A garota hispânica tinha três anos e meio quando chegou ao centro médico da Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Estava acima do peso e apresentava muita sede e vontade freqüente de urinar. Após investigação clínica e laboratorial, o diagnóstico foi fechado: ela tinha diabetes tipo 2. A menina é a mais jovem portadora da enfermidade de que se tem notícia no mundo. Seu caso foi um dos destaques do encontro promovido recentemente pela Associação Europeia para o Estudo da Diabetes, realizado na Suécia. “Os pais ficaram surpresos”, disse à ISTOÉ o médico Michael Yafi, coordenador da equipe que atendeu a criança.
A história da garotinha escancarou um problema grave que se desenha nos últimos anos. No mundo, são cada vez mais freqüentes os casos de diabetes tipo 2 em crianças e adolescentes. Por se tratar de um fenômeno relativamente recente e não ser uma doença de notificação obrigatória, não há números precisos, mas o aumento da incidência é consenso. Nos EUA, relatório do Centro de Controle de Doenças, de 2014, informou que em um ano foram registrados mais de cinco mil casos em pessoas com menos de 20 anos. No Brasil, a escassez de dados é maior, porém algumas circunstâncias confirmam o cenário. No Instituto da Criança com Diabetes, em Porto Alegre, centro de referência nacional no tratamento da doença nos pequenos, os pesquisadores se surpreenderam com a quantidade de casos que receberam. “Quando o serviço foi aberto, há onze anos, achávamos que só atenderíamos o tipo 1 da enfermidade”, conta o médico Balduíno Tschiedel, chefe do centro e membro da Sociedade Brasileira de Diabetes. Hoje, cerca de 4% dos 2,9 mil pacientes têm o tipo 2.
O tipo 1 é causado pelo ataque do sistema imunológico às células produtoras de insulina (hormônio que abre a porta das células para a entrada da glicose que está no sangue). O tipo 2 está associado à obesidade – o acúmulo de gordura causa reações que levam à enfermidade. Como os jovens estão seguindo o mesmo caminho dos adultos no que se refere ao excesso de peso, está criada a cadeia. No Brasil, uma a cada três crianças de 5 a 9 anos tem sobrepeso ou é obesa. O tipo 2 eleva as chances de infarto e de acidente vascular cerebral. “Além disso, há risco de lesão renal, de retina e de nervos periféricos”, afirma a endocrinologista Ana Priscila Soggia, de São Paulo.
COMBATE
Balduíno se surpreendeu com o número de episódios.
Victoria descobriu que tem predisposição e mudou hábitos
A constatação de seu crescimento entre os mais jovens aumentou a urgência no seu combate. Iniciativas estão surgindo para investigar o real tamanho do problema. Uma das mais importantes é o consórcio de seis centros de pesquisa americanos, o SEARCH for Diabetes in Youth. Entre as constatações, está a de que os casos até 19 anos nos EUA subiram 30% entre 2001 e 2009. “E as complicações de maior intensidade estão entre esses pacientes”, informou à ISTOÉ Dana Dabelea, responsável pelo projeto.
Também estão em curso estudos para analisar os efeitos de drogas hoje usadas somente por adultos. Um deles avalia a sitagliptina em crianças e adolescentes de 10 a 17 anos. Há 36 países e170 pacientes envolvidos, dois deles no Brasil. Outro pesquisa um análogo de insulina (detemir), liberado por enquanto para jovens com o tipo 1. O Brasil contribuirá com 18 pacientes. Um terceiro trabalho mapeará o impacto da liraglutida em associação com a metformina e terá a participação de 21 países.
O tratamento usa remédios de ação conhecida em crianças, quando necessário, e implica mudança no estilo de vida. “É importante cuidar da alimentação e do exercício físico”, diz o pediatra Daniel Becker, do Rio de Janeiro.
Aprimorar os métodos preventivos é outra preocupação. Testes estão surgindo para apontar se a criança tem predisposição genética à doença. “Apesar de ser uma doença multifatorial, há um forte componente genético envolvido”, afirma a geneticista Lia Kubelka, diretora do Biogenética, laboratório que oferece alguns desses exames. Sua filha Victoria, 9 anos, fez um deles e descobriu que tem tendência. Agora, há um controle maior sobre o consumo de doces e os passeios com a bicicleta foram incentivados para evitar o desenvolvimento da doença.
FOTOS: Shutterstock; LUCAS UEBEL -Fonte IstoÉ.