Os governantes dos Estados e da União costumam discordar em diversas questões. Especialmente quando se trata de pagamentos devidos pelos Estados ao governo federal ou detalhes das contas públicas. Uma das divergências diz respeito a um dos pontos mais importantes da Lei de Responsabilidade Fiscal, instituída em 2000 como um dos pilares do Plano Real para manter as finanças públicas do País sob controle. Trata-se do limite de 60% que pode ser gasto com pessoal em relação à receita corrente líquida.
A princípio não haveria o que se discutir em relação a essa regra, pois não há margem para interpretação. Mas estratégias criativas e formas de como isso deve ser contabilizado criam margem para diferenças significativas nos cálculos. Por essa razão, o Ministério da Fazenda pretende acabar com essa festa. O ministro Henrique Meirelles, no papel de guardião-mor das finanças públicas e do Tesouro Nacional, está empenhado em cortar despesas e garantir um ajuste fiscal que garanta a solvência do setor público como um todo.
Segundo reportagem do jornal O Globo, está em estudo no ministério um projeto de reforma da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para evitar que ela seja driblada por governadores, que empurram os problemas para os seus sucessores, e deixam a conta estourar para o governo federal (procurada pela DINHEIRO, a Fazenda não se manifestou). Na prática, Estados e o Tesouro Nacional divergem sobre os dados. Segundo os balanços dos próprios Estados, apenas um deles, a Paraíba, admite ter estourado o teto de 60% em 2015, atingindo 61,86%. Mas, para o Tesouro Nacional, foram oito os que extrapolaram o limite.
Essa diferença acontece porque, num bom exemplo de contabilidade criativa, e com o aval de Tribunais de Contas, diversos governadores apresentam balanços que deixam de computar certos itens como despesas com pessoal. Minas Gerais, por exemplo, afirma que gastou apenas 57,33% com pessoal, mas o Tesouro registra 78%. Uma técnica comum é não contabilizar os gastos com servidores inativos ou com bonificações. Não acho que a reforma seria uma imposição do governo federal, diz Fabio Klein, analista da Tendências Consultoria Integrada. Os Estados são entes autônomos, mas interdependentes. Existe um federalismo fiscal que se impõe na disputa por tributos e a União é credora dos Estados.
Entre as propostas em estudo pelo ministério da Fazenda deve estar uma unificação nos métodos de contabilidade de gastos com pessoal. As mudanças devem incluir ainda a determinação de quais despesas devem ser quitadas durante o mesmo mandato. Há ainda o desejo de regulamentar o Conselho de Gestão Fiscal, previsto na LRF, mas nunca implementado. Trata-se de um grupo integrado pelos três poderes, pelo Ministério Público e por representantes da sociedade, que deve monitorar as finanças públicas e ajudar a definir um padrão único para os registros contábeis.
Outra questão importante é a destinação das receitas de royalties do petróleo. Muitos Estados os usam como receita recorrente e aumentam os custos fixos. O problema é que o preço do petróleo oscila e as receitas, idem. Já existe uma lei, desde a década de 1950, que impede usar recursos do petróleo para contas correntes. Se a LRF fosse cumprida, já seria um grande avanço afirma o economista Felipe Salto. Um exemplo desse problema é o Estado do Rio de Janeiro. Entre 2009 e 2015, os Estados subiram gastos com pessoal, em média, 39,50%. 
O maior aumento foi no Rio de Janeiro, governado por Luiz Fernando Pezão, que atingiu 70% de alta. Com um déficit estimado em mais de R$ 18 bilhões neste ano, o Estado chegou a anunciar, na sexta-feira 4, a redução de 20 para 12 secretarias, como forma de iniciar uma reforma de gastos que inclui a extinção de cargos de estatais e autarquias, cortes de gratificações e o aumento de contribuição previdenciária dos servidores. Ninguém está satisfeito com as medidas, mas elas mostram como atravessar essa turbulência que afetou nossas receitas, afirmou Pezão. Não são de agora os enfrentamentos dos Estados com o governo federal.
Em junho deste ano foi acertada uma renegociação da dívida dos Estados com a União, com um impacto calculado em aproximadamente R$ 28 bilhões. A proposta aceita concedeu uma carência de 24 meses, sendo que nos seis primeiros meses o desconto é de 100%. O governo, ainda na época interino, do presidente Michel Temer (PMDB) conseguiu contornar o problema que se arrastava por meses, desde a gestão de Dilma Rousseff (PT), que enfrentou um choque com os governadores, que tiveram como um de seus líderes Raimundo Colombo (PSD), de Santa Catarina. Meirelles já queria incluir no acordo com os governadores uma reforma da LRF, em junho deste ano, como uma espécie de contrapartida. Mas não houve na época, tempo ou força do governo para isso.
 
 
 
 
 
 
 
 
Por:Carlos Eduardo Valim-Istoé-Dinheiro