Beija-Flor de Nilópolis resolveu investir na prata da casa e no amor à bandeira para driblar a crise financeira e superar até mesmo os quase dois meses de barracão interditado: componentes foram convocados para confeccionar fantasias de alas da comunidade em casa e se envolver tem todas as fases de produção do carnaval.
Para recuperar o tempo perdido, o diretor de harmonia e integrante da comissão de carnaval da escola, Laíla, fez um chamamento num ensaio da escola: o samba não pode morrer e o carnaval, a maior festa popular do país não pode perder o seu brilho. E nada poderia atrasar a trajetória da azul e branco de Nilópolis rumo a mais um campeonato.
E a convocação falou ao coração da aderecista Janaína Muller, que estava afastada da escola há cinco anos. Ela transformou seu apartamento no Centro de Nilópolis, na Baixada Fluminense, num ateliê para confeccionar 70 fantasias de uma ala. Ela retirou praticamente todos os móveis da sala, fez dos dois quartos depósito de material e da área de serviço, setor de montagem. Quando tem de usar cola fria – que tem cheiro forte – monta as fantasias na área de entrada do prédio. E supervisiona com firmeza o trabalho dos filhos, de um sobrinho e do marido.
“Sempre digo que carnaval tem dia, hora, local e jurado. A gente não pode atrasar. Trabalhei 11 carnavais como aderecista no barracão e ainda fazia a fantasia de três alas. Mas aí, dei uma parada para dar mais atenção aos meus quatro filhos. Este ano, por causa das dificuldades, a escola chamou e eu voltei. Fiz da minha casa um ateliê e botei todo mundo para trabalhar. Sou Beija-Flor desde a barriga da minha mãe. A Beija-Flor faz parte da nossa história e a gente faz parte da história da escola”, disse Janaína informando que só depois do carnaval seu apartamento volta a ter jeito de casa de família.
Se no apartamento de Janaína a confecção de fantasias conta com mão de obra familiar, no Centro de Atendimento Comunitário (CAC), antiga quadra da Beija-Flor, o amor pela escola também superar os obstáculos. A quadra foi transformada numa extensão do barracão, com quase 40 voluntários entre costureiras e aderecistas, como explicou a chefe de produção de fantasias Elizabete Franques.
“É quase uma fábrica, com trabalho das 8h às 18h diariamente, só que em ritmo de samba. Quem não pode vir, leva material para fazer em casa. Tem gente que já trabalhou no barracão e quem está aqui pela primeira vez. Eu mesma tenho máquina em casa e levo tecido para casa. Saio daqui, faço a janta correndo e pego no serviço de novo e vou até 1h”, contou Bete, destacando que o grupo já concluiu três dos sete figurinos que têm para fazer, cada um com 80 fantasias.
E para ver a escola brilhar na Sapucaí em 2018, em nome da Beija-Flor vale qualquer sacrifício, como destaca a líder comunitária Marisa dos Santos Silva, que há 20 anos trabalha no barracão da escola.
“Sempre gostei de ajudar. Faço tudo pela minha escola. A gente se sente orgulhosa quando vê a escola passar bonita na avenida e diz: essa fantasia fui eu que fiz”, disse Marisa para quem todo componente que tem amor pela escola tem de dar sua cota de sacrifício, de trabalho para ser campeã.
A dona de casa Suelen de Oliveira Freitas, de 29 anos, contou que está estreando num ateliê da Beija-Flor. Ela não vai desfilar para se dedicar ao filho de 2 anos de idade.
“Para mim está sendo ótimo trabalhar aqui. Fiz um curso quando tinha 16 anos, e por causa da crise, ao chamar os voluntários, a Bete lembrou de mim. E está sendo muito gratificante. Estou aprendendo muito”, afirmou Suelen.
A diretora de ala e de harmonia da escola Patrícia Bento também não mede esforços para ver a Beija-Flor desfilar bem na avenida. Ela que trabalha como acompanhante à noite em Copacabana, na Zona Sul do Rio, sai direto dos plantões para o ateliê no CAC.
“Este ano, o desafio é muito grande porque o trabalho começou muito tarde por causa da interdição do barracão na Cidade do Samba. Agora temos de botar tudo em dia. O que importa é ver a escola perfeita na avenida”, destacou Patrícia que aproveita o ritmo do samba-enredo para dar andamento a seu trabalho como aderecista voluntária.
Mangueira só terá resplendor em 3% das fantasias
Em nome da liberdade e contra a crise, maioria das fantasias de alas da Mangueira não terá resplendor (Foto: Estação Primeira de Mangueira/Divulgação)
Se na Beija-Flor, a solidariedade dos componentes está ajudando a escola a enfrentar a crise, na Estação Primeira de Mangueira, a palavra de ordem é a criatividade. Para não ver seu carnaval prejudicado, o carnavalesco Leandro Vieira – além de desenvolver um enredo que fala diretamente da crise – optou por uma estética diferente para o carnaval de 2018: somente 3% das fantasias das alas da escola terão resplendor.
“Acredito mais na capacidade que o carnaval tem de se reinventar que na capacidade que a prefeitura tem de tirar o brilho da festa. Mas nada vai reduzir a qualidade do trabalho. Em 2018 teremos uma oportunidade maravilhosa de radicalizar. E as fantasias da Mangueira vão atender ao conceito do enredo proposto, que diz que se brinca melhor com menos volume e mais liberdade”, explica o carnavalesco.
Mesmo sem resplendor, a Mangueira quer propor uma discussão sobre o papel das escolas de samba no esvaziamento dos desfiles e na busca por um contato mais próximo com o folião, com o componente. E analisar os motivos do crescimento do carnaval de rua, que tem cada vez mais atrativos para o desfilante.
“Essa discussão é proposta no enredo. Por que temos de fazer o desfilante carregar peso? Nossa proposta é essa: valorizar mais a liberdade, a alegria, o samba. Vamos ter o componente com mais liberdade, mas a Mangueira será a Mangueira de sempre, com alegorias exuberantes, não só em verde e rosa, mas com muitas cores. Todas as cores, com mais liberdade, criatividade e feliz”, garante Leandro Viera.
G1