Uma velha piada do mundo financeiro diz que a sigla INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), na verdade, tem outro significado: Isso Nunca Será Suficiente.
A brincadeira ganhou tons dramáticos recentemente, com o anúncio da reforma da Previdência. Enviada ao Congresso, a proposta do governo estabelece um mínimo de 25 anos de contribuição e de 65 anos para se aposentar. Pelas novas regras, alguém só receberá o valor integral do benefício, que não pode passar de R$ 5.189, após 49 anos de contribuição.
Para quem já está perdendo nessa conta e teme não completar o meio século de trabalho, caso o pacote seja aprovado pelo Legislativo, a BBC Brasil reuniu dicas para organizar e melhorar suas finanças – tudo para complementar o valor concedido pelo INSS.
As opções exigem um esforço no orçamento doméstico para que se possa gerar uma poupança extra de modo a criar alternativas de investimento paralelas à contribuição oficial, ou seja, pressupõem que haja renda suficiente para tal.
Leia abaixo as sugestões de especialistas.
1) Comece a guardar dinheiro
O primeiro conselho dos educadores financeiros parece óbvio, mas não é seguido por muita gente: comece a guardar dinheiro agora.
Quanto mais cedo você começar, mais terá aos 65 anos, idade em que poderá receber a aposentadoria.
O "número mágico" sugerido pelo consultor e economista Fábio Fusco é a economia de 10% do salário para quem tem entre 20 e 30 anos 15% para a faixa etária de 30 a 40 anos e 20% para quem tem 40 . Assim, diz, é possível complementar a aposentadoria e manter um padrão de vida confortável.
Para os jovens que moram com os pais e não têm filhos, a professora Myrian Lund, da FGV, aconselha um percentual maior: 30%. São 10% para emergências, 10% para a previdência, 10% para os sonhos (viagens, cursos).
"Dessa forma, sempre vão ter uma vida legal e podem se aposentar com o que ganham hoje", diz Lund.
Independentemente da idade, reservar um dinheiro para emergências é a primeira etapa. Se você ficar desempregado, é a essa reserva que vai recorrer. Segundo a planejadora financeira Eliane Habib, é preciso guardar, no mínimo, cinco meses das suas despesas fixas (aluguel, comida). Se gasta R$ 3 mil por mês com o básico, guarde pelo menos R$ 15 mil.
"Sabendo que tem isso, você pode dormir à noite. Depois vai pensar na sua aposentadoria", diz Habib.
Poupar de 10% a 20% do salário parece muito? Então é hora de rever suas despesas.
Com a aposentadoria mais distante, não é recomendável elevar seus gastos no mesmo ritmo em que seu pagamento aumenta. Independentemente do nível salarial, é preciso ter uma folga.
"Para muitos, o teto da aposentadoria (R$ 5.189) não é suficiente para manter o padrão de vida atual. O segredo é não aumentar demais seus gastos. Se tem um filho, compre um apartamento de dois dormitórios, não precisa de um de três, quatro quartos", diz Eliane Habib.
Para os entrevistados, as classes média e média alta, que são boas gastadoras, mas não grandes poupadoras, devem sentir bastante a mudança.
O economista Fábio Fusco dá um exemplo. Um casal que, junto, ganha R$ 15 mil poderá receber, no máximo, R$ 10.378 do INSS – ao contribuir por 49 anos. Se contribuir pelo mínimo de 25 anos, o valor não passará de R$ 8 mil.
"A renda cai 50%."
2) Invista (e deixe a poupança de lado)
Se tem dinheiro guardado, não o deixe parado.
Os consultores financeiros entrevistados pela BBC Brasil aconselham a formação de uma carteira de investimentos. O nome assusta, mas o conceito é simples. A ideia é colocar seu dinheiro em vários lugares, como nos títulos do Tesouro Direto ou em fundos de investimento.
Apesar de sua popularidade, a poupança não é a mais recomendada. Isso porque seu rendimento fica muito próximo da inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). Nos últimos doze meses, os números ficaram em 8,3% e 6,99%, respectivamente. Dessa forma, a poupança mal recupera a desvalorização do dinheiro.
A opção mais indicada pelos entrevistados é o Tesouro Direto, programa para vender títulos públicos federais pela internet. Os títulos são emitidos pelo governo com o objetivo de captar recursos para financiar a dívida pública e atividades governamentais. É como se estivesse comprando "ações" do governo.
A rentabilidade do Tesouro Direto é bem maior do que a da poupança, chegando a 14% ao ano. É possível escolher entre títulos pré-fixados (você sabe o percentual de remuneração ao aplicar: hoje em 12%) e pós-fixados (vão seguir a evolução de um indicador e você não sabe o quanto renderão). Os últimos podem estar atrelados à Selic (taxa básica de juros) ou ao IPCA (inflação).
Todos eles têm prazos para resgatar o dinheiro, que vão de 2017 a 2050. Nada impede, no entanto, que você retire o valor antes.
O Tesouro Direto é vantajoso por outros motivos: tudo é feito on-line e você pode começar a investir com R$ 30. Para saber mais e fazer uma conta no Tesouro Direto, procure uma corretora ou o seu banco.
Outra dica dos especialistas é procurar fundos de investimento imobiliário em vez de comprar imóveis para alugar. Administrados por uma instituição financeira, os fundos reúnem recursos de investidores. Eles podem ser usados na aquisição de imóveis ou terrenos, que depois são vendidos ou alugados. O lucro desses negócios é repassado, mensalmente, para os participantes. Para entrar, é preciso se cadastrar em uma corretora de valores. Assim, você poderá comprar as cotas, disponíveis a partir de R$ 10.
Alguns fundos chegam a pagar 1% por mês de rendimentos. Ou seja, se você investiu R$ 1.000 receberá R$ 10 a mais.
"A não ser que o cara seja do ramo, não recomendo a compra de imóveis para alugar. É muito custo. Tem IPTU, condomínio, impostos altos. E pode desvalorizar", diz o professor de Finanças da FEA-USP Rafael Paschoarelli.
Segundo o consultor Mauro Calil, alugar um apartamento às vezes é menos vantajoso do que deixar o dinheiro na poupança. Ele dá um exemplo: um imóvel de R$ 100 mil alugado por R$ 350 dá um retorno de 0,35% por mês. A remuneração da poupança hoje é de 0,66% no mesmo período.
A Bolsa de Valores é recomendada para os mais jovens, que podem correr o risco de perder dinheiro na queda de ações.
Apesar de menos previsível, a Bolsa pode ser uma ótima fonte de rendimento, já que os papéis podem subir mais de 1.000% num único dia. Mas é preciso conhecer a empresa e estudar seu desempenho antes de comprar suas ações. Assim, reduz-se o risco de perder tudo da noite pro dia.
3) Tome cuidado com a previdência privada
Apesar de ser o plano B de muitos brasileiros, a previdência privada é considerada cara e pouco rentável pela maioria dos entrevistados. Segundo eles, a contratação precisa ser feita com cuidado, porque pode incluir taxas altas.
Um dos pontos positivos é a facilidade de escolher o tamanho e periodicidade da contribuição: R$ 100 por mês ou por ano, por exemplo. Diferentemente do INSS, não há um mínimo pré-estabelecido e o valor pode sair automaticamente da sua conta.
Há também um aspecto psicológico. "O dinheiro fica carimbado como aposentadoria e a pessoa pensa mil vezes antes de mexer", diz Mauro Calil.
Entre as questões problemáticas estão as taxas, normalmente mais altas nos bancos do que nas corretoras. Preste atenção nelas antes de escolher um plano. As empresas costumam cobrar duas: uma de carregamento (sobre cada aporte) e outra de administração (anual).
Ambas afetam quanto você vai receber no final. Se um cliente aplica R$ 100 por mês e a taxa de carregamento for de 5%, apenas R$ 95 vão para a previdência. Planos diferentes costumam ter taxas diferentes, mas a média fica entre 4% e 5%. Para Calil, taxas acima de 1% já são altas.
O rendimento da previdência privada também não é dos melhores. Ele depende da carteira de investimentos feitos pelo fundo – é assim que ele ganha dinheiro e repassa para seus participantes.
Segundo o consultor financeiro, a remuneração anual está entre 7% a 9%, pouco acima da poupança. "Em berço esplêndido", diz, os bancos não estão oferecendo bons negócios.
"Eles não têm problemas em ter clientes, ainda mais com o anúncio da reforma. Se tem uma fila de gente querendo fazer, por que vão melhorar o produto?"
A planejadora financeira e professora da FGV Myrian Lund atenta para a cobertura dos planos. Ela diz que, por causa do envelhecimento da população, algumas instituições já estão tirando a opção de renda vitalícia. O mais comum, afirma Lund, é que o pagamento ocorra por dez, quinze ou trinta anos. Depois disso, ele para.
Também é preciso checar se o plano prevê, em caso de morte, o pagamento aos dependentes, afirma a professora. Em alguns casos, é preciso comprar seguros separadamente.
4) Não deixe de contribuir
Diante das limitações da previdência privada, a dica dos consultores é: não deixe de contribuir para a Previdência Social, mesmo que esteja desempregado. Além da aposentadoria normal, ela funciona com um seguro em caso de morte ou invalidez.
Se está fora do mercado, é possível tornar-se um contribuinte facultativo e escolher entre dois tipos de plano: o normal e o simplificado. O primeiro conta como tempo de contribuição e exige um mínimo de R$ 176 (20% do salário mínimo) mensais. O segundo é mais barato (a partir de R$ 96,80), mas não conta no tempo de contribuição. Por outro lado, garante outros benefícios, como pensão por morte e aposentadoria por invalidez. Se decidir pelo simplificado, existe a opção de, no futuro, fazer uma complementação para incluir esses anos no período de contribuição.
Mais do que as vantagens, a obrigatoriedade dos 49 anos para ter a aposentadoria integral pesam na decisão.
"Vai somando tempo, nem que contribua com o mínimo e depois aumente o valor. Ainda mais com esse novo número mágico", recomenda Fábio Fusco.