Proposta de reforço imunológico é apontada como alternativa inovadora para o enfrentamento ao coronavírus
O Brasil enfrenta uma nova alta de casos da Covid-19 nas últimas semanas. Desde meados de maio, secretarias de saúde de capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, por exemplo, acompanham a elevação na taxa de positividade para o coronavírus. Em maio, o número de diagnósticos positivos passou de 13% para 34,3%, o que representa um crescimento de 163%, aponta estudo do Instituto Todos pela Saúde (ITpS). Entre especialistas, a avaliação é que um dos fatores que corrobora para o aumento nas infecções pelo Sars-CoV-2, nesse momento, é a queda na imunidade provocada pelas vacinas. O entendimento é que cerca de quatro meses após a dose da vacina, o organismo apresenta uma baixa na proteção imunológica, o que possibilita que alguns indivíduos sejam infectados e também transmitam a doença, ainda que sem alta incidência de quadros graves, internações e óbitos entre os pacientes. Nesse cenário cíclico, de aumentos e baixas na curva da Covid-19, uma alternativa desponta como a “solução” para a transmissão do Sars-CoV-2 e, com isso, o fim da pandemia: a vacina de spray nasal.
Atualmente, diversos laboratórios estudam plataformas e compostos para esse modelo de imunizante, entre eles o Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo. O pesquisador Jorge Kalil, responsável pelo estudo, defende o desenvolvimento da vacina com aplicação nasal para prevenir que o vírus sequer consiga entrar no organismo. Segundo ele, embora as vacinas atuais protejam, “nem sempre protegem contra infecção no nariz” e um indivíduo, mesmo vacinado, pode estar “com o vírus no nariz e na boca e estar transmitindo para outras pessoas”. “Se você fortalecer bastante o sistema imune ali, o vírus não penetra no organismo e não dá nem infecção nem doença”, afirmou Jorge Kalil ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, em fevereiro deste ano, defendendo que a vacina de spray pode ser a solução definitiva para combater a pandemia.
Spray nasal x injeção
Antes de analisar se a alternativa imunológica é a solução para o fim da crise sanitária da Covid-19, é preciso entender particularidades do composto. Embora o modelo de aplicação já indique a primeira diferença da vacina spray para outros imunizantes, a troca da injeção intramuscular pela spray não é a única particularidade desse composto. Outra mudança está na própria resposta imunológica: enquanto os imunizantes atuais estimulam a produção de anticorpos IgG, a vacina de spray nasal estimula os anticorpos IgA secretório, que estão mais localizados e presentes nas mucosas, o que diferencia completamente as duas formas de proteção, explica a imunologista Lorena Diniz. Segundo ela, a proposta é que o imunizante aplicado na entrada das vias respiratórias possa “aumentar o anticorpo de mucosa em uma tentativa de impedir a entrada do vírus na célula e a replicação dele”, além de também impedir a transmissão do coronavírus para outras pessoas, rompendo a cadeia de contaminação. “É uma vacina que chamamos de esterilizante, por não deixar a gente adoecer, e não deixando adoecer, também não viramos vetor de transmissão.”
Além da forma de aplicação e dos anticorpos gerados, a vacina de spray nasal também se diferencia por usar vírus vivo atenuado para induzir a resposta imune, o que leva também a uma resposta imunológica mais completa, explica Lorena Diniz. No entanto, essa característica também limita a aplicação, uma vez que parte da população não pode ter acesso a essa tecnologia, como pacientes imunossuprimidos. “Por se tratar de vírus vivo atenuado, requer uma segurança muito maior, porque quando a gente aplica alguma coisa viva atenuada, vai depender muito da resposta imunológica do indivíduo. Por exemplo, um paciente vivendo com HIV já tem uma imunodeficiência. Se eu der uma vacina viva para ele, dependendo da resposta imunológica, ao invés de proteger, ele pode adoecer. É um vírus enfraquecido, mas quando entra em contato com o sistema imunológico também enfraquecido, ele pode tomar força e multiplicar.
Vacina spray é a solução da pandemia?
No geral, a avaliação divide especialistas. Embora os resultados iniciais mostrem números promissores, com resposta imunológica robusta e efetividade, o preço e a limitação da aplicação para imunossuprimidos, por exemplo, inviabiliza a produção em larga escala, opina o diretor da Sociedade Brasileira de Imunologia, Renato Kfouri. Ele explica que a vacina de spray nasal da gripe, por exemplo, já em aplicação em alguns lugares do mundo, apresentou resultados positivos, mas que não chega a substituir os tradicionais imunizantes por injeção. “Vacinas de vírus vivos precisam de laboratórios com elevada segurança, fica mais caro do que uma seringa e uma agulha. Então, não acredito que seja uma vacina de um indiscriminado. Pelo preço e condições, será uma vacina reservada, mais difícil de ser produzida, distribuída, manipulada. [É a solução para o fim da pandemia?] Nem de longe. Não vamos ter em grande escala nunca a produção de uma vacina de spray nasal, por custos, não poder ser usada em populações vulneráveis.”
Diniz vai além e afirma que a vacina de spray nasal para a Covid-19 pode até ser a “solução” para a pandemia, mas não sozinha. Ela pontua que o melhor seria um conjunto de medidas associadas para o combate à Covid-19, o que pode incluir combinação entre os imunizantes intramusculares e o spray local. “Os estudos que estão sendo feitos agora avaliam a vacina nasal como reforço, porque daí teríamos anticorpos sistêmicos circulando na corrente sanguínea e anticorpos de mucosa, é um complementar do outro, a gente tem que ter anticorpos IgG. Então, a princípio, uma vacina não substitui a outra”, pontua. E para a real “solução da pandemia”, a resposta é clara: altos índices de vacinação da população, busca ativa para a terceira e quarta dose. “Por ser um spray nasal, até mesmo na população infantil, a gente acha que vai ser mais atrativa, menos dor, menos efeitos adversos, então achamos que vai ter uma maior adesão, mas a consciência da população é muito importante. Se a gente tivesse uma cobertura vacinal maior da terceira dose e quarta dose, que já está sendo instituída, a gente não estaria vendo esse cenário de aumento novamente.
JovemPan