O Brasil vem evoluindo na criação de sistemas de combate à corrupção, ainda que a 20ª edição do Índice de Percepção da Corrupção (IPC) 2014, iniciativa da Transparência Internacional, tenha entendido em contrário.
No ranking publicado, o Brasil obteve 42 pontos e ficou em 69º lugar, entre 175 países avaliados, ao lado da Grécia e Itália. De acordo com o Transparência Internacional, numa escala que vai de 0 a 100 (em que 100 é país livre de corrupção), o Brasil obteve 42 pontos em 2012 e 43 pontos em 2013.
Constatamos que, a partir da assinatura da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 31 de outubro de 2003, aceita pelo Brasil, em 9 de dezembro de 2003 (Decreto nº 5687/2006), nosso país vem adotando as normas jurídicas que dão eficácia ao combate à corrupção.
Ainda que tardias, saudemos as alvíssaras.
Em Mato Grosso, fizemos a lavagem simbólica da entrada da Assembleia Legislativa em 2003, mostrando que havia simulação de contratação de empresas, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro para a compra de mandatos eletivos. Todavia, nunca um político havia sido punido.
Fortunas foram erigidas a partir de mandatos corrompidos.
Desde o final da década de 90, estamos denunciando a Câmara Municipal de Cuiabá, que recebeu a alcunha de “casa dos horrores” ou “casa dos artistas”. A tradição era um dirigente assumir a presidência, e, de imediato, criar um sistema de arrecadação de recursos financeiros e a distribuição aos “colegas”, inclusive, nomeando parentes em gabinetes.
Havia simulação de compras de produtos e serviços, o abuso de cartas convites ao invés de concorrência, de modo que ex dirigentes da câmara ficavam ricos, alçavam cargos políticos maiores, e os interesses da população eram escanteados.
Nós, do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral) fomos ativos na proposição, coleta de assinaturas e aprovação das duas únicas leis de iniciativa popular em vigor no Brasil. A primeira impõe a perda de mandato por corrupção eleitoral (Lei 9.840/99), e a lei da ficha limpa (Lei Complementar nº 135/2010). Ambas alteraram o cenário sócio-político, permitindo a cassação de corruptos, via justiça eleitoral, e a negação de registro de candidatura a “ficha-sujas”.
Isso vem permitindo mudanças, ainda que estejamos longe do ideal.
A Convenção da ONU contra a corrupção foi assinada na cidade de Mérida, a capital e a maior cidade do estado do Iucatã, no México, local que goza da reputação de oferecer um elevado nível de qualidade de vida. Se localiza no sudeste do país, possui cerca de 800 mil habitantes, foi fundada em 1542 no local das ruínas da antiga cidade maia de T'Hó.
Tem simbolismo.
Ao assumir implantar os termos da Convenção contra a Corrupção, o Brasil criou a CGU – Controladoria-Geral da União (art. 9, 2 “de”) e incentivou estados e municípios a fazerem o mesmo. Mato Grosso é um exemplo, a Auditoria-Geral adotou o modelo de Controladoria-Geral, e vem apresentando robustos resultados no combate à corrupção e no controle interno.
No plano de criminalizar a atuação de grupos organizados, conforme prevê o acordo internacional (art. 52, item 2), nosso país editou a lei de lavagem de dinheiro (Lei nº 9613/98), que pune a "lavagem", previne a utilização do sistema financeiro para os atos ilícitos. Na mesma norma, foi criado o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, que recebe todos os alertas de movimentação suspeita de dinheiro e aciona os órgãos repressivos.
Na mesma linha, foi instituída a chamada colaboração premiada, ou delação premiada (Lei nº 12.850/2013), que conceitua organização criminosa, dispõe sobre a investigação criminal e os meios de obtenção da prova (colaboração premiada). Foi ela que permitiu as investigações dos crimes contra a Petrobrás e em desfavor de agentes públicos em Mato Grosso.
Dito isso, lembremos que a governança pública recomenda amplo acesso da população às informações públicas, o que nos faz reconhecer a eficácia da Lei nº 12.527/2011, que trata do acesso às informações que constam de bancos de dados da Administração. É sempre oportuno acreditar que a lei anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), quando posta em prática, poderá permitir a punição a empresas que costumeiramente vêm lesando o erário, com práticas de corrupção.
Deste modo, ainda que a grande mídia em geral – e políticos maldosos, em especial – digam o contrário, o país vem combatendo essa mazela, apresentando os instrumentos jurídicos necessários. As instituições do sistema judicial, polícia, ministério público e judiciário operam livremente, salvo alguns desvios de finalidade (opção de seletividade dos “alvos”), e é claro que isso incomoda a alguns.
Vimos recentemente que o presidente da Câmara Federal, acusado de ilícitos há décadas, finalmente foi “pego” pelos instrumentos jurídicos acima citados, e o mesmo está ocorrendo com julgadores do Tribunal de Contas da União.
No primeiro caso, o deputado Eduardo Cunha tem a ver com a lesão à Petrobrás, já os “magistrados” do TCU têm relação com fraudes tributárias, constadas pela Operação Zelotes (que envolve bancos e empresas de comunicação).
Em todos os casos, a lesão ao erário é milionária, e somente com as novas formas de combate à corrupção é que está sendo possível investigar e punir.
Assim, forçoso concluir que o desejo de cassar o mandado da Presidente da República tem íntima relação com o plano maléfico de frear as investigações e as punições que estão ocorrendo em todo o Brasil. Basta dizer que alguns líderes políticos vociferam contra a corrupção, mas se fartam de crimes e desvios de recursos públicos, sua indignação é em razão de que seguramente suas “obras” estão próximas de se tornarem conhecidas.
E o camburão se aproxima.
*Antonio Cavalcante Filho e Vilson Nery são ativistas do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE.