sábado, 23/11/2024
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Aprisionamento em massa fortalece facções criminosas

OBrasil, pris&otildees superlotadas estimulam &oacutedio ao sistema e funcionam como uma &quotfaculdade do crime&quot. Para especialistas, pol&iacuteticas de ressocializa&ccedil&atildeo efetivas e programas de preven&ccedil&atildeo &agrave criminalidade s&atildeo urgentes.O modelo de organiza&ccedil&atildeo do sistema prisional brasileiro, cuja popula&ccedil&atildeo carcer&aacuteria cresceu 575% em duas d&eacutecadas e meia, segundo dados oficiais do Minist&eacuterio da Justi&ccedila, e a pol&iacutetica de seguran&ccedila p&uacuteblica nacional produzem efeitos colaterais que ajudam a compreender a rebeli&atildeo que deixou ao menos 56 mortos no Complexo Penitenci&aacuterio An&iacutesio Jobim (Compaj), em Manaus, encerrada nesta segunda-feira (02/01).

Segundo o cientista pol&iacutetico e o pesquisador Bruno Paes Manso, do N&uacutecleo de Estudos da Viol&ecircncia, da USP, o Brasil vive o paradoxo de apostar no aprisionamento em massa como forma de controlar o crime enquanto as pris&otildees superlotadas fortalecem cada vez mais os &quotex&eacutercitos das gangues prisionais&quot. &quotOs complexos penitenci&aacuterios do Brasil servem hoje como um networking, uma faculdade do crime&quot, afirma.

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Conforme o &uacuteltimo relat&oacuterio sobre a popula&ccedil&atildeo carcer&aacuteria brasileira, atualizado em dezembro de 2014 pelo Departamento Penitenci&aacuterio Nacional (Depen), o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial (622.202 presos), sendo superado apenas pelos Estados Unidos, China e R&uacutessia, nesta ordem. O alto &iacutendice de pris&otildees provis&oacuterias fortalece a tese do encarceramento em massa: do total de pessoas privadas de liberdade no Brasil, aproximadamente quatro entre dez (41%) foram presas sem terem sido julgadas.

&quotOs Estados Unidos come&ccedilaram a reduzir a sua popula&ccedil&atildeo carcer&aacuteria e t&ecircm discutido a legaliza&ccedil&atildeo das drogas. E a R&uacutessia e a China t&ecircm pensado em como aliviar as pris&otildees&quot, aponta Paes Manso.

Para o presidente da Comiss&atildeo de Defesa dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Amazonas, Epit&aacutecio Almeida, que participou das negocia&ccedil&otildees do motim do Compaj, &eacute quase imposs&iacutevel que o detento n&atildeo se contamine com as fac&ccedil&otildees criminosas dentro da pris&atildeo. &quotQuando o indiv&iacuteduo &eacute preso, ele entra em contato com um governo paralelo, o governo do crime. Vai ter de se submeter a ordens e comandos l&aacute dentro&quot, afirma Almeida. &quotOs pres&iacutedios no Brasil s&atildeo constru&iacutedos para trancafiar, amontoar pessoas.&quot

Para o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atua&ccedil&atildeo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Presidente Prudente, o principal e mais urgente problema do sistema carcer&aacuterio brasileiro &eacute a superlota&ccedil&atildeo dos pres&iacutedios, com um d&eacuteficit de vagas pouco abaixo de 50%. &quotH&aacute unidades para 600 presos que abrigam tr&ecircs mil. Celas com 50, 60 detentos. &Eacute quase humanamente imposs&iacutevel pensar na ressocializa&ccedil&atildeo desses indiv&iacuteduos.&quot

A fac&ccedil&atildeo criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), envolvida na rebeli&atildeo em Manaus e um dos focos de estudo de Paes Manso, se fortaleceu exatamente dentro desse modelo. S&atildeo Paulo, onde o grupo est&aacute baseado, possui cerca de 500 presos por 100 mil habitantes.

&quotO PCC &eacute uma fac&ccedil&atildeo que nos &uacuteltimos anos ganhou dinheiro com o tr&aacutefico de drogas como nunca tinha acontecido antes, vendendo a partir dos contatos com os pres&iacutedios. Com esse networking atr&aacutes das grades, eles vendem a todos os estados brasileiros e criaram uma grande rede de distribui&ccedil&atildeo varejista de drogas&quot, explica Paes Manso.

O Primeiro Comando passou a controlar fontes atacadistas do Paraguai, da Bol&iacutevia e a vender para com&eacutercios locais. &quotCome&ccedilaram a fazer v&aacuterias alian&ccedilas, evitando confrontos com grupos locais, mas nem sempre isso era poss&iacutevel. Isso criou algumas inimizades. A Fam&iacutelia do Norte (FDN) e o Primeiro Comando Catarinense, por exemplo, s&atildeo grupos inimigos do PCC&quot, diz o pesquisador. Al&eacutem do PCC, a FDN – aliada ao Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro – esteve envolvida na rebeli&atildeo em Manaus.

O fortalecimento de gangues a partir dos pres&iacutedios foi observado em outros pa&iacuteses, como Honduras e El Salvador, onde novas pol&iacuteticas p&uacuteblicas est&atildeo sendo buscadas, exemplifica Paes Manso.

&quotJuventude entregue &agrave viol&ecircncia&quot

Outra contradi&ccedil&atildeo do sistema prisional brasileiro apontada por Paes Manso &eacute que, com o crescimento das fac&ccedil&otildees, o poder p&uacuteblico criou um sistema de monitoramento dos presos no c&aacutercere bastante eficiente. H&aacute cerca de dois anos, segundo o pesquisador, autoridades governamentais e pesquisadores t&ecircm ci&ecircncia de que houve uma ruptura na alian&ccedila t&aacutecita entre os grupos Comando Vermelho e PCC, considerados os mais bem estruturados no Brasil. Essa alian&ccedila entre ambos foi feita por raz&otildees estrat&eacutegicas, para n&atildeo prejudicar o com&eacutercio de drogas. O rompimento foi identificado em grampos telef&ocircnicos, nos chamados &quotsalves&quot, os comunicados entre gangues.

&quotIronicamente, apesar de serem grupos muito fortes, eles s&atildeo de certa maneira fr&aacutegeis, porque deixam registros de tudo o que fazem. E tudo isso foi registrado pelas comunidades de intelig&ecircncias dos estados. O PCC tem 10 mil pessoas, e 80% [de seus membros] est&atildeo presos.&quot

De acordo com Gakiya, enquanto os conflitos ficarem limitados &agraves muralhas das pris&otildees, e a viol&ecircncia n&atildeo se estender para as ruas, a popula&ccedil&atildeo n&atildeo sofrer&aacute impactos imediatos da precariedade do sistema carcer&aacuterio brasileiro. &quotMas uma hora, esses indiv&iacuteduos v&atildeo retornar &agrave sociedade. E v&atildeo voltar muito piores&quot, afirma o promotor.

Para Almeida, sem a cria&ccedil&atildeo de espa&ccedilos para oficinas t&eacutecnicas e cursos profissionalizantes nos pres&iacutedios, que ofere&ccedilam perspectivas de um futuro fora da criminalidade, &quota possibilidade de ressocializa&ccedil&atildeo &eacute zero&quot.

O governo falha em atender garantias b&aacutesicas previstas pela legisla&ccedil&atildeo brasileira, como de higiene, alimenta&ccedil&atildeo e integridade f&iacutesica. Tamb&eacutem n&atildeo h&aacute trabalho em todos os pres&iacutedios nem separa&ccedil&atildeo de unidades por idade ou periculosidade, como pede a lei. &quotO Estado &eacute um descumpridor de leis de execu&ccedil&otildees penais. Legisla e n&atildeo cumpre&quot, afirma Almeida. &quotEnquanto o Estado n&atildeo tiver pol&iacuteticas de ressocializa&ccedil&atildeo efetivas e programas de preven&ccedil&atildeo &agrave criminalidade, estaremos entregando a juventude &agrave viol&ecircncia.&quot

Investimentos e novo modelo

Investir dinheiro em penitenci&aacuterias n&atildeo &eacute prioridade dos governos neste momento de crise econ&ocircmica. &quotN&atildeo faltam recursos s&oacute para os pres&iacutedios. Alguns estados n&atildeo t&ecircm dinheiro para pagar v&aacuterios setores. Imagine [gastar] com pres&iacutedio&quot, afirma Gakiya. Para o promotor, diante da escassez de recursos, os governantes t&ecircm preferido destinar os poucos recursos dispon&iacuteveis em caixa para pagamento de, por exemplo, sal&aacuterios dos policiais e melhorias em escolas p&uacuteblicas – medidas mais populares entre os eleitores, mas que levam a um abandono quase que completo do sistema prisional. &quotUma hora, o sistema carcer&aacuterio entra em colapso. &Eacute o que est&aacute acontecendo agora.&quot

A atual instabilidade pol&iacutetica do Brasil e os sinais de fragilidade das institui&ccedil&otildees prejudicam o debate sobre um novo modelo de seguran&ccedila p&uacuteblica, considera Paes Manso. O envolvimento de boa parte da classe pol&iacutetica em supostos esquemas de corrup&ccedil&atildeo, sob alvo dos investigadores da Opera&ccedil&atildeo Lava Jato, dificulta uma discuss&atildeo racional sobre a popula&ccedil&atildeo carcer&aacuteria. &quotHoje, falar de Estado e pol&iacutetica p&uacuteblica no Brasil virou uma coisa maluca. O que vamos falar de Estado de direito com um governo em que boa parte est&aacute sendo presa, ou &eacute investigada, &eacute r&eacuteu?&quot, pontua.

&quotQuem defende repensar esse modelo de autoexterm&iacutenio, de aprisionamento em massa, n&atildeo defende os presos nem os criminosos, mas defende que se repense um modelo que atualmente fortalece o crime, cria mais revolta, mais raiva, mais disposi&ccedil&atildeo para entrar na vida criminosa&quot, diz o pesquisador. &quotA vida criminosa depende desse combust&iacutevel que &eacute o &oacutedio ao sistema. Eles s&atildeo os nossos jihadistas, que preferem morrer aos 25 anos, mas matando, mandando, do que aos 80 anos humilhados e obedecendo.&quot

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Deutsche WelleTERRA
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Parmenas Alt
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