O turismo pode ser um dos caminhos para melhorar a economia de países da América Latina. A conclusão é da pesquisa desenvolvida por Luiz da Rosa Garcia Netto no projeto O turismo como facilitador da melhor integração entre Brasil, Bolívia, Peru e Chile – uma abordagem teórica, da Universidade Federal de Mato Grosso. A via seria pela rota Pantanal/Pacífico, que passaria pelos quatro países.
No levantamento realizado durante oito anos e concluído no ano passado, pouco antes do professor se aposentar, há sugestão de visitações atrativas para os turistas seguirem pela rota, e ele comenta sobre os problemas que precisam ser superados para conseguir colocar a pesquisa na política pública do Mercosul.
O turismo seria uma alternativa plausível para amenizar as diferenças econômicas entres os países sul-americanos, pois tem na essência as parcerias. “Quanto mais investimento turístico houver em uma região, mais ela se desenvolve, porque o turismo não trabalha com a óptica da concorrência, mas da parceria”, afirma, acrescentando que a atividade mexe com a economia devido à geração de emprego, aos hotéis, postos de gasolina, restaurantes etc.
Um dos problemas para desenvolvê-la, segundo o pesquisador, é a legislação de fronteira, que só pode ser resolvida pelo Mercosul. Outro trata da forma como a autoridade fronteiriça vê o turista ou a pessoa que chega e sai. “Nós fizemos essa rota três vezes e tivemos problemas em períodos e com grupos distintos. Surgiu dificuldade na entrada da Bolívia, do Peru, até de peruanos que tem problema com a polícia do próprio país. Houve problema de momento político, quando Evo Morales assumiu a Presidência boliviana. Nós estávamos lá e fomos quase presos porque não entendiam como a gente pensava as políticas relacionadas ao turismo”, relata Garcia Netto.
A Bolívia, inclusive, é o país da rota que tem mais complicações, como infraestrutura, legislação e acessibilidade. “Se não resolver problemas com a Bolívia, não acontece mais nada”, ressalta. O pesquisador pondera que, pelo contato que teve no país com universidades, com a Cámara de Industria, Comercio, Servicios y Turismo de Santa Cruz [Cainco], há muita abertura para resolver os impasses, até porque a Bolívia também é o país mais carente e interessado em que a rota se consolide para fortalecer a economia.
A questão é que o Mercosul e as autoridades em geral não veem o turismo com perspectiva econômica. Na melhor das hipóteses, aponta o pesquisador, vê como uma atividade paralela da economia. “Definem mais como uma atividade social ou simplesmente lazer. Essa é uma dificuldade aqui na América do Sul. Diferente da Europa, que é uma atividade econômica consolidada”, compara.
Para exemplificar, o pesquisador coloca Bonito [MS] como referência para investimento no turismo que deu certo, e mostra Chapada dos Guimarães [MT] como ponto que ainda precisa ser desenvolvido.
O turismo em Chapada, em alta temporada, contribui com menos de 1% da arrecadação total do município, que tem na agropecuária a base da sua economia. Na região de Bonito, que tem agricultura, o turismo contribui com quase 70% da economia. “Há investimento e cada vez mais empreendedores chegando e aplicando na melhoria. Já em Chapada é tudo muito doméstico, e essa é uma realidade até nacional”. Ele aponta que, além de Bonito, para os estrangeiros, Caxias do Sul [RS], que tem a Festa da Uva, e as festividades do carnaval também seriam referências.
A região de Nobres tenta concorrer com Bonito com o slogan “É mais que bonito, é lindo”, mas, segundo o pesquisador, a única semelhança é a qualidade das águas. “De resto, o turismo em Nobres é muito doméstico”.
Entre os países pesquisados, o mais organizado, de acordo com Garcia Netto, é o Peru, que tem como principal atração Machu Picchu, a cidade perdida dos Incas. Esse é o ponto turístico mais procurado na América do Sul. O professor relata que, para os turistas irem a Lima, capital peruana, fazem a primeira parada no Chile, para depois pegar avião ou outro meio de transporte. “Se consolidasse uma rota que pegasse 10% desse pessoal que vai a Machu Picchu, saindo aqui pelo Pantanal, por Cuiabá, nós mais que dobraríamos nosso fluxo de turistas na região de Mato Grosso”, estima.
A dificuldade, segundo Garcia Netto, é que, ao contrário do Peru, que tem um produto consolidado [a cidade Inca], em Mato Grosso isso ainda não existe. O relatório do professor, então, aponta alguns pontos que poderiam servir de atrativo para o turista fazer o percurso Pantanal/Pacífico.
A rota passaria por várias cidades, mas no roteiro há os pontos turísticos âncora, que hoje já são chamativos para o público, sendo eles Pantanal, em Mato Grosso; Lago Titicaca, fronteira da Bolívia com Peru; e Machu Picchu, no Peru. Além desses pontos, há outras atrações “secundárias”, como Cuiabá e Chapada dos Guimarães, no Brasil; As Missões, Santa Cruz de la Siera, Cochabamba, La Paz, Puno e Cusco, na Bolívia; e Iquique, no Chile. E há ainda pontos que saem da trajetória oficial, mas que valem a pena conhecer, como o deserto do Salar de Uyuni, na Bolívia.
O Pantanal é um dos pontos mais famosos do Centro-Oeste entre os estrangeiros. É onde se encontram animais como jacaré, onça, capivara, ariranha, arara, os quais podem ser vistos com mais demasia em passeio de barco.
O Lago Titicaca, em Puno, é navegável e o mais alto do mundo, a 3,8 mil metros acima do nível do mar. Nele, há também ilhas flutuantes artificiais, que fazem parte da cultura local. Machu Picchu, também conhecida como cidade perdida dos Incas, construída no século XV, é a principal atração.
Cuiabá seria referência pelo status de capital do Estado e por onde os turistas chegariam ou partiriam para outras aventuras. Chapada dos Guimarães tem o apelo da natureza, com a cachoeira Véu de Noiva e o Mirante. As Missões Jesuíticas de Chiquitos são patrimônio Mundial da Humanidade e estão no leste da Bolívia. O local é rico em cultura e história por ser onde os jesuítas convertiam os índios ao cristianismo entre os séculos XVII e XVIII, na serrania oriental do departamento de Santa Cruz. Esta, por sua vez, é um centro para o turismo de compras. Cochabamba, La Paz e Cusco também tratam de turismo histórico e cultural. Iquique é o acesso ao litoral por meio do Oceano Pacífico, além de ter uma noite badalada. Já o Salar de Uyuni é o principal destino dos turistas que vão à Bolívia, sendo a maior planície de sal do mundo, com mais de 10 mil km² [o equivalente a 1,4 milhão de campos de futebol].
Os meios de transporte para a realização da viagem poderiam ser os mais variados, como carro, moto, trem e, alguns trechos, até avião. Mas é necessário que o turista esteja informado sobre as reais condições de cada espaço e tenha a estrutura necessária para fazer uma boa jornada, com combustível, hotéis, restaurantes e segurança garantidos, salienta Garcia Netto.
Para tanto, ele não coloca toda a responsabilidade nas ações do Governo, que daria apenas os devidos incentivos. “Quando se fala em empreendedorismo, é recurso privado, e o governo apoia”, pontua, completando que se depender do órgão público, o serviço não vai sair. O papel da administração pública ficaria restrito a serviços como segurança.
Rota Bioceânica
Conforme o pesquisador, o projeto da rota Pantanal/Pacífico perdeu força devido ao andamento de proposta semelhante, como a Ferrovia Bioceância, com custo estimado em R$ 40 bilhões na contrapartida brasileira, com 3,5 mil km. A iniciativa é uma parceria entre Peru-Brasil-China e pretende ligar os oceanos Pacífico e Atlântico, partindo de Porto Açu [RJ] com saída pelo Peru. O projeto ainda está em fase de estudo e a rota deve passar por Mato Grosso, por ser uma referência do agronegócio, em especial Lucas do Rio Verde. http://www.revistafapematciencia.org/noticias/noticia.asp?id=806