Dois laudos obtidos pelo Jornal Nacional mostram que há falhas nas obras da futura Estação Fradique Coutinho do Metrô de São Paulo. Na mesma Linha, a 4-Amarela, um desabamento abriu uma cratera e matou sete pessoas no dia 12 de janeiro. A vistoria foi feita por um inspetor credenciado pela Fundação Brasileira de Tecnologia da Soldagem 15 dias depois do acidente na Estação Pinheiros.
Nelson Damásio foi contratado pelo Consórcio Via Amarela, responsável pela construção, para atestar a qualidade da solda das vigas metálicas que sustentam parte da obra. São elas que impedem o desabamento da terra, mas, segundo Damásio, a estrutura está comprometida. “A situação da estrutura implica sério risco de rompimento das soldas, podendo causar acidentes de proporções imprevisíveis”. O inspetor recomenda, no laudo, a interrupção da obra até que as soldas sejam refeitas.
A construção não foi paralisada, mas uma equipe está permanentemente no local para consertar os estragos.
15 problemas
O engenheiro José de Deus Brito, que avaliou o laudo, se disse surpreso com os 15 problemas que foram constatados na obra. “Isso aqui acontecia 20, 30 anos atrás, quando o pessoal não tinha a menor consciência do que era uma soldagem bem feita”.
O laudo aponta solda menor do que o recomendado para a estrutura, o que fragiliza as emendas. “Isso quer dizer o seguinte: que ali onde está faltando o material pode iniciar-se um processo de ruptura”, disse Brito. Além disso, a soldagem teria sido realizada com material inadequado, conhecido como “bacalhau”. “É um artifício pra encher mais rápido uma junta soldada. Então o pessoal pega alguns vergalhões ou tiras. Você não está usando uma solda, está preenchendo outras coisas e só passa um revestimento de solda para dar uma falsa aparência, é como se fosse um ovo que você pensa que é maciço e na verdade é uma casca”.
Outro problema apontado pelo laudo é a falta de cuidado com o metal usado na solda. “Esse material se ele não for tratado adequadamente, com temperatura elevada, ele pode, quando estiver derretendo, introduzir hidrogênio na solda. E o hidrogênio fragiliza a junta soldada, o que pode também acarretar uma ruptura”, analisou Brito.
O laudo também relata que na estrutura há vigas soltas, sem qualquer tipo de solda. “Quer dizer, não teve a união das partes. Isso pode acarretar num colapso de toda a estrutura. Essa estrutura pode desabar. E a gente não pode ter essa palavra pode acontecer. Fazendo bem feito não vai acontecer problema nenhum”.
Outro inspetor contratado pelo Consórcio analisou a obra há duas semanas. Sérgio Brandi, que também é professor da USP, reprovou as soldas após constatar porosidades e trincas. “É um risco grande. A porosidade, embora seja um defeito menos sério do que uma trinca, também compromete a integridade estrutural da obra”, afirmou.
O professor se espantou ao saber que a inspeção só foi feita depois do deslizamento na estação vizinha. A estrutura começou a ser montada na Fradique há um ano, mas “esta inspeção deveria ser feita ou após a soldagem, ou até 48 horas após a soldagem, dependendo da composição química do aço – e não muitos meses depois. Porque se você garante a qualidade, você efetivamente trabalha com essa questão de minimizar o risco”, explicou Brandi.
Sem saber que a conversa estava sendo gravada, um dos soldadores que trabalha na obra disse que a equipe refez apenas 20% das soldas que apresentavam problemas. “Quem fez o trabalho foi o pessoal do Consórcio mesmo. E eles deixaram muito fora de norma. Começaram a colocar “bacalhau”, vergalhão de construção, soldavam de qualquer jeito. Fica uma emenda sem resistência nenhuma. Tem abertura de 50 milímetros. O ideal seria de três a quatro milímetros. A minha avaliação é a seguinte: pedir a Deus pra que não caia. Eu fico com medo, mas eu não posso passar isso pro pessoal, né? Ninguém sabe aqui”, afirmou o soldador.
José Roberto Leite Ribeiro, engenheiro responsável pelas obras da Linha 4, informou que o Metrô não recebeu os laudos que reprovam a estrutura metálica. Mas disse que confia no Consórcio e assegurou que não há risco de acidente. “Eu te garanto que a obra está segura com todas as garantias que a gente tem”, afirmou.
Em nota oficial, o Consórcio Via Amarela afirmou que a contratação de consultores é rotina e que seguiu a recomendação de uma empresa especializada para garantir a qualidade do trabalho de soldagem. Confira a íntegra da nota:
“À Rede Globo
Como parte de seu um rigoroso controle de qualidade em todas as operações, o Consórcio Via Amarela informa que contratou um Inspetor de Soldagens, com vasta experiência, para analisar os serviços de solda em estruturas provisórias utilizadas nas escavações da futura Estação Fradique Coutinho.
O laudo técnico do por ele emitido recomendou a contratação de uma empresa especializada, de forma que fossem assegurados os padrões necessários em todas as soldagens. A recomendação foi prontamente acatada. Uma empresa especializada está realizando os trabalhos de soldagem na obra.
A contratação de consultores e especialistas em todas as fases da obra é um procedimento de rotina do Consórcio Via Amarela.