Celso Lungaretti *
O que mais me choca no petismo é como um movimento com aspirações tão amplas e bandeiras tão generosas se desvirtuou a ponto de ter hoje praticamente uma só aspiração e uma só bandeira: conservar-se no poder.
E, o que é pior, no poder pelo poder, pois o exerce de forma cada vez menos idealista e mais fisiológica, tornando-se indistinguível dos partidos e forças convencionais.
Assim, lutou com unhas, dentes, jogo sujo, demagogia, desinformação, chutes na virilha, rasteiras traiçoeiras e facadas pelas costas para assegurar-se um quarto mandato presidencial já sem ter mais nada de importante para propor à sociedade, nem nenhuma receita de esquerda para responder a crise econômica que suas gestões anteriores incubaram. Dilma Rousseff se reelegeu para nos empurrar Joaquim Levy goela adentro.
Agora, obcecado única e exclusivamente em evitar o impeachment da presidenta, sua rede virtual espoca champanhes para celebrar a avacalhação do Congresso Nacional, com os presidentes das duas casas legislativas sob suspeita de envolvimento no maior escândalo de corrupção de todos os tempos. (Aliás, é bom dizer, as boas práticas republicanas impõem que se afastem ou sejam afastados imediatamente de uma posição que lhes confere enorme poder; é cedo para falarmos de cassação de mandato, mas presidentes da Câmara e do Senado eles não podem continuar sendo enquanto estiverem sob forte suspeita de desonestidade).
Serão os petistas tão obtusos a ponto de não perceberem que, se a insatisfação popular se tornar incontrolável nestes tempos bicudos de recessão, um Congresso com credibilidade reduzida a zero realmente não terá moral para aprovar o impedimento de Dilma, mas também nenhuma outra saída civilizada para a crise?!
O que se vê é a desmoralização das instituições como um todo – até o Judiciário, embora menos desgastado aos olhos do cidadão comum, também não inspira a confiança de outrora, por saltar aos olhos que suas decisões frequentemente têm motivações espúrias. Uma situação que só serve a quem pretende criar um cenário para golpe de Estado. O verdadeiro golpe, com tanques nas ruas.
Estarão os horrores dos períodos 1930/1945 e 1964/1985 já esquecidos, a ponto de ninguém perceber que este é o nosso pior pesadelo e o fantasma que devemos exorcizar com todas as nossas forças?
Se o Brasil permanecer uma democracia, nada impedirá que Dilma seja impedida ou renuncie em 2015 e Lula ganhe a eleição presidencial de 2018. E há outras possibilidades, como a articulação de um governo de união nacional ou a convocação de um gabinete de crise, com gente de peso e de personalidades, para fazer o que estão fazendo os 39 ministros (quase todos incompetentes, inapetentes, inadequados ou sinistros).
O que não dá é para Dilma e o PT continuarem a brincar com fogo, colocando todos os brasileiros sob o risco de uma nova ditadura por não admitirem, em hipótese nenhuma, abdicar momentaneamente do poder ou dividi-lo durante a crise, embora até as pedras das ruas percebam que não estão sabendo o que fazer com ele.
* Jornalista, escritor e ex-preso político. Mantém o blog Náufrago da Utopia.
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