metade do Orçamento Geral da União foi destinado ao superávit primário. Isso mesmo! Foram quase 50% da arrecadação total da União para as mãos dos banqueiros. Pensava que o maior gasto do governo era com o Programa Bolsa Família? Ah, antes fosse! Ele não chega a ocupar nem 0,5% (meio por cento) do orçamento público federal.
Prioriza-se o pagamento dos juros dessa dívida, que ninguém sabe a origem, e nem onde foi aplicado tais valores, para depois fazer o planejamento das ações do Estado sobre o montante que sobrar. E tudo gira em torno do superávit primário: os juros das dívidas dos estados; o arrocho salarial dos servidores públicos e dos aposentados; a diminuição de despesas governamentais e os lucros das empresas estatais. Tudo é para “fazer caixa” para pagar a fraudulenta dívida “pública”.
Recentemente, o deputado federal Fábio Garcia disse em entrevista que o alto preço dos combustíveis no Brasil é porque a Petrobrás ainda é estatal e se configura num monopólio na extração do petróleo, e que se ela ficar nas mãos do mercado e houver concorrência, o preço diminuirá. Comprovadamente, essa é uma conclusão totalmente equivocada. O preço das tarifas das empresas que foram privatizadas não diminuiu, maspelo contrário, cresce a cada dia e eleva a inflação, porque as empresas exigem do governo uma alta taxa de lucro, espoliando seus consumidores, o que atualmente, de fato, a Petrobrás também faz, porém devido à Lei nº 9.530/1997, a qual obriga que todo o seu lucro seja destinado ao pagamento da dívida pública.
Como se não bastasse todos os privilégios legislativos que os banqueiros e as grandes empresas têm sobre o orçamento público brasileiro desde a década de 1990, o governo federal propõe agora o PL 257/2016 para fazer a “rapa do tacho”, pois já não há mais de onde tirar recursos para bancar o famigerado sistema da dívida. No caso dos estados, uma esperança de conter esse saco sem fundo, é a recente liminar concedida pelo STF à Santa Catarina, a qual aponta a ilegalidade da cobrança dos juros praticados pela União, e caso se mantenha, é algo que poderá ser estendido a todos.
Por fim, se o setor do grande empresariado, o qual recebeu incentivos fiscais, desonerações e perdão de vultuosas dívidas tributárias, diz que não vai pagar o pato, tampouco os trabalhadores do setor público devem pagar!
Veneranda Acosta Fernandes – economista e servidora pública estadual.