domingo, 22/12/2024
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A cada 16 dias, uma pessoa troca de sexo no Brasil

Quando ela passa, os homens esticam os olhos para tentar acompanhar por mais tempo o andar cheio de gingado, que tenta equilibrar a cintura fina, o quadril largo e os seios fartos. O corpo feminino de Carla Amaral não desperta só interesse. A mesma “gatona” também já escutou que é uma “aberração”, só um dos exemplos de violência que enfrentou.

Carla não nasceu Carla, mas sempre soube que era mulher, apesar do registro indicar “sexo masculino”. O último resquício que carrega da identidade que nunca assumiu é o pênis, que garante ser usado, de forma desconfortável, só para urinar. “Hoje está até atrofiado”, diz. Ela, há 13 anos, espera que o bisturi torne mais adequada a anatomia que reconhece como errada desde a maternidade.

A cada 16 dias, o procedimento cirúrgico tão aguardado por Carla é realizado em um paciente do Sistema Único de Saúde (SUS). A chamada cirurgia de mudança de sexo foi um dos últimos atos cirúrgicos reconhecidos pelo governo brasileiro e entrou para a lista de procedimentos gratuitos só em 2008. De lá para cá, 57 cirurgias foram realizadas, sendo 10 no primeiro ano, 31 em 2009 e 16 até junho de 2010. A estatística é crescente, mas ainda irrisória perto da fila de espera formada por pessoas que, assim como Carla Amaral, sentem ter nascido no corpo errado.

Mulheres na alma

Eles não são travestis, homossexuais, drag queens ou transformistas. O nome é transexual, condição reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um transtorno de gênero. Não há nenhuma doença psíquica associada. Os que fazem parte deste grupo nascem com um órgão sexual que não condiz com a sua personalidade, explica o psiquiatra da PUC de São Paulo Alexandre Saadeh, coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade, de Gênero e Orientação Sexual.

São “mulheres na alma” (dizem todas), mas que têm pênis. “Homens na cabeça” que nascem com vagina, tentam explicar assim. Desde que o mundo é mundo, eles tentam corrigir o equívoco de nascença com técnicas arriscadas, que envolvem automutilação, silicone industrial, hormônios proibidos e isolamento social. Carla Amaral foi vítima de todos estes perigos nos anos 80, 90 e 2000.

Carrinhos, bonecas e princesa

Era a segunda gravidez da mãe que já tinha um primogênito. A vontade de um “casalzinho” fez Maria Amaral desejar uma menina durante os nove meses da gestação. O nascimento, em 1973, trouxe ao mundo mais um varão aos Amaral. Mas daquela vez parecia ser diferente. A confirmação das diferenças veio com a chegada do terceiro filho, mais um menino. As semelhanças só surgiram após o nascimento da quarta filha, desta vez uma garota. “Eu era diferente dos meus dois irmãos e muito parecida com a minha irmã”, conta hoje Carla.

“Usava modelos de roupa unissex, cabelos na altura dos ombros e quando ouvia a pergunta “o que você quer ser quando crescer/?”, imaginava sempre uma mulher alta, com seios grandes, feminina e poderosa.”

Se quando criança, o problema maior era ter de brincar com carrinhos e bola quando a vontade era ninar bonecas e vestir-se como princesa, na adolescência a vida ficou ainda mais complicada. O nome de batismo – que Carla se nega até hoje a pronunciar – foi virando ofensa. O relacionamento com o pai já havia “subido no telhado”. Ele não aceitava ter um filho tão parecido como uma filha. A mãe já não assistia à postura feminina do seu segundo garoto com naturalidade, mas a vontade de ser mulher parecia aflorar em Carla. A entrega sexual precoce aos 13 anos para um vizinho só reforçou que a homossexualidade não era explicação suficiente para aquela condição.

“Mais do que gostar do sexo masculino, eu queria morar num corpo parecido com a minha mente.”

Sem dinheiro e sem apoio, Carla procurou o silicone industrial e passou a tomar doses de hormônio por conta própria. “Sabia dos riscos, sabia que podia morrer por causa daquilo, mas juro que tudo parecia menos ofensivo do que continuar com o corpo de homem.”

Fernanda Aranda, iG São Paulo

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Parmenas Alt
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