O conceito sobre arte e os movimentos indígenas com o apoio das redes sociais foram temas abordados em evento na Universidade Federal de Mato Grosso. O primeiro foi tratado pela pesquisadora Larissa Lacerda Menendez, que colocou aos presentes a complexidade sobre a definição de arte em obras da modernidade. Já a questão indígena foi exposta pela pesquisadora Naine Terena de Jesus, que relatou como a internet tem ajudado as etnias a mostrarem sua visão de mundo.
Nos estudos de Larissa, ela observa que o conceito de arte hoje parte de uma perspectiva colonial. Atualmente, a arte é mais reflexiva do que a produção anterior ao século XX. Isso faz com que a compreensão do que é produzido fique mais difícil. Diante disso, a pesquisadora questiona: “o que seria considerado arte?”. Seria, então, aquilo que está nos conformes da perspectiva eurocêntrica, cuja produção se considera hierarquicamente superior às outras.
Para exemplificar, a pesquisadora mostrou uma criação feita pelo artista europeu Marcel Duchamp, quando quis produzir uma crítica sobre o que é arte, iniciando o movimento ready mades, ao qual artistas pegam um objeto e dão a ele outras significações. Criam, assim, uma obra de arte. A mais polêmica foi a obra A Fonte, um mictório arrancado de um banheiro público e exposto como arte. Apesar de criticada na época, hoje vale milhões de euros.
Em contraponto, a pesquisadora mostra um material indígena da etnia Paumari, que mora no rio Purus, na Amazônia. “Objeto que muitos autores dizem que não pode ser chamado de arte porque é funcional, é de outra cultura”. Isso receberia o nome, então, de artesanato.
Dessa forma, pelas classificações existentes, a produção que não é dos países tidos como desenvolvidos ou que não siga o padrão estabelecido por eles leva a denominação de cultura popular, artesanato, classificação essa, segundo Larissa, colocada como se fosse neutra.
O mundo considerado desenvolvido, assim, se coloca no centro do espaço, projetando sua imperialidade por conta da localização geohistórica e pregando uma falsa universalidade à qual todos têm que se submeter. “A suposta neutralidade da ciência ocultaria o diferencial de poder, e o pensamento ocidental europeu se revela como buscador da verdade universal, da imparcialidade, da neutralidade, mas que, na prática, oculta o racismo epistemológico no campo dos saberes”, critica.
Nessa linha, Larissa aponta que o conceito folk, que está relacionado ao folclore e à cultura popular, é justamente aquilo que não é produzido pelas matrizes europeias, explicado por Luiz Beltrão como produção dos marginalizados, das camadas subalternas da população, que tem falar e modo de comunicar diferentes dos demais, além do precário acesso aos meios de comunicação e localização geográfica distante. “A designação da cultura popular condensa um infinito de representações culturais que difere de uma cultura erudita e de elite. Essa diferença, então, não é neutra”, aponta.
Decolonialidade
A reflexão tem apoio teórico dos estudos decoloniais. Larissa explica que o coletivo decolonial começou a se formar em 1988 e que, conforme o estudioso Arturo Escobar, “a decolonialidade é um programa de investigação anticolonial que compartilha conceitos e noções que conferem uma identidade e contribui para a análise das ciências sociais latino-americanas”, explica a professora.
Segundo ela, uma das principais ideias é a relação entre modernidade e colonialidade, responsáveis pelo trabalho escravo dos povos ameríndios, africanos, que vai alimentar a beleza e esplendor da modernidade europeia. “Termina a colonização, mas a estrutura de dominação continua nas esferas políticas, educacionais, da construção do saber. A continuação dessa estrutura de hierarquização é chamada de colonialidade”.
A decolonialidade permite conhecer outras formas de pensar. Larissa exemplifica a visão sobre pensar/sentir da população afro-caribenha. Enquanto na percepção cartesiana pensamento e sentimento então em campos diferentes, naquele povo pensar/sentir são indissociáveis, inseparáveis. “Outro conceito de Aby-Ayala é do Bem Viver, no qual a Terra, a vida e a humanidade são indissociáveis. De que a terra não é um lugar para se extrair recursos naturais, construir hidrelétricas e plantar soja”, conclui.
Movimento indígena
A pesquisadora e militante da etnia Terena da qual descende, Naine Terena de Jesus, iniciou sua explanação dizendo que não considera os movimentos indígenas folk. Para ela, aceitar que a cultura indígena seja classificada dessa forma é dar espaço para segmentos que querem que esse povo seja apenas folclore, deixando de ter existência física, cultural e ritual social. “O termo, então, não é adequado pela nomenclatura e pela terminologia, e não pela teoria em si”, esclarece, se referindo aos estudos idealizados por Luiz Beltrão.
Ela lembra que pela teoria proposta pelo pesquisador, os indígenas se enquadrariam no grupo dos marginalizados, que sofrem frequentes tentativas de extermínio advindas do sistema colonial.
Para barrar a investida contra os indígenas, Naine afirma que o povo conta hoje com as redes sociais para dar voz ao que ainda está invisível dentro da sociedade devido ao jogo de interesses, tanto das grandes mídias, quanto do meio didático, quando vê que nos livros ainda há omissão da presença indígena. “Só aparece no descobrimento do país”, lembra.
As redes sociais agora se tornam um espaço para se mostrar a potencialidade linguística e identitária dos índios, que permitem aos seres humanos vivenciar, comunicar e representar em níveis até agora suspeitos. “De tudo que nos foi oferecido e imposto enquanto indígenas, existe agora uma remodelagem, e os meios de comunicação fazem parte disso. Se antes eram só setores de uma comunicação massiva – que apresentava o indígena ora como um selvagem, ora como empecilho, ora como um bom moço –, agora a gente pode virtualizar nossa identidade de aldeia, e aí se torna cíbrido [mistura de Ciber (digital) e Híbrido (mistura)]”. Dessa forma, os indígenas têm usado a rede social como um contra-ataque às informações que transitam de forma muito rápida.
A pesquisadora exemplifica dizendo que naquele momento, em Mato Grosso do Sul, no município de Miranda, estavam sendo distribuídos panfletos anônimos que falavam que os Terenas não eram índios, mas paraguaios. A rede social é uma forma de esclarecer sobre a situação e, principalmente, comunicar o que está acontecendo para outras pessoas distantes que estão envolvidas com o mesmo movimento. “Tudo isso feito para combater o pensamento colonizador, dominador”.
Segundo a pesquisadora, querem fazer com que conheçam a população indígena, mostrar que existem. Aprender a chegar até esses povos com formas alternativas, como comunidade, não só por meio da comunicação de massa, além de aprender a partir do conhecimento de vida desses indígenas. “É o momento de dialogar, não dá para basear o pensamento apenas no conhecimento colonial”.
Naine conta ainda fato curioso que ocorreu durante protesto dos indígenas em Brasília, contra a PEC 215, que quer passar para o Congresso a prerrogativa de demarcar terras indígenas. Após serem barrados na portaria da Câmara Federal e sem conseguirem convencer os parlamentares a irem contra a proposta, os indígenas fizeram a dança da chuva. “Aí vai da crença de cada um, mas, na madrugada, caiu um temporal que deixou parte da Casa sem energia até o dia seguinte. Isso provocou o cancelamento da comissão que convocou a discussão da PEC”, recorda. O forte temporal foi destaque na mídia, como no G1 e na Folha de S. Paulo.
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