quinta-feira, 07/11/2024
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Como funciona chemsex, sexo feito com drogas, e como reduzir danos na prática

A prática consiste em uso de drogas para potencializar relações sexuais e é popular entre homens; conheça benefícios, riscos e como fazer em segurança

  • Chemsex se tornou mais recorrente durante a pandemia
  • Drogas tiram inibição e podem ajudar em práticas não convencionais
  • Sessões de chemsex podem durar horas e podem expor praticantes a ISTs e vício
  • Redução de danos é fundamental para prática segura e consciente; saiba como fazer

O bancário César*, 32, nunca foi de experimentar drogas ilícitas e consumia bebidas alcoólicas com pouca frequência. Com a impossibilidade de visitar cinemas, bares, teatros e saunas durante a pandemia, ele ficou sem muitas opções de lazer. No segundo semestre de 2020, passou a frequentar a casa de amigos junto de pequenos grupos. Foi em um desses encontros que ele conheceu o chemsex.

Também conhecida como sexo químico, a prática consiste em fazer uso de drogas para ter relações sexuais que acontecem, na maior parte das vezes, em grupo. “Decidi experimentar por curiosidade e também como uma maneira de extravasar. A pandemia deixou a gente tão sem opção que, inconscientemente, pensei: ‘Se eu não posso viajar de um jeito, deixa eu viajar de outro’”, explica César ao iG Queer sobre seu primeiro contato com o chemsex.

O bancário sempre se preocupou com o consumo de drogas e tinha medo de viciar. Na primeira festa em que participou da prática, ele pediu para que um colega médico, que estava presente, ficasse de olho nele e o orientasse quanto às substâncias que usaria. As drogas mais utilizadas são as que intensificam os estímulos sexuais, como maconha, cocaína, ecstasy, ketamina, poppers, e GHB — esta última, César admite, foi a que mais gostou na primeira vez.

“O GHB é uma droga que potencializa muito o prazer durante o sexo e te tira muito da inibição, que é algo buscado no álcool por pessoas que usam droga legalizada. Só que, sinceramente, acho o álcool muito mais difícil de controlar. Você broxa. Não acho que seja uma droga legal para transar”, explica.

O bancário também afirma ter tido boas experiências com metanfetamina, também chamada de Crystal ou Tina, que são “apelidos fofos que os gays criaram para essa droga”, define. “Acho que essas duas [Crystal e GHB] são as principais porque estão muito atreladas à questão do sexo, dão muito prazer. Sobe um calor muito gostoso de sentir. Você fica desinibido e faz o que tiver vontade”, conta.

O poppers também é bastante escolhido para provocar esse tal “calor” descrito por César. “Ela dá uma boa sensação principalmente para o passivo da relação porque relaxa, sobe um negócio”.

O barato do chemsex para ele está no fato dessas substâncias tornarem o tesão mais intenso e diversificarem a hora H. César define que elas têm a capacidade de desligar o sensor do cérebro responsável pela vergonha ou pelo medo do julgamento, fazendo com que o participante aproveite ainda mais.

“Ali, você está totalmente rendido. Tem prática que eu não tinha nem tentado que acabei fazendo numa situação dessa e que eu curti muito. Depois curti fazer a mesma coisa sem droga, e tudo bem. É legal descobrir prazeres novos e diferentes”, afirma.

Como o chemsex funciona?

Bruno Branquinho, psiquiatra e psicanalista especializado no atendimento a pessoas LGBTQIA+, explica que a definição ampla do termo é qualquer relação sexual que tenha sido influenciada por alguma substância. O ato de uma pessoa ir para a balada, beber em uma quantidade média e acabar transando no fim da noite, por exemplo, poderia ser uma forma de chemsex.

No entanto, a abordagem do hábito em si é muito mais específica. “O chemex não é simplesmente usar uma substância e acabar fazendo sexo, mas fazer uso daquela substância justamente para fazer sexo. Cada uma é específica para determinadas práticas”, esclarece.

O chemsex não simboliza a primeira vez na história em que as drogas se aliaram ao sexo. Sheila Reis, psicóloga, sexóloga e colaboradora da plataforma Sexo sem Dúvida, resgata a juventude dos anos 1960, cujo slogan era “Sexo, Drogas e Rock’n’Roll”. “Naquele contexto isso estava ligado à questão da liberdade sexual, em que, por conta do movimento hippie, as drogas estavam mais abertas”, contextualiza.

Branquinho explica que as sessões, como podem ser chamados os encontros, não necessariamente possuem regras ou pontos de encontro pré-definidos e podem durar de três a quatro dias. “As drogas acabam aumentando a excitação e a disposição, deixando a pessoa mais acordada e com muito mais tesão”.

Apesar de não ser tão abordado no Brasil, o ato tem ganhado muitos adeptos no mundo, principalmente em países europeus. Por lá, o assunto ganhou um marcador de saúde pública e tem sido estudado há ao menos duas décadas. No entanto, houve um boom de interesse em compreender essa categoria sexual em 2021. Isto porque pesquisadores relacionam o crescimento do chemsex durante a pandemia.

A pesquisa “Fatores associados à prática de Chemsex em Portugal durante pandemia de Covid-19”, realizado por pesquisadores do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade NOVA, em Lisboa, em conjunto com a Universidade Federal de Sergipe e a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, aponta que 9% dos portugueses realizavam chemsex antes da pandemia. Agora, esse percentual é de 20,2%.

Branquinho explica que o principal perfil dos participantes são homens que fazem sexo com homens, representado tanto por homens gays e bissexuais como homens que se identificam como heterossexuais, mas que têm relações sexuais homoafetivas. Mulheres que fazem sexo com mulheres também aderem ao chemsex, mas em níveis menores que os homens. No caso de pessoas trans, não existem dados suficientes para quantificar a prática.

Os motivos pelos quais os homens mais se atraem ao chemsex são diversos. De modo geral, isso está ligado à maior presença deles nos aplicativos de encontros sexuais e à estrutura social machista, já que homens são mais estimulados a se conhecerem e explorarem o prazer sexual do que as mulheres ao longo da vida.

No caso específico de homens gays e bis, o uso de drogas também pode ter relação com as dificuldades de lidar com a própria sexualidade e com o próprio corpo. “O homem cis gay se importa mais com a questão do corpo que um homem hétero. Muitas vezes, a droga entra para que eles lidem melhor com essa questão estética”, aponta o psiquiatra.

Os riscos do chemsex

Reis explica que o chemsex tem sido um fator de risco preocupante para a população LGBTQIA+ na Europa. Tanto ela como Branquinho afirmam que o uso indiscriminado dessas drogas podem causar diversas consequências negativas físicas e psicológicas. Dependência química, transtornos psicológicos e disfuncionalidade social são algumas delas.

“A prática pode acabar se tornando uma fuga para pessoas que têm histórico de problemas emocionais e pode ser usada para aliviar a dor, ou simplesmente por curiosidade e influência”, explica a sexóloga. O uso excessivo das drogas aumenta a dopamina no corpo, criando a necessidade de uso em doses cada vez maiores para saciar esse desejo.

Para César, no entanto, o comportamento de um praticante de chemsex com o de um adicto não é o mesmo. “Uma pessoa que está numa festinha de sexo normalmente usa aquela droga para potencializar o prazer que ela vai sentir no corpo dela. Não há abstinência ou necessidade de usar toda hora. Já uma pessoa viciada usa pra tomar café da manhã, almoçar, jantar, dormir e usa pra ir trabalhar”, diferencia.

Um grande desafio para os praticantes é o fato de que não existe conhecimento sobre a composição dessas substâncias. “Não existe dose segura para qualquer uma delas. Às vezes, a dose que vai te dar um barato é muito próxima da dose que vai te causar problemas sérios”, afirma Branquinho.

Antes de praticar, César explica que pesquisou muito bem o efeito de cada droga, bem como seus danos e como administrá-las corretamente. No entanto, ele reconhece que essa não é uma preocupação geral. “Vejo gente que mistura GHB e álcool, que toma o dobro da dose sendo que essa é uma droga em que a dosagem é muito exata. Toda droga tem seus perigos e precisam existir regras”, diz.

A longa duração das sessões e o “entorpecimento” causado pelas drogas pode fazer com que o participante esqueça de noções básicas, como ir ao banheiro, beber água e se alimentar, o que pode resultar em fraquezas e desidratação.

Por demandarem muito fisicamente, é comum que a pessoa precise de mais tempo para se recuperar, o que pode impactar na vida pessoal e profissional. Por exemplo: se um praticante passa o fim de semana inteiro fora de casa tendo relações sexuais, estará cansado para manter relações com amigos e familiares ou para exercer bem as funções no trabalho.

O chemsex também pode oferecer riscos em relação à contração de ISTs e de HIV. De acordo com estudos realizados pela Universidade de Londres, homens gays de algumas regiões contraíram a doença por sexo desprotegido ou compartilhar seringas para administrar drogas usadas nas sessões de chemsex. Além disso, Branquinho e Reis alertam que o longo período de relação sexual pode causar fissuras e lacerações capazes de transmitir as doenças com mais facilidade.

O lado positivo e a redução de danos

Ao passo que o chemsex pode oferecer riscos à saúde, é inegável que a popularidade dele vem crescendo. “Não adianta só falar mal porque essas pessoas estão fazendo cada vez mais chemsex por algum motivo. Se não tivesse um lado bom, isso não seria feito”, diz o psiquiatra.

“Tem sensações que você só descobre quando está fazendo sexo com as substâncias, prazeres que talvez não descobrisse de outra forma justamente por vivermos numa sociedade que é moralista, cheia de censuras e julgamentos”, acrescenta.

Além de ajudar a desinibir, intensificar o prazer e fazer o indivíduo lidar com sentimentos negativos de forma mais tranquila, os estimulantes podem deixar o corpo e a mente mais relaxados e abertos a práticas sexuais consideradas não convencionais, como fisting, golden shower e BDSM , por exemplo.

A melhor forma de fazer com que o ato seja prazeroso e menos danoso para o organismo é praticando medidas de redução de danos. Branquinho e César afirmam que existem diversas maneiras de fazer isso, mas a principal delas é a informação.

No Brasil, o assunto ainda é pouco discutido entre praticantes e pela comunidade médica, tornando nebulosa a maneira de se lidar com o chemsex. Por isso, quanto mais se falar sobre a prática, melhor será para torná-la, de fato, mais segura.

“Vale ressaltar que, com isso, não estou dizendo ‘use drogas’, mas a gente sabe que isso está acontecendo. Dessa forma, podemos pensar formas para que essas pessoas usem essas drogas sabendo como funcionam, quando procurar um pronto socorro, sintomas e gravidade”, pontua Branquinho.

O psiquiatra indica que o participante recorra a informações sobre cada droga que será administrada e busque informações como os efeitos, a dosagem ideal, quanto tempo depois a dose deve ser repetida e os sinais de que aquilo não está fazendo bem.

A ONG Centro de Convivência É de Lei, atuante desde 1998 para promover informações sobre redução de danos relacionados ao uso de drogas, é conhecida por promover ações para conscientizar as pessoas dos efeitos causados por cada droga. Além disso, as peças informativas do grupo ensinam a preparar o corpo para receber as substâncias e sinais de overdose, por exemplo. Nos cards abaixo, aprenda medidas de redução de danos da cocaína, maconha, poppers, LSD, GHB, ecstasy e ketamina.

Outro ponto para se ter atenção é evitar se encontrar em espaços públicos ou praticar chemsex com pessoas desconhecidas. Assim, se reduz a exposição a ISTs e situações de violência, como assaltos, sequestros e abusos, por exemplo.

Programe alarmes no celular para se lembrar de comer e beber água. Branquinho indica o mesmo recurso para que a pessoa saiba quando pode tomar a próxima dose da droga escolhida para evitar situações de risco e overdoses.

Por segurança e higiene, César diz que cada participante deve levar seu kit descartável para administrar as drogas. “A maioria das pessoas sabe onde está pisando quando usa drogas nessas festas. Não há aquela imagem dos filmes em que várias pessoas compartilham a mesma seringa sem se informarem sobre como fazer”, afirma.

Por fim, Branquinho explica que o acompanhamento com um profissional de saúde é imprescindível. “Isso pode te ajudar a enxergar algumas coisas que não estão sendo enxergadas, seja o risco em que você pode se submeter ou a prejuízos que não são notados até conversar com outra pessoa”, aconselha.

*Este nome foi alterado para manter a privacidade da fonte

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Parmenas Alt
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