Cinco dias depois de assistir à perda do grau de investimento do Brasil, anunciada pela agência Standard & Poor's, o governo apresentou nesta segunda-feira medidas de ajuste que somam 66,2 bilhões de reais entre cortes de gastos e previsão de elevação de receitas. Praticamente todas dependem de aprovação do Congresso. Entre as medidas anunciadas, há a suspensão do reajuste de servidores públicos e dos concursos, corte de gastos de custeio, redução dos repasses ao Minha Casa Minha Vida e ao PAC.
Para elevar as receitas, o governo anunciou a ressurreição da CPMF, o imposto do cheque, com uma alíquota de 0,2%, a elevação do imposto sobre ganhos de capital de pessoas física, além da redução de subsídios da indústria. Somente as medidas de elevação tributária devem aumentar a arrecadação em 33,8 bilhões de reais. Mas, como o governo também reduziu a previsão de arrecadação no ano que vem em 5,5 bilhões de reais, a previsão de novas receitas com impostos recuou em 28,4 bilhões de reais.
Duas semanas atrás, a equipe econômica havia convocado a imprensa para anunciar um déficit de 30,5 bilhões de reais nas contas do ano que vem, alegando tratar-se de uma atitude "transparente". Agora, depois do rebaixamento, os ministros se comprometem a poupar 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB), dos quais 0,55% correspondem à economia da União, o que equivale a 34,4 bilhões de reais. Isso significa que, ao se levar em conta o déficit apresentado dias atrás, o governo precisará encontrar espaço fiscal para acomodar 64,9 bilhões de reais. Se todas as medidas apresentadas nesta segunda-feira forem aprovadas e gerarem os resultados previstos, a economia será suficiente para reverter o rombo. Contudo, pairam dúvidas sobre a capacidade do governo de aprovar tais medidas diante de um clima de total desarticulação no Congresso. Parlamentares da oposição e da própria base aliada, incluindo o vice Michel Temer, já afirmaram que não vão encampar elevação de impostos.
No lado dos cortes, o maior impacto virá do adiamento dos reajustes dos servidores públicos, que, se aprovado, trará economia de 7 bilhões de reais ao governo. Em segundo lugar, há os cortes no Minha Casa Minha Vida, no valor de 4,8 bilhões de reais, que representa um terço da dotação orçamentária para o programa no ano que vem. O governo prevê ainda cortes de 3,8 bilhões de reais em gastos com o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC).
Já do lado dos impostos, a CPMF terá o maior peso, representando uma arrecadação de 32 bilhões de reais. Antes de anunciar a recriação do tributo, extinto em 2007, o ministro da Fazenda Joaquim Levy voltou a falar na "participação de todos" para a recuperação do país. "Vivemos um momento difícil em que o governo tem de ajustar muitas coisas. O governo conseguiu aqui cortar 26 bilhões de reais sem deixar de cumprir suas obrigações, além de manter os recursos necessários para não só fazer o estado funcionar, mas também financiar projetos em andamento", afirmou o ministro.
Diante do fato de os contribuintes terem de arcar com os malfeitos do governo, Levy recorreu ao argumento da "consciência fiscal" da população para conseguir fazer com que a elevação tributária seja digerida. "Tem de haver uma consciência fiscal da população, enquanto o governo terá a sensibilidade de diminuir e eliminar gastos", afirmou. Sobre a elevação da CPMF, Levy disse que é preciso "uma ponte" para se chegar a uma nova economia, sinalizando que tal ponte pode ser representada pelo novo imposto. "Os dois milésimos sobre o preço do sanduíche (em alusão à CPMF) darão gás para a economia se a gente fizer o nosso trabalho. Nós entendemos que devemos fazer o nosso trabalho, manter a disciplina", disse o ministro da Fazenda.
O ministro do Planejamento Nelson Barbosa, inicialmente avesso às medidas de ajuste e autor do projeto que previa déficit de 30,5 bilhões de reais, disse que "a parte do governo é propor medidas", ao ser questionado sobre o fato de a população ter de arcar com o rombo nas contas. Visivelmente contrariado, o ministro falou que o governo tem instrumentos para a melhorar a parte fiscal. "Isso envolve um custo que vamos tentar distribuir da maneira mais equilibrada possível", afirmou. Mas se negou a explicar por que, diante de tantos "instrumentos", o governo deixou a situação chegar aonde está.
Adiamento do reajuste dos servidores públicos | R$ 7 bilhões |
Suspensão de concursos públicos | R$ 1,5 bilhão |
Eliminação do abono de permanência | R$ 1,2 bilhão |
Teto remuneratório do serviço público | R$ 1,2 bilhão |
Custos administrativos | R$ 2 bilhões |
Minha Casa Minha Vida | R$ 4,8 bilhões |
PAC | R$ 3,8 bilhões |
Saúde | R$ 3,8 bilhões |
Subvenção de garantia de preços agrícolas | R$ 1,1 bilhão |
Total | R$ 26 bilhões |
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