O presidente da França François Hollande inicia um périplo global para tentar unir as duas maiores potências militares mundiais na luta contra o maior inimigo que seu país já enfrentou desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Na terça, Hollande desembarca em Washington com a dura missão de fazer o presidente Barack Obama aceitar uma aliança formal com a Rússia na guerra contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque. Dois dias depois ele vai a Moscou selar uma aliança com a Rússia e tentar convencer Putin a atuar de forma conjunta com a coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos, da qual a França também faz parte. Não será uma tarefa fácil. Nos últimos anos Estados Unidos e Rússia passaram a reviver as tensões da Guerra Fria em uma escalada de atritos em diferentes partes do mundo. Há poucas semanas 10 entre 10 diplomatas apostariam num distanciamento ainda maior das duas grandes potências no Oriente Médio. Após os ataques de Paris, tudo mudou.
O onda de terror desencadeada pelos fanáticos do Estado Islâmico uniu o mundo de maneira inédita. Pela primeira vez em décadas os principais países do planeta parecem concordar de maneira unânime em uma questão de proporções globais. Inimigos históricos como Israel e Irã, Estados Unidos e Rússia, Índia e Paquistão ou mesmo Síria e Turquia estão absolutamente certos de que a organização terrorista que quer construir um califado em todo o Oriente Médio precisa acabar. Diante da barbárie dos ataques que apenas nas últimas semanas deixaram 129 mortos em Paris, 43 em Beirute e mais de 220 no atentado ao avião da companhia russa MetroJet, o Estado Islâmico conseguiu colocar todo o planeta contra si. Na reunião do G20 na Turquia, na última semana, líderes mundiais manifestaram solidariedade à França e se comprometeram a criar uma aliança global contra o terrorismo.
Apesar do objetivo comum, as principais potências ainda não sabem exatamente como destruir a organização que hoje domina uma vasta área do Iraque e da Síria. Nos dias que sucederam os ataques a Paris, tanto os Estados Unidos quanto a França e a Rússia intensificaram os bombardeios a alvos do EI principalmente em torno de Raqqa, a capital “de facto” da organização, no noroeste sírio, quase fronteira com o Iraque.
Foi ali que a França concentrou suas bombas em campos de treinamento, postos de controle e comboios de caminhões tanque que transportavam petróleo que seria vendido no mercado negro. O país usou mais de 10 jatos de ataques que partiram da Jordânia e dos Emirados Árabes e despejou dezenas de bombas nas imediações de Raqqa, destruindo instalações e matando ao menos três dezenas de terroristas. Os ataques foram coordenados tanto com a Rússia quanto com os EUA. Por parte dos franceses, a força de ataque irá triplicar nos proximos dias. Os russos também preparam novos ataques aéreos e na última semana armaram seus caças supersônicos. Entre a segunda-feira 16 e a quinta-feira 19 mais de 50 bombas foram lançadas sobre alvos islâmicos.
O EI está sendo bombardeado há quase um ano e meio pela coalizão liderada pelos Estados Unidos em agosto do ano passado, após o massacre da população Yazidi nas montanhas do Sinjar (Leia reportagem na pág. 58). A própria França já vinha despejando bombas na Síria e no Iraque desde setembro, mas sem nenhum resultado efetivo. Ao longo desse tempo o EI ampliou de forma sensível seu controle burocrático sobre as cerca de 10 milhões de pessoas que vivem no seu califado, incrementando a cobrança de impostos, criando um sistema judiciário baseado na Sharia e montando escolas e hospitais. “Nós precisamos eliminá-los, porque eles estão crescendo. Eles já estão em 12 países hoje”, afirmou a senadora americana do Partido Republicano (o mesmo de Obama) Dianne Feinstein, ampliando a pressão para que o presidente americano atue de forma “mais enérgica” contra o Estado Islâmico.
A energia necessária para destruir o EI envolve soldados bem armados e treinados atuando em confronto direto contra os jihadistas. Apesar de não haver muitas dúvidas de que essa é a solução para por fim ao maior grupo terrorista da história, poucos países estão dispostos a pagar esse preço. Obama vem reiterando que não enviará tropas para a Síria e para o Iraque. “Parte da razão que me oponho a enviar tropas é que todos os meses eu e encontro meninos de 25 anos em cadeiras de rodas, sem braços ou sem pernas”, disse ele. Mesmo a França ainda não está certa se vai, de fato, enviar soldados para combater terroristas suicidas no deserto. Nem a Rússia, que tem interesses maiores do que apenas combater os terroristas na região, decidiu atuar com tropas no solo por enquanto.
A tarefa de Hollande em convencer Rússia e os EUA a combaterem lado a lado é apenas parte da missão que o presidente francês tem pela frente nesta semana. A mais difícil delas, talvez, seja convencer o mundo a mandar jovens soldados lutar em um terreno hostil contra inimigos fanáticos. A experiência recente das potências ocidentais no Iraque e no Afeganistão mostra que guerras como essas são bem mais complexas e custosas do que parecem.
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