Luís Lima, do CNN Brasil Business, em São Paulo
Diante de um cenário de juros baixos, e empresas com demanda por liquidez, papéis de crédito privado têm ganhando cada vez mais relevância no mercado. Embora sejam considerados investimentos de renda fixa, oferecem uma rentabilidade maior ao investidor – em troca, claro, de maior risco. Na renda fixa, as debêntures, como são chamados os títulos de dívida de empresas, lideraram as emissões em maio, com um volume de R$ 6,3 bilhões, segundo dados da Anbima.
Na prática, crédito privado representa emissões de títulos entre empresas e investidores. Entre as opções mais conhecidas estão as próprias debêntures, que funcionam como os títulos públicos — mas em vez de ser o governo, o destinatário final do dinheiro é uma empresa.
Neste segmento, os retornos aumentaram e os prêmios de risco caíram pela primeira vez em maio após o início da pandemia da Covid-19, conforme mostram as variações dos subíndices do IDA (Índice de Debêntures Anbima), que acompanham esses títulos. As debêntures refletidas pelo IDA-DI (formado por aquelas remuneradas pelo DI — taxa que acomapanha a Selic) atingiram retorno de 0,78% em maio, o que representa 330% do DI. O resultado reverte a queda de 4,87% em março (-1.439% do DI), o pior retorno mensal da série histórica da Anbima.
Na contramão do popular Tesouro Selic, que está atrelado diretamente ao governo, o risco do investimento do crédito privado é maior, assim como o ganho potencial – que varia de acordo com a liquidez e a qualidade dos ativos. Isso ocorre pelo fato de que empresas privadas têm menos capacidade de pagamento que o Tesouro Nacional, dando margem a um eventual calote ou default, que é quando a companhia não honra seus compromissos financeiros.
Além disso, há também o “porém” da falta de cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), espécie de seguro que protege investimentos como os CDBs, emitidos por bancos; e também as variações de preços dos papéis, ou marcação de mercado, que acompanham o ritmo da demanda.
O ponto é que, como em outros tipos de investimento, o retorno é sempre proporcional ao risco. E o contexto gerado pela pandemia fomentou a rentabilidade desses papéis. “Na renda fixa, quando há mais vendedores, com queda dos preços dos papéis, as taxas pagas por eles aumentaram”, diz Lucas Collazo, analista da Rico Investimentos.
No pré-crise, exemplifica Collazo, as taxas pagavam CDI mais 1,3%, e saltaram, no pós, para CDI mais 4,8%, segundo o índice da Anbima, que mede o diferencial entre as taxas. Atualmente, em junho, o diferencial de taxas, ou spread, pago está em CDI mais 3,4%, de acordo com o mesmo indicador.
O cardápio de opções de crédito privado na renda fixa é vasto, e inclui CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários), CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), letras financeiras, como LCI e LCA, e FDIC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios).
“A renda fixa não morreu. O que morreu foi o CDI”, diz José Perri, sócio e diretor de riscos da Quasar. “Deixar o dinheiro aplicado em um CDB de banco, rendendo até 14% ao ano, sem fazer esforço, acabou, de fato. Mas, é bom lembrar que a renda fixa é um universo muito mais amplo”, conclui.
Dicas para investir
Para tomar as melhor decisões, e maximizar a chance de ganhos, o CNN Brasil Business conversou com gestores e assessores de investimentos, que enumeram os principais cuidados a serem tomados para maximizar as chances de ganho.
1. Avaliar a saúde financeira da empresa
O primeiro indicador que indica a capacidade de uma empresas honrar seus compromissos financeiros é a nota de crédito, ou rating, atribuído por agências de risco como Moody’s e Standard & Poor’s (S&P). Depois, é importante considerar a capacidade de geração de caixa, até mais do que se a empresa teve lucro ou prejuízo. Também é importante considerar quão profissional é a gestão da companhia, o histórico de sua rentabilidade, e a parcela de market share que ocupa no segmento em que atua.
“O risco de crédito é complexo, e o investidor comum fica muito distante dessa avaliação. (…) Trata-se da junção de algumas variáveis que incluem o setor que a empresa atua, a capacidade de geração de caixa, as garantias da dívida e a chamada ‘bancabilidade da empresa’, ou quantidade de linhas de crédito que ela tem em bancos”, diz Reinaldo Lacerda, sócio diretor da Hieron Patrimônio Familiar e Investimento. A maioria dessas informações, acrescenta, constam nos balanços das companhias.
“Às vezes uma empresa não dá nem tanto lucro, mas gera caixa. Se analisar essa capacidade ao longo do tempo, ajuda a considerar se vale a pena comparar uma debênture, pois a companhia terá caixa para recompensar o credor”, acrescenta Lacerda.
2. Preferir setores resilientes e empresas grandes
Setores menos expostos às conjunturas política e econômica tendem a agrupar empresas mais protegidas das oscilações de mercado (ou seja, menos risco). Entre eles, os gestores citam energia, saneamento e infraestrutura. Também mencionam companhias que conseguiram superar os desafios da pandemia com soluções tecnológicas, como as do varejo eletrônico.
“Quanto menor a empresa, ou seu segmento de atuação, maior o risco de não pagamento, ou default”, defende Laurence Mello, sócio e gestor de crédito privado da AZ Quest. Entre as qualidades de empresas mais seguras, ele cita o acesso a mercados e a qualidade de gestão. “Estar nas melhores empresas high yeld [alto rendimento] é muito importante. Dá uma segurança maior”, complementa Stefan Castro, gestor de renda fixa da AF Invest.
3. Ter um horizonte de médio prazo
Nada de almejar lucros de um dia para outro. Investir em crédito privado exige paciência e visão estratégica — como na renda variável, ao apostar ações. O mercado também é sujeito às oscilações, sobretudo em tempos de crise, e é imperativo não agir no impulso para ter os melhores ganhos. O prazo mínimo de resgate de uma debênture, dizem os analistas, varia entre seis e nove meses — mas, idealmente, é de dois anos.
“Se tiver horizonte maior, de entre seis meses e um ano e meio, e quero ter um dinheiro na renda fixa, o crédito privado é o melhor veículo. Enquanto um CDB de um banco de primeira linha paga 110% do CDI, nos fundos de renda fixa há carteiras de até 200% do CDI”, diz Mello.
Alexandre Aoude, CEO da Vectis, reforça o cuidado em pensar a médio prazo. “O pensamento que o investidor tem que ter é o de não vender muito rápido, para ter esta liquidez. Aí crédito privado começa a fazer muito sentido. Fora isso, pode resultar em uma liquidez menor do que o investidor imagina, e quando você quer sair, todo mundo também quer, e aí a liquidez desaparece”, exemplifica.
4. Diversificar em fundos
Diluir o risco por meio da pulverização de investimentos é uma regra de ouro que também vale para o crédito privado. Quando mais diversa for a sua carteira de opções, menos exposto a um calote de uma única ou de poucas empresas o investidor está. Apostar em fundos, com uma carteira ampla de opções, é, portanto, uma saída interessante.
“Ao optar por fundos você delega a um gestor que acompanha o dia a dia das empresas, além de sua saúde financeira. Ele é responsável por analisar se a empresa tem capacidade de honrar seus compromissos financeiros”, exemplifica Perri. “Ao acessar um fundo, você acessa uma gama maior de produtos de renda fixa, que podem incluir debêntures, CDBs, CRIs, CRAs, entre outros”, acrescenta.
5. Ajuda profissional
Em meio à tantas nuances, é conveniente ao investidor iniciante, ou menos arrojado, a ajuda de um profissional de investimentos. Ainda que sejam seguidos todos os passos acima, nada reduz a zero os riscos deste mercado. Mesmo uma nota de crédito elevada pode ser revista a qualquer momento, a depender dos desdobramentos econômicos e políticos que afetam determinada companhia — o que pode, no limite, afetar o detentor de uma debênture, por exemplo.
Entre as diversas opções, que incluem CRIs, CRAs, LCI e LCA e FDIC, o ideal é contar com um especialistas para identificar não só as melhores opções, como também as mais seguras.
“Deve-se fazer uma análise cuidadosa. Às vezes uma empresa que tem uma marca forte foi muito atingida pela crise. Tem que olhar cada empresa, individualmente. Este é o grande trabalho que um gestor de um fundo de crédito privado faz”, defende Ulisses Nehmi, CEO da Sparta.