O procurador da República Carlos Fernando Lima disse à GloboNews que a possibilidade de o Congresso Nacional acrescentar às regras dos acordos de leniência a imunidade penal para executivos e donos de empreiteiras investigadas é "um incentivo à corrupção".
Integrante da força-tarefa da Operação Lava Jato, Lima critica a medida provisória sobre acordos de leniência assinada em dezembro pela presidente Dilma Rousseff. Para ele, a MP tem "vários pontos perigosos", mas, segundo afirmou, o que mais preocupa o Ministério Público é a eventual imunidade de acusações criminais para donos de empreiteiras.
O deputado Vicente Cândido (PT-SP) disse que está debatendo a anistia penal para executivos com parlamentares e governo. Ele preside uma comissão especial que analisa um projeto de lei sobre acordos de leniência já aprovado pelo Senado e que seguiu para a Câmara. Como medidas provisórias não tratam de matéria penal, o deputado disse que, em fevereiro, vai decidir se retomará o assunto por meio desse projeto de lei. "Para não criar nenhuma insegurança jurídica", afirmou.
O acordo de leniência permite que uma empresa envolvida em algum tipo de ilegalidade obtenha benefícios, como redução de pena e até isenção do pagamento de multa, em troca de denunciar o esquema e se compromete e auxiliar o órgão público na investigação. O dispositivo é semelhante ao da delação premiada, mas envolve exclusivamente pessoas jurídicas.
Para o procurador Carlos Fernando Lima, "em um país sério" nada justifica se conceder imunidade penal para empreiteiros que cometeram crimes.
“Há um velho ditado que diz: quando a necessidade entra por uma porta a vergonha sai por outra. Nesse caso, a necessidade dos políticos de interromperem as investigações fez com que a vergonha saísse pela porta dos fundos. Não há justificativa nenhuma para um país sério interromper investigações sem que a pessoa seja obrigada a entregar nenhum fato e apenas pague uma multa. Isso é um incentivo à corrupção. Nunca pensei que eles tivessem a coragem de chegar a tanto. A MP já é ruim, mas pelo jeito, o que se está promovendo no Congresso é a ideia de que é possível ainda conseguir uma imunidade penal. Aí a vergonha saiu totalmente pela porta dos fundos", declarou.
Vicente Cândido (PT-SP) questiona o motivo pelo qual os executivos teriam de "pagar duas vezes".
"Por que a empresa vai pagar duas vezes? Ou ela paga pelo penal e deixa o executivo dela preso ou paga pelo erário. Quando eu prendo alguém, estou gastando mais dinheiro ainda: se eu recupero o erário com multas caríssimas por que vou deixar alguém preso para dar mais despesa? O que dói mais no bolso da empresa? É a multa. Prisão tem dano moral, mas não financeiro", disse.
O ministro Luís Inácio Adams disse à GloboNews que é contra anistia penal para empreiteiros. "Não acho uma boa solução. Nós cuidamos da parte econômica. Quem vai fazer esse debate é o Congresso", declarou.
'Acordão'
A MP foi assinada pela presidente Dilma Rousseff em dezembro de 2015, e implementa novas regras para acelerar os acordos de leniência.
Para o procurador, o objetivo do governo com a MP é promover um "acordão" com as empresas. "Obviamente, o governo não tem interesse nas investigações, que objetivam, basicamente, revelar assuntos que sempre chegam ao foro privilegiado e a altos funcionários da Petrobras. Governo sempre quis brecar, e a única solução que restou para satisfazer as empreitas foi essa alteração na lei”, disse.
A medida também gerou críticas do Tribunal de Contas da União, que viu sua atuação limitada com o texto. O TCU pediu explicações ao governo, que negou que estivesse restringindo o trabalho do tribunal.
Em defesa da MP, em dezembro, a presidente disse que o propósito maior da medida é diminuir a incerteza e preservar empregos.
Após a publicação no "Diário Oficial da União", uma medida provisória passa a valer como lei e vigora por até 120 dias.
Com a publicação, uma comissão especial formada por deputados e senadores passa a analisar o texto e pode fazer alterações. Se o Congresso não aprovar a MP em até 45 dias após a publicação, a medida, então, passa a trancar a pauta de votações até ser votada.
Se houver modificações pela comissão mista, o texto passa a tramitar no Congresso como Projeto de Lei de Conversão (PLV). Tanto como forma de MP ou de PLV, o projeto precisa ser aprovado pelos plenários da Câmara e do Senado. Em seguida, a presidente da República veta ou sanciona a lei.
Lima disse que o grupo de trabalho do Ministério Público Federal em Curitiba está trabalhando em propostas para debatê-las no Congresso e mostrar as ‘’inconsistências’’ na medida.
GloboNews