Um dos mais polêmicos projetos de lei a tramitar na Câmara de Deputados, o documento que trata da extinção do tradicional exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é motivo de discussão tanto por quem está no mercado quanto por quem segue na vida acadêmica. De um lado, os argumentos buscam convencer de que a prova tem uma finalidade arrecadatória. De outro, a afirmativa de que a peneira é capaz de apontar falhas no ensino superior – e ajudar a superá-las.
O deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), autor do projeto, compara a carreira de advogado a outras profissões que não preveem realização de prova. "A profissão de médico, cuja consequência do erro é muito mais grave, podendo até ceifar vidas, não exige exame do Conselho Regional de Medicina (CRM). Por que, então, manter o da OAB?", questiona. Para garantir a qualidade da formação dos futuros profissionais, a sugestão de Cunha é criar um estágio obrigatório supervisionado, uma espécie de residência em advocacia.
"Gastam dinheiro com inscrições, pagam cursos suplementares… É uma pós-graduação de Direito com efeito de validação da graduação já obtida. Ou seja, a OAB, com o seu exame espúrio e enganoso, movimenta um mercado de milhões para si mesma. Estima-se que arrecade cerca de R$ 75 milhões por ano com o exame, dinheiro suado do estudante brasileiro já graduado e sem poder ter o seu direito resguardado de exercício da profissão", diz.
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José Luiz Quadros de Magalhães
Com cerca de 83% dos bacharéis reprovados já na fase objetiva, a última edição do exame já denuncia carências das universidades brasileiras. Dos 118.217 inscritos, pouco mais de 114 mil responderam a questões voltadas a disciplinas obrigatórias no curso de direito, além de tratarem do Estatuto da Advocacia e da OAB e seu regulamento geral, código de ética e disciplina e direitos humanos. Neste domingo, os poucos que conseguiram acertar mais da metade da prova, se preparam para responder as questões teóricas da segunda fase. A possibilidade de uma "reprovação recorde" deixa os estudantes apreensivos.
Defesa do exame
A OAB defende a aplicação da prova e tem o aval do Ministério da Educação (MEC). Em audiência pública realizada em outubro, o secretário de Educação Superior do ministério apoiou a obrigatoriedade do exame e de outros mecanismos que possam "se somar para mais qualidade no sistema educacional”.
Em reunião na última terça-feira, o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado, e o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, decidiram que irão assinar no dia 11 de março um acordo de cooperação para criar novas regras para os cursos de graduação e pós-graduação em direito no Brasil.
Favorável à obrigatoriedade do exame, o professor dos cursos de direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Pontifícia Universidade de Minas Gerais (PUC-MG) José Luiz Quadros de Magalhães afirma que esse é mais um mecanismo de controle dos profissionais que entram no mercado. "Existe uma expansão muito grande de cursos. Ainda que a fiscalização do MEC seja intensa, sabemos que há critérios objetivos capazes de falhar", diz.
Na opinião do professor, é possível apontar vários problemas nas universidades brasileiras – e essas carências acabam aparecendo nos altos índices de reprovação do exame. Magalhães cita a carga horária dos professores, muitos dos quais acabam tomando conta de disciplinas sem ligação umas entre as outras, e o despreparo de muitos estudantes, que apresentam lacunas referentes a conteúdos dos ensinos fundamental e médio. "Há problemas relacionados a conhecimento de português, história e geografia, que a faculdade nem sempre consegue, nem tem o dever de preencher", reconhece.
O deputado Cunha discorda do papel da prova. Para ele, fiscalizar os cursos universitários é uma responsabilidade que deve se restringir ao MEC. "A OAB não pode exercer um papel de órgão oficioso do Poder Executivo. Se for assim, terão de abrir precedentes para outros segmentos profissionais", diz.
Enquanto isso, o professor das universidades mineiras acredita que não é preciso acabar com a prova, mas rever conceitos que não estejam adequados à realidade do mercado. "Se o graduado não passa e tem de buscar cursinho, realmente é lamentável, porque a faculdade não está cumprindo sua obrigação. Mas aí o que deve ser rediscutido são os modelos de ensino e a estrutura das universidades, e não a prova em si", destaca.
Magalhães chama a atenção para o que acredita ser uma tendência que vem ganhando força no mundo inteiro nos últimos 20 anos: para ele, o conhecimento acadêmico estaria perdendo espaço para o saber técnico. "A universidade é o espaço de construção do saber crítico, mas os alunos estão querendo cada vez mais as disciplinas práticas. Eles desprezam matérias como teoria do estado, teoria da constituição, sociologia e filosofia. Isso empobrece o curso superior", diz. O professor afirma que é papel da faculdade – tanto da direção, quanto de professores – mostrar a importância também do conhecimento teórico. "O profissional que tem base teórica e filosófica forte pode atuar em qualquer lugar. Ele não vai ser bom em penal e civil se não tiver teoria. Talvez essa seja uma explicação para a alta taxa de reprovação. É uma discussão válida para recuperar a qualidade de nosso ensino", avalia.
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