Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) proíbe oficiais do registro civil a não registrarem "prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores; apesar disso, no Brasil, não existe uma lista de nomes "permitidos"
Num Brasil marcado pela diversidade de culturas, nomes africanos e indígenas ainda provocam estranhamento nos cartórios – mesmo que o brasileiro não se incomode, pelo contrário, até faça uso frequente de nomes estrangeiros ou estrangeirados.
Na listagem "Nomes do Brasil", lançada pelo IBGE, constam 130.348 prenomes diferentes na população brasileira, 63.456 masculinos e 72.814 femininos. Nomes de origem cristã, como Maria (11,6 milhões), Ana (3 milhões), José (5,7 milhões) e João (2,9 milhões), são os mais comuns, porém a planilha permite ver as inovações que tanto agradam aos brasileiros.
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Dos masculinos, destacam-se os terminados em "son" -usado, em línguas como inglês, sueco ou alemão, para indicar "filho de". Há desde o já consagrado Anderson (473 mil) até Alisson (95 mil), Jadson (28 mil) e Talison (14,7 mil), além de formas variantes, com um s ou dois, um l ou dois, y ou i, ao gosto do freguês.
Dos femininos, o havaiano Kailane (23 mil), com i ou y, popularizou-se a partir dos anos 2000 depois de um personagem de novela.
Alguns casais, no entanto, enfrentam resistência nos cartórios ao tentarem registrar seus filhos com nomes pouco convencionais ou tradicionais em culturas como as indígenas e africanas.
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A Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) afirma que os oficiais do registro civil não registrarão "prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores". Caso os pais não aceitem a recusa, o assunto deve ser levado ao juiz competente.
Estudiosa do tema, Maria Celina Bodin de Moraes, professora de direito Civil na PUC-Rio e na Uerj, entende que é importante a preocupação dos cartórios para evitar a repetição de casos que, no passado, transformavam as crianças em alvo de chacota.
Em artigo acadêmico publicado em 2000, a professora lista nomes e associações, para dizer o mínimo, insólitos:
Amin Amou Amado;
Antônio Manso Pacífico de Oliveira Sossegado;
Deusarina Vênus de Milo;
Esparadrapo Clemente de Sá;
Fridundino Eulâmpio;
Hypotenusa Pereira;
Lança Perfume Rodometálico da Silva;
Lindulfo Celidônio Calafange de Tefé;
Manuelina Terebentina Capitulina de Jesus do Amor Divino;
Mijardina Pinto;
Naída Navinda Navolta Pereira;
Oceano Atlântico Linhares;
Primeira Delícia Azevedo;
Remédio Amargo.
E ainda, os irmãos Epílogo, Verso, Estrofe e Poesia Campos.
'Inseto'
Quando se trata de nomes estrangeiros, a análise fonética é fundamental. Alguns casos famosos constam na jurisprudência brasileira e são citados em artigos por especialistas: Kumio Tanaka (que escolheu outro prenome), Sum Tin An (que virou Tin Sum An), e Maria Raimunda, que, diante da repetição da piada, trocou o prenome para Isabela.
Por lei, o nome é considerado parte da identidade da pessoa. Mudá-lo é possível, mas exige fundamentação legal, para evitar episódios em que o objetivo é driblar dívidas ou processos.
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Casos de pessoas em crise com seus nomes chegam com alguma frequência à mesa de Priscilla Machado Milhomem, presidente da Arpen-RJ (Associação de Registradores de Pessoas Naturais do Rio de Janeiro) e titular do 4º Registro Civil, no Catete.
O Brasil não tem, como acontece em Portugal, uma lista de nomes permitidos. Segundo Priscilla, os registradores precisam fazer três análises: a etimológica, que vê o sentido do nome (não se pode registrar uma criança como cadeira), a histórica (Hitler hoje seria barrado, embora ainda constem 188 casos na lista do IBGE) e a fonética (para evitar que nomes estrangeiros gerem outra leitura no país de chegada, como Kumio Tanaka).
Por qualquer um desses motivos, o registrador pode levantar dúvida sobre o nome, caso lhe pareça que ele causará constrangimentos à criança.
Mas atrás de cada nome há uma história, e Priscilla conhece muitas.
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Lembra a do garoto Aniceto, registrado em homenagem ao pai e ao avô, mas que sofria bullying na escola e era chamado de "inseto". Tanto chorou que a família conseguiu na Justiça a autorização para a mudança, e Priscilla fez novo documento para o garoto, que passou a se chamar David Luiz, como o zagueiro.
Dia desses, um casal insistiu: queria chamar a filha de Amber (âmbar em inglês). "Disseram que o âmbar se formava no fundo do oceano, pela luz da lua, era algo importantíssimo para eles, então registrei. Tem Brisa, Nuvem, Lua, Sol… são momentos de criatividade que eu respeito, mas o limite dessa liberdade é o que pode gerar constrangimento à criança", afirma.
Moda
Ao mesmo tempo, a presidente da Arpen-RJ reconhece que é preciso ampliar o conhecimento sobre nomes africanos, indígenas ou de origem estrangeira. "O debate sobre nomes que valorizam origens e raízes precisa ser feito, ainda mais num momento em que o Brasil discute diversidade e recebe novas levas de imigrantes", admite.
Nomes vão e vêm ao longo do tempo, e a listagem do IBGE mostra isso. Todos os nomes aparecem sem acento ou cedilha. Romário, em homenagem ao craque da seleção, cresceu nos anos 1990 e já entrou em declínio.
Entre os nomes em ascensão, o indígena Cauã (gavião, em tupi) é destaque a partir de 2000, talvez impulsionado pelo sucesso do ator Cauã Reymond. Alguns clássicos caíram em desuso, como Nair, e outros se renovaram, como Sofia, com f ou ph.
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Caminham para o sumiço nomes marcados por brincadeiras de duplo sentido, tais como Bráulio (associado, numa campanha do Ministério da Saúde nos anos 1990, ao órgão sexual masculino) e Mário, aquele mesmo da piada "que Mário?".
Há nomes que só despontam uma vez e não podem ser divulgados para que seu dono não seja involuntariamente identificado. Para aparecer na lista do IBGE, é preciso haver pelo menos 20 notificações.
Entre os nomes raros, estão Olidrina, Imperalina, Braselino e Wendelino, cada um com 20 ocorrências. Da lista citada pela professora Celina Moraes, ainda existem 1.606 Delícias, 185 Oceanos, 78 Eulampios e 20 Epílogos, mas não há registro dos irmãos Verso, Estrofe e Poesia.
Por:BBC/IG