As diferenças de gênero são um dos pontos mais polêmicos nas discussões sociais atualmente. Tanto no que diz respeito a homem e mulher, quanto à homossexualidade. O tema não passa despercebido pelas universidades.
Pesquisas de instituições do país explanaram o que vem sendo debatido pelos intelectuais. O assunto fez parte de uma mesa de discussão na Universidade Federal de Mato Grosso [UFMT]. A pesquisadora Karina Janz Woitowicz, da Universidade Estadual de Ponta Grossa [UEPG], no Paraná, apontou durante discurso que a vida social tem hierarquias em diferentes esferas e as desigualdades perpassam questões econômicas, políticas, estudos de raça, questões de gênero. “O tempo todo convivemos com essas hierarquias e desigualdades”.
Baseada nos estudos que já realizou, ela ressalta que existe uma normatização de determinadas práticas, valores e pensamentos, provocando diferentes tipos de marginalidade que vão se apresentar social e culturalmente.
Assim, Karina acredita que é preciso superar o binarismo masculino e feminino e pensar o gênero como algo que é relacional e dentro de um projeto identitário, que tem vistas a uma transformação da sociedade. “É o grande desafio para tentar rediscutir teorias que possam ter uma relação direta com práticas efetivas na sociedade”, acrescenta.
Segundo ela, as pesquisas em Estudos Culturais vêm trazendo uma contribuição já presente na militância por questões de nacionalidade, de ética e de gênero dos estudos pós-coloniais. Estes vão dialogar com as referências decoloniais, que tem o esforço de decolonizar a própria realidade. Conforme a professora, a militância foi colaboradora para que temas como feminismo fossem fortalecidos e legitimados, mesmo criticados por alguns estudiosos.
A pesquisadora salienta ainda que quando se propõe o debate sobre a decolonialidade [campo teórico que estuda relação entre conhecimento e colonialidade], o que está em jogo é também a perspectiva do abandono de uma ideia universal de humanidade, que vem com um pensamento ocidental muito modelado. “O homem branco, heterossexual e cristão é esse sujeito universal de que se fala, e que quando se faz menção a uma diferença colonial, o pensamento se volta a essa mudança de valores e hierarquias, que são geopolíticas, raciais, patriarcais etc”. E a pesquisadora ainda questiona. “Diante das hierarquias sociais, quais são os humanos que têm direito? Que grupos e setores são esses que acabam se colocando, não por vontade própria, mas por motivo de relação de poder, num tipo de situação desfavorecida, seja em termos culturais ou sociais?”
A pesquisadora sustenta que a abordagem do gênero é uma construção histórico-social. Não é o gênero, por si só, que vai caracterizar um tipo de estrutura hierárquica. Deve ser associado também à classe, à raça, que são centrais nesse sistema de poder mundial.
Para sustentar sua argumentação, Karina Janz cita Boaventura de Souza Santos, que diz que “as pessoas ou grupos humanos têm direito a serem iguais quando a diferença os hierarquiza e a serem diferentes quando a igualdade os descaracteriza”.
Relações familiares homossexuais
As relações familiares entre gays e lésbicas foi o tema abordado pelo professor do mestrado de Estudos de Cultura Contemporânea, Flávio Tarnovski. A questão gera debates sociais acalorados pelas diferentes opiniões sobre família, gênero e sexualidade. Ele se baseia principalmente em autores franceses e brasileiros.
O professor cita exemplos atuais para mostrar as polêmicas envolvendo o tema, entre eles a propaganda d’O Boticário, que mostra troca de presentes no Dia dos Namorados entre casais hétero e homossexuais. O vídeo provocou a revolta principalmente dos religiosos, que ameaçaram boicotar a empresa.
Há também o Estatuto da Família [PL 6583/13], de autoria de Anderson Ferreira [PR-PE] e em processo de discussão na Câmara Federal, que aponta a necessidade de políticas públicas para garantir a sobrevivência desse núcleo. “Como se estivesse em extinção”, ironiza o professor. A proposta também define como família a “união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” [Artigo 2].
Para Tarnovsk, esse modelo faz com que as outras formas de família sejam classificadas como incompletas, desviantes ou até patológicas. Porém, hoje mulheres são chefes de família e homens podem se dedicar ao cuidado de crianças, o que reflete um processo de mudança no pensamento tradicional. O que o pesquisador busca é fazer a sociedade pensar nas famílias [no plural], podendo emergir modelos familiares para criar novas alternativas sobre esse núcleo.
“Os estudos de gênero nos ensinam que masculinidade e feminilidade não são determinadas naturalmente, mas têm definições sociais que movem também nossa subjetividade”, destaca Tarnovsk. A classificação social que categoriza os indivíduos entre homo e heterossexuais não reflete nossa natureza, nossa psique, mas que se relacionam e moldam a maneira como significamos nossos desejos e identidades. Na visão do pesquisador, ao dissociarem sexualidade, procriação, conjugalidade, parentalidade, iluminam as conexões simbólicas que sustentam esses modelos ideais de família, atuando como niveladora das tensões que envolvem as transformações contemporâneas familiares.
Ele aponta ainda que o estabelecimento de um modelo único como referência de normalidades e sinônimo de relações saudáveis é resultado de normatização social de exclusão e marginalidade. “O surgimento das famílias homoparentais, longe de representar um risco para ‘a família’, representa a atualização de práticas de representações constitutivas do nosso sistema de parentesco”. http://www.revistafapematciencia.org/noticias/noticia.asp?id=759