O secretário estadual de Saúde do Rio, Sérgio Côrtes, desconhece a qualificação profissional de quase metade dos funcionários que atendem a população nos hospitais do Estado. Ao assumir o cargo, há três semanas, não encontrou sequer o currículo dos 9,6 mil terceirizados contratados pela secretaria.
O descontrole alcança também contratos com fornecedores, que somam R$ 400 milhões em dívidas, e a gestão dos hospitais. Ele não sabe, por exemplo, em que foram aplicados R$ 116 milhões gastos pelas 28 unidades no ano passado, a título de verba de emergência.
Mesmo com uma despesa anual de R$ 2 bilhões, os hospitais acumulam filas, desabastecimento e péssimas condições de infra-estrutura.
“Troquei uma embaixada em Washington pela prefeitura de Bagdá”, resume o ex-diretor do Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia (Into), em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, comparando a unidade que dirigiu por quatro anos ao cenário desolador que pretende alterar em seis meses. Este é o prazo que ele fixou para repetir o que fez na instituição federal.
Côrtes se diz disposto a acabar com ingerências políticas, desmontar máfias e corrigir vícios de gestão, o que já lhe rendeu ameaças de morte. Aos 41 anos, o ortopedista é obrigado a dividir seus passos com policiais que lhe dão proteção 24 horas.
A escolta, porém, não é uma situação inédita na vida de Côrtes. Ele descobriu que saúde é um caso de polícia ainda à frente do Into. Em resposta às mudanças que promoveu no hospital, onde foram constatados esquemas de superfaturamento e corrupção, recebeu ameaças, configuradas por meio de um jaleco retalhado, bilhetes e até um tiro de raspão na testa.
Insistiu no combate às fraudes e levou o Into a receber o certificado de acreditação internacional, mérito de poucos hospitais brasileiros que seguem rigorosos padrões de qualidade.
A experiência no Into e como coordenador da intervenção federal na rede hospitalar do município do Rio, em 2005, está ajudando, mas Côrtes diz ter encontrado na secretaria algo muito pior.
Médicos Sem Currículo
Exemplo do descalabro é a situação dos funcionários terceirizados. “Qual a qualificação desses profissionais? Não tem currículo deles aqui. Eu não sei se têm diploma de médico, se têm diploma de enfermeiro. Não sei quem são essas pessoas. Quem está atendendo nossa população?”, pergunta ele, acrescentando que já está promovendo mudanças na contratação dos terceirizados, a maioria de ONGs controversas.
A secretaria estabeleceu, para a recontratação emergencial, um sistema de pontos que valoriza experiência e qualificação, além de priorizar os que já são aprovados em concurso. Com isso, pretende eliminar as indicações políticas.
O secretário também suspendeu as verbas descentralizadas, que no ano passado totalizaram R$ 116 milhões. “Nos hospitais federais, que são de muito maior complexidade, você tem R$ 8 mil por mês para usar, por exemplo, no conserto de um pedaço do teto, na compra de um medicamento que não é comum. Enquanto isso, os hospitais estaduais recebiam até R$ 800 mil para gastarem com o que quisessem, como quisessem”, observa.
Some-se a isso o fato de que mais de 90% dos serviços continuados, que englobam limpeza, lavanderia, alimentação e vigilância, entre outros, vinham sendo feitos sem contratos.
Diante do panorama, seria possível até falar em mortes provocadas pela má gestão. O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), usou a palavra “genocídio” para definir o que viu ao visitar os hospitais que recebeu de Rosinha Matheus (PMDB). Côrtes, porém, é cauteloso. Diz que precisa de estatísticas, algo raro na secretaria, segundo ele. Não há dados básicos como a taxa de mortalidade e de infecção hospitalar, além de o tempo médio de internação por unidade.
A falta de parâmetros fez com que o secretário não pedisse mais recursos para a pasta. Côrtes assumiu o desafio de, com o mesmo orçamento de R$ 162 milhões mensais, mostrar resultados no 2º semestre. E não acha ousada a tarefa de transformar o quadro em tão pouco tempo. “Acho que é possível dar um atendimento digno e com qualidade”, afirma o secretário, sem prometer o fim das filas. Ele lembra que a demanda está ligada às deficiências da rede de assistência básica, sob responsabilidade das prefeituras.
Procurado pelo Estado, o ex-secretário estadual de Saúde, Gilson Cantarino, não foi encontrado. Ninguém atendeu seu telefone residencial e o celular estava desligado.
Desafio
Embora diga que a caça às bruxas da gestão anterior é de responsabilidade do Ministério Público e do Tribunal de Contas, o secretário anuncia que já solicitou auditorias do Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus) sobre repasses descentralizados, compra de medicamentos e o Serviço de Assistência Médica de Urgência (Samu).
Indagado sobre como seriam os hospitais do Rio se os recursos tivessem sido bem aplicados, Côrtes arrisca: “Esperem seis meses e verão”.
Alexandre Rodrigues e Karine Rodrigues
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