quinta-feira, 07/11/2024
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Certidão negativa de débito atrapalha negócios só no Brasil

As dificuldades para a obtenção da certidão negativa de débitos (CND) são um entrave tipicamente brasileiro aos negócios, de acordo com estudo da PricewaterhouseCoopers . Pré-requisito para as empresas participarem de licitações e concorrências públicas ou conseguirem empréstimos em bancos oficiais, a CND é apontada por muitas companhias como um obstáculo à atividade empresarial.

Para verificar a realidade tributária no exterior, a consultoria fez uma pesquisa que envolveu 13 países (Alemanha, Argentina, Austrália, Canadá, China, Chile, Espanha, EUA, França, Índia, Indonésia, México e Portugal). Sete deles não têm documentos semelhantes à CND e, mesmo nos que têm, como Portugal, Espanha e México, não atrapalha a vida das empresas.

Para a consultora Elidie Bifano, o estudo indica que “o dispêndio de tempo e recursos no processo de obtenção da CND pode ser um diferencial negativo para o Brasil em relação aos principais competidores no mercado internacional, reforçando a necessidade de adaptações na legislação para reduzir a burocracia e melhorar o potencial competitivo”.

No ano passado, a PricewaterhouseCoopers fez pesquisa ouvindo 117 grupos empresariais brasileiros sobre a certidão negativa. O resultado não foi animador: 92,7% das empresas relataram ter perdido ou atrasado negócios em função de dificuldades em obter a CND no tempo necessário. Entre os problemas informados, há questões como a falta do registro de pagamentos realizados no prazo adequado e divergências de informação quanto à quitação de débitos em valores inferiores a R$ 1.

A consultora Luciana Aguiar explica que, para escolher os 13 países, a PricewaterhouseCoopers levou em conta os que têm realidade semelhante à brasileira, como os latino-americanos, emergentes com grande peso na economia global, como China e Índia, e os que podem ser referência para o Brasil, como EUA, França, Alemanha e Austrália.

A pesquisa constatou que Alemanha, Argentina, Austrália, Canadá, Chile, EUA e França não têm documento similar à CND. Nos outros seis países, existe certidão de débitos de tributos federais, mas em nenhum deles o documento atrapalha a atividade empresarial como no Brasil. Neles, o uso da CND tem particularidades. Na China, por exemplo, a comprovação de situação de regularidade fiscal é usada para permitir remessa de divisas para o exterior. Para participar de licitações, o documento não é exigido. Índia e Indonésia, por sua vez, passaram por mudanças tributárias recentes visando reduzir a burocracia, o que diminuiu a importância da certidão.

“Na Índia, há alguns anos, a certidão tinha uso semelhante ao brasileiro, mas, com a simplificação das regras tributárias, o documento passou a ser utilizado como um direito do contribuinte de demonstrar o cumprimento das obrigações fiscais, não tendo caráter mandatório para celebração de negócios”, diz o estudo.

Na Indonésia, a partir deste ano a CND deixou de ser necessária para empresas que participam de licitações e concorrências públicas. No México e em Portugal, é preciso comprovar a regularidade fiscal para fazer contratos com empresas públicas ou órgãos do governo. No segundo, porém, há um movimento em curso para redução da burocracia. Apenas na Espanha a certidão tem propósito semelhante ao que ocorre por aqui, diz Luciana.

Para Elidie, o resultado da pesquisa mostra que a burocracia tributária no Brasil é um fator a mais para minar a competitividade do país. Segundo ela, o fato de países como EUA, Alemanha e França não terem algo semelhante à CND mostra que a exigência de um documento que comprove a regularidade fiscal não está diretamente relacionada ao sucesso econômico ou ao combate à sonegação.

Outro ponto importante, segundo ela, é que em países como Portugal, México e Espanha, em que há documentos similares à CND, é possível consegui-la sem dificuldades se há o oferecimento de garantias em caso de pendências tributárias devido a processos judiciais. No Brasil, as empresas relatam que há problemas para conseguir uma certidão negativa com efeitos de positiva, diz ela.

A consultora defende mudanças na legislação para agilizar a obtenção da CND, tornando-a menos burocrática. “Há uma discussão em torno da reforma tributária, que requer mudanças na Constituição. Às vezes, como no caso da CND, é possível mudar o quadro com pequenos atos, como portarias da Fazenda.” Elidie diz que o documento é pré-requisito para operações como fusões, incorporações e cisões de empresas, e em alguns procedimentos de exportação, o que ela considera uma burocracia desnecessária.

A Receita Federal contesta que haja dificuldades na obtenção da CND. A instituição informa que, por mês, são obtidas em média 1,17 milhão de certidões pela internet, o equivalente a 99% do total de documento emitidos. Quem não consegue a CND pela internet é direcionado a uma unidade da Receita ou da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para conhecer os problemas que impedem a emissão do documento.

Se a empresa tiver o certificado digital, necessário para a apresentação da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais, é possível conhecer a situação fiscal online, diz a instituição. Nas unidades da Receita, são emitidas 16,7 mil certidões por mês, das quais 14,5 mil são negativas ou positivas com efeitos de negativa, emitidas no prazo de 10 dias. A PricewaterhouseCoopers ouviu queixas de empresas que dizem ter perdido negócios por conta de dívidas de valores inferiores a R$ 1, e que estavam pagas. A Receita diz que débitos abaixo de R$ 10 não impedem a emissão da CND.

Fonte: Valor Econômico – Sergio Lamucci

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