Esta quarta-feira, 10 de abril, completa a marca dos primeiros 100 dias de governo de Jair Bolsonaro. É também data de avaliação, uma vez que as 35 metas definidas no início do mandato serão avaliadas. E a análise não será das mais positivas para o presidente.
Logo que assumiu, Bolsonaro definiu com sua equipe ministerial uma lista de “tarefas” a serem realizadas neste primeiro marco do governo. As metas englobavam os mais diversos temas e tinham variados graus de dificuldades. Chegado o prazo, o saldo mostra que alguns ministérios, como o da Economia e o da Justiça, conseguiram concluir seus objetivos com alguma facilidade, enquanto outros sofreram com atrasos e problemas ao longo do caminho.
Em entrevista na última semana, o presidente chegou a afirmar que conseguiria entregar cerca de 95% das metas estipuladas, e que os outros 5% ficariam bem próximos da conclusão. Porém, em uma análise mais profunda e minuciosa dos temas, é possível comprovar que os números são bastante diferentes, e pesam contra o parecer dado pelo presidente.
Por um lado, conseguiu concretizar algumas de suas propostas de campanha, como o decreto da flexibilização do porte de arma , uma das principais vertentes da campanha eleitoral, e o Projeto de Lei Anticrime , que foi desenvolvido e agora encontra-se nas mãos dos deputados para uma primeira avaliação.
Porém, diversos pontos sofreram com atrasos e problemas, o que fez com que muitas das metas não pudessem ser realizadas ou fossem entregues parcialmente, como é o caso do Centro de Testes de Tecnologia de Dessalinização, que ainda não entrou em sua fase de testes, e a reestruturação da Empresa Brasileira de Comunicação, chamada por Bolsonaro de “TV Lula”.
Meta por meta
Aqui, listamos 17 metas relacionadas aos ministérios da Justiça, Ciência e Tecnologia, Educação, Mulher, Família e Direitos Humanos, Meio Ambiente, Secretaria-Geral, Secretaria do Governo, CGU e AGU. Além destas, as outras 18 se dividem entre Saúde, temas ligados a Economia e a articulação política do governo.
Metas concluídas – 6
1- Decreto de facilitação da posse de armas (Justiça)
Um das principais promessas de campanha de Bolsonaro, a proposta foi assinada logo no começo do governo e definiu novas regras sobre o tema, garantindo assim que todo indivíduo com autorização poderá ter até quatros armas em casa.
Apesar da facilitação, as mudanças tratam apenas da posse , e não do porte de armas. Sendo assim, as definições que se aplicavam a esta segunda modalidade seguem valendo e não foram modificadas.
2 – Projeto de Lei Anticrime (Justiça)
O pacote que prevê mudanças em 14 legislações brasileiras, como Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Execução Penal, Lei de Crimes Hediondos, Código Eleitoral, entre outros, foi protocolado pelo presidente ainda em fevereiro, e entregue à Câmara dos Deputados pelo ministro Sérgio Moro .
Entretanto, ao invés de seguir tramitando, acabou paralisado pelo presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM) , que pediu a instauração de um grupo de análise, o que fez com que o projeto ficasse congelado, sem avançar para o Senado. E é exatamente neste ponto que ele se encontra no momento: aprovado por Bolsonaro, mas parado na Câmara.
Para evitar que o processo ficasse estagnado, alguns senadores acabaram “adotando” o projeto de Moro por meio de projetos de lei, ou seja, copiaram o texto e assinaram como autores. Assim, conseguiram fazer com que três projetos do pacote tramitem em paralelo tanto na Câmara como no Senado.
3 – Apoio à Operação Lava Jato (Justiça)
A meta de recomposição policial do pessoal envolvido na operação e de dar maiores condições de trabalho para as equipes do Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal foi realizada em março. Em declaração na CCJ, o ministro Sérgio Moro fez um balanço de seus primeiros meses à frente da pasta e apontou a melhoria nas equipes da Lava Jato .
Segundo ele, as delegacias da PF responsáveis pelo combate a corrupção nos quatro estados tiveram incrementos que variaram entre 21%, no caso de Brasília, a 83%, caso do Paraná. Em São Paulo, o aumento foi de 25%, enquanto no Rio de Janeiro chegou a 34%. O número médio de policiais nessas unidades passou de 35 para 48. Além disso, houve a duplicação de pessoal no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) de 31 para 64 integrantes.
4 – Racionalizar e modernizar estruturas e processos ministeriais (Secretaria-Geral) e Regras e critérios para ocupação de cargos de confiança (CGU)
As metas, em conjunto, buscavam melhorias nas contratações de servidores e o enxugamento da máquina pública. Para isso, foram tomadas duas atitudes: a criação de um “banco de talentos” para as vagas de segundo e terceiro escalão, além de um decreto de mudança de regras para os concursos públicos, a chamada “ficha limpa” .
Assim, o governo acabou extinguindo diversos cargos comissionados , exonerou mais de 3 mil servidores e atingiu outros 24,5 mil cargos com as mudanças nos critérios. A alteração, como confirmado depois, será também retroativa , ou seja, afetará também quem já está nos cargos, mas não cumpre com os requisitos.
5 – Atendimento eletrônico de devedores dos órgãos federais (AGU)
Desde o último dia 04 de abril, a ferramenta, conhecida como Sapiens , já está pronta e disponível para o cidadão. O acesso é feito por meio do módulo para usuários externos do sistema.
Segundo a página da própria ferramenta, o Sapiens é um Gerenciador Eletrônico de Documentos que possui avançados recursos de apoio à produção de conteúdo jurídico e de controle de fluxos administrativos, simplificando rotinas e expedientes e auxiliando no processo de tomada de decisão e na elaboração de documentos.
Com isso, todo cidadão que possui algum crédito na Dívida Ativa pode realizar consultas, parcelamentos e demais requerimentos relacionados de forma automatizada, proporcionando economia de tempo e eficiência no atendimento.
6 – Plano Nacional para o Combate ao Lixo no Mar (Meio Ambiente)
O Ministério oficializou a aprovação do plano . Dentro de seis eixos estruturantes, foram definidas 30 ações concretas a serem tomadas no curto, médio ou longo prazo. Inclusive, o projeto foi lançado no litoral de São Paulo no último dia 22 de março. A partir de agora, as metas devem ser acompanhadas conforme cronograma ao longo dos próximos 12 meses.
Metas em implementação – 6
1 – Implantação do Centro de Testes de Tecnologia de Dessalinização (Ciência e Tecnologia)
Foi instituído, ainda em março, o Programa de Apresentação de Unidades de Dessalinização e Purificação de Águas Salobras e Salinas para Teste e Análise de Desempenho no Brasil. Na ocasião, o feito foi exaltado por Bolsonaro.
No último dia 04 de abril, o presidente voltou ao Twitter para anunciar a conclusão do Centro de Testes de Tecnologia de Dessalinização, que fica na cidade de Campina Grande-PB. O CCTD, que ainda não tem data confirmada de inauguração, vai absorver o Laboratório de Referência em Dessalinização (Labdes), da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), lançado em 2003 pela então ministra Marina Silva.
Apesar do avanço, a ideia inicial era a realização dos primeiros testes ainda em março, o que acabou não se concretizando.
2 – Alfabetização Acima de Tudo (Educação)
Em janeiro, foi criado um grupo de trabalho que teria por objetivo estabelecer uma política de alfabetização eficaz. O primeiro passo desse grupo foi um mapeamento dos problemas inerentes à educação básica e à alfabetização. Apesar disso, não foi feito nenhum lançamento do projeto, o que faz com que a meta tenha sido apenas parcialmente cumprida: o programa foi lançado, mas não implementado.
3 – Campanha nacional de combate ao suicídio e à automutilação de crianças, adolescentes e jovens (Mulher, Família e Direitos Humanos)
Depois de ter sido aprovado pela Câmara e pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, o projeto que obriga notificação de tentativas de suicídio e automutilação também foi aprovado pelo Senado.
O texto, que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, determina que sejam feitas notificações dos episódios de tentativas de suicídio e de automutilação pelos estabelecimentos de saúde, tanto público quanto privado, e instituições de ensino. Pelo fato de ainda necessitar da sanção do presidente, é uma meta que não pode ser definida como concluída.
4 – Educação domiciliar (Mulher, Família e Direitos Humanos)
Em fevereiro, a ministra Damares Alves preparou a proposta da medida provisória que permite que os pais possam escolher se seus filhos devem ser educados na escola ou em sua própria casa.
Atualmente, essa prática não está regulamentada e foi vetada pelo STF em setembro do ano passado. Os ministros decidiram que o ensino domiciliar não pode ser considerado um meio lícito, pois não há lei que regulamente o assunto.
De acordo com o governo, a MP deve ser aprovada nesta semana , muito provavelmente no próximo dia 13, quando Bolsonaro deve definir a nova lista de metas para os meses seguintes.
5 – Programa “Um por Todos e Todos por Um!” pela ética e cidadania (CGU)
O programa, criado em 2008, é uma iniciativa da CGU em parceria com o Instituto Maurício de Sousa, que visa despertar nos estudantes o interesse pelos dois temas. Entretanto, ainda não há informações por parte do governo de uma ampliação do projeto.
A ideia era estender o programa para todos os alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental e atingir cerca de 15,3 milhões de estudantes de escolas públicas e privadas. Porém, até o momento, foi divulgada apenas a realização de uma reunião com representantes da pasta para discutir a reformulação do material utilizado.
6 – Aprimorar o Sistema de Recuperação Ambiental (Meio Ambiente)
Ideia do ministro Ricardo Salles era aperfeiçoar o procedimento de conversão de multas do Ibama, a quem criticou por “distribuir multas por caráter ideológico”. Com isso, criou-se um núcleo de conciliação com poderes para analisar, mudar o valor e até anular cada multa aplicada pelo instituto por crimes ambientais no território nacional – esvaziando, na prática, o papel do fiscal.
Além disso, a minuta extingue uma das modalidades de conversão de multas, um sistema que hoje permite a participação de entidades públicas e organizações não governamentais em projetos de recuperação ambiental.
Apesar de todas as mudanças, Salles não definiu as novas normas e nem as colocou em ação. Assim, a meta pode ser apontada como parcialmente realizada pelo fato de que contava com a modificação dos processos do Ibama, mas essa mudança ainda não levou a lugar nenhum.
A ideia do governo, assim como no caso da Medida Provisória da Educação Domiciliar, é divulgar as diretrizes ainda esta semana, na reunião em que serão definidas as próximas metas.
Metas não cumpridas – 5
1 e 2 – Sistema Anticorrupção do Poder Executivo Federal (CGU) e Criação do comitê de combate à corrupção no Governo Federal (CGU)
O projeto visava sistematizar as ações, funções, estruturas e medidas relacionadas a atividades de integridade pública dos órgãos da administração, com o objetivo de condensar todas as estruturas de detecção, prevenção e sanção dos casos de corrupção do Governo Federal, alcançando, assim, um combate e uma prevenção mais efetivas da corrupção no país.
A ideia seria treinar os servidores para evitar novos casos de corrupção, tema tão caro ao presidente e ao qual ele havia definido como grande adversário. Mesmo assim, casos como o de Gustavo Bebianno, ex- Secretário-Geral da Presidência da República, e Marcelo Álvaro Antônio, ministro do Turismo, mostram que o discurso teve duas faces dentro do governo.
Portanto, houve mudanças, mas nada de concreto sobre a criação de um comitê ou sistema, que seria composto por ministros da CGU, da Economia, da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República para, sob a coordenação do ministro da Justiça e Segurança Pública, prestar assessoramento ao presidente da República na condução da política de combate à corrupção da Administração Pública Federal.
3 – Reestruturar a Empresa Brasileira de Comunicação (Secretaria do Governo)
Promessa de campanha, a ideia de acabar com a “TV Lula”, como era chamado o canal devido ao seu viés ideológico, foi descartada pelo governo. Em janeiro, foi anunciada a reestruturação dos quadros e redução de 45 cargos em comissão, mas a questão sobre valorização dos conteúdos ainda não avançou.
De acordo com o governo, o projeto de reestruturação foi iniciado, com a revisão de contratos e a nomeação de um novo presidente, mas a medida só deve ser implementada de fato no segundo semestre, conforme estimativa feita pelo ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz. A meta é economizar cerca de R$ 130 milhões anuais em custeio da EBC.
4 – Regulamentação de partes da Lei Brasileira de Inclusão (Mulher, Família e Direitos Humanos)
Conhecida como Estatuto da Pessoa com deficiência, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência é um avanço na proteção dos direitos das pessoas com deficiências, mas ainda tem muitos artigos que não foram implementados. A ideia da ministra Damares era conseguir a implementação de pelo menos três ou cinco artigos.
Entretanto, no último dia 03 de abril, foi encaminhada para a Câmara uma proposta de audiência pública para debater a regulamentação da Lei. Ou seja, a meta ainda está longe de ser atingida, uma vez que nem mesmo as discussões tiveram início.
5 – Programa Ciência na Escola (Ciência e Tecnologia)
A iniciativa prevê o desenvolvimento de atividades científicas e tecnológicas com alunos dos ensinos fundamental e médio em visitas a universidades e centros de pesquisa. Para isso, faria duas chamadas públicas: uma para escolher instituições de ensino com os melhores projetos de ensino de ciência e outra para selecionar pesquisadores que receberão bolsa para desenvolver projetos de pesquisas voltados para as demandas do programa.
Além disso, o programa tinha outras duas diretrizes: o lançamento da Olimpíada Nacional de Ciências, que se resume na aplicação de exames para avaliar o conhecimento em diferentes campos científicos ao mesmo tempo, além da divulgação do calendário de Olimpíadas científicas ao longo do ano.
Dos três objetivos, apenas um foi alcançado: já é de conhecimento comum a lista de eventos científicos. Por outro lado, o edital da Olimpíada Nacional de Ciência sofreu atraso devido a inclusão de mais uma modalidade, a Astronomia, e os dois editais do programa “Ciência na Escola” ainda não foi divulgado, diferentemente do que se planejava no início, quando o ministério informou que as informações estariam disponíveis no mês de março.
Meta “especial” – Brumadinho
O desastre com a barragem da Vale em Brumadinho aconteceu logo no início do mandato de Bolsonaro. Com isso, o governo decidiu criar uma portaria para fiscalizar outras barragens pelo Brasil e chegou até a definir uma lista com as que foram classificadas como de “dano potencial associado alto” ou com “risco alto” .
O documento reforçava ainda que o governo faria um processo de mobilização com diversos órgãos atuantes. Entre as ações, estavam a criação do comitê de crise no Planalto, a aplicação de multa à mineradora Vale e a liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para atingidos, além de outras.
Em março, foi instaurada no Senado a CPI de Brumadinho , para identificar as possíveis causas da tragédia e as consequências. Conforme o requerimento de criação, apresentado no dia 7 de fevereiro, o prazo para apuração das causas do rompimento da barragem da mineradora Vale será de 180 dias.
Na época do acidente, o presidente Bolsonaro chegou a instaurar um gabinete de crise , deslocando três ministros para acompanhar o resgate das vítimas, além de prometer que iria trabalhar para minimizar danos, cobrar justiça e previnir novos desastres.