Ufa! Demorou! Dilma já é quase ex-presidente e, convenham, já caiu em desgraça. Mas vá lá. Nesse caso, antes tarde do que nunca. Rodrigo Janot, procurador-geral da República, decidiu, finalmente, que vai pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) autorização para abrir inquérito contra a presidente e contra seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. Também estão na lista Aloizio Mercadante, ministro da Educação, e Marcelo Navarro, membro do Superior Tribunal de Justiça.
Por que mesmo?
O que embasa os pedidos é a delação de Delcídio do Amaral e a decisão de Dilma de fazer do ex-presidente Lula seu ministro. Segundo a Procuradora-Geral da República, ela fez essa escolha para garantir foro especial ao chefão petista e para tumultuar as investigações sobre desvios na Petrobras. E Mercadante? Bem, numa gravação feita por um assessor de Delcídio, ele oferece ajuda ao senador caso este não delate ninguém.
Quanto a Navarro, Delcídio afirma que Dilma o nomeou para que ele pudesse, no tribunal, contribuir para tirar da cadeia alguns empreiteiros presos.
Nota: por que o nome de Lula segue para o STF se ele não tem foro especial? Porque seu caso está umbilicalmente ligado ao de Dilma. E cabe ao Supremo decidir se migra ou não para a primeira instância.
Vamos pensar
Já observei aqui e reitero: tão logo seja afastada da Presidência, Dilma seguirá sendo presidente, só que… afastada! A menos que renuncie ao cargo — e aí não seria mais o Supremo a decidir se o inquérito contra ela seria ou não aberto, mas o juiz Sergio Moro —, mantém o foro especial por prerrogativa de função.
Janot não tinha outra coisa a fazer. Em parecer encaminhado ao STF, o procurador-geral da República diz com todas as letras que ela tentou obstruir a Justiça.
Leitura caduca
E olhem que Dilma está sendo beneficiada por uma leitura caduca da Constituição, feita por Janot. Ele já opinou, e o mesmo fez Teori Zavascki em outra circunstância, que a presidente não pode ser investigada — não enquanto estiver no cargo, ainda que presidente afastada — por atos cometidos no primeiro mandato, e isso inclui as pedaladas e as lambanças de Pasadena. O processo que pode resultar no seu impeachment só prosperou porque ela pedalou em 2015 também.
E de onde vem a leitura caduca? Do Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição, que diz:
“O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.”
Ora, isso foi redigido antes de haver reeleição no Brasil. Afinal, a Constituição é de 1988, e a reeleição foi instituída em 1997. No primeiro ou no segundo mandatos, a função de Dilma é a mesma: presidente. Mais: como deixou claro Júlio Marcelo de Oliveira, o procurador do Tribunal de Contas da União, em seu depoimento à Comissão Especial do Impeachment do Senado, isso a que se chama “pedalada” — e que ele classificou de “contabilidade destrutiva” — foi peça do estelionato eleitoral de 2014.
Há muito, pois, Dilma deveria ter sido denunciada por lambanças feitas também no primeiro mandato. A interpretação de que ela não pode responder por eles é absurda. Mas assim são as coisas.
Já a nomeação de Lula, ora suspensa em razão da liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, não deixa a menor dúvida: foi cometida neste mandato mesmo.
Esse está longe de ser o motivo mais forte para Janot pedir um inquérito contra Dilma e conta Lula. Mas é motivo mais do que suficiente.
Blog:Reinaldo Azevedo/Veja.com