Quando civis são feridos em um ataque durante uma batalha, o dicionário classifica o acidente como dano colateral. Na Era Trump, marcada por uma guerra comercial contra a China, colocando as duas maiores potências econômicas uma contra a outra, surge um novo tipo de casualidade. Pressionado pelos EUA a baixar tarifas de importação ao mesmo tempo em que vê seus produtos sobretaxados na América, o governo chinês, sob a liderança de Xi Jinping, revida como pode, incluindo atrasar o envio de amostras do H7N9 para o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA, em Atlanta. Trata-se de uma cepa do vírus da gripe aviária identificada em 2013 e de alta agressividade. Em cinco anos, cerca de 1,6 mil pessoas foram infectadas na Ásia; 40% morreram.
É prática entre os países cientificamente capacitados a troca de amostras de agentes infecciosos para fins de pesquisa e criação de medicações. O processo obedece a normas estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde e prevê rapidez no intercâmbio particularmente em casos de ameaças urgentes. É o caso do H7N9. Desde que apareceu, o vírus se espalhou entre aves domésticas e adquiriu características que permitiram a infecção de humanos. A contaminação se dá pelo contato com os animais. Até agora não se registrou transmissão sustentada entre humanos. Porém, investigações recentes mostraram que o vírus pode ser transmitido em gotículas espalhadas por espirros, o que o deixa mais próximo de evoluir a ponto de ser passado de pessoa para pessoa. “Uma maior adaptação a humanos pode resultar em vírus transmissíveis com potencial pandêmico”, afirmou Yoshihiro Kawaoka, pesquisador das universidades de Tóquio, no Japão, e de Wisconsin-Madison, nos EUA.
“Dificultar o acesso a amostras de vírus e bactérias fragiliza nossa habilidade de criar meios de prevenir infecções que podem se espalhar pelo mundo em questão de dias” Michael Callahan, da Harvard Medical School
Questão de tempo
A informação deixou as autoridades de saúde em alerta. Há anos os cientistas preveem que a próxima pandemia será causada por gripe, e a agressividade do H7N9 o torna um dos principais candidatos a ser o responsável por um desastre global. Com base na constatação, a comunidade científica está apelando aos governos chinês e americano para que não tornem a guerra entre taxas de aço e de outras commodities mais um risco para a concretização da tragédia. “O cenário é diferente de uma eventual escassez de alumínio e de soja”, afirmou o infectologista Michael Callahan, da Harvard Medical School, uma das mais prestigiadas do mundo. “Dificultar o acesso a amostras de vírus e bactérias fragiliza nossa habilidade de criar meios de prevenir infecções que podem se espalhar pelo mundo em questão de dias.” Em circunstâncias assim, o tempo de resposta é decisivo. Mas faz mais de um ano que o CDC e outros centros de pesquisa no mundo estão solicitando as amostras e o governo chinês continua em silêncio.
ISTOÉ