sábado, 23/11/2024
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Doente deve ser poupado de sofrimento

Médicos poderão interromper procedimentos e tratamentos que visem prolongar a vida de pacientes em fase terminal de doenças graves e incuráveis, de acordo com resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovada ontem. A decisão, unânime, permite que os profissionais, autorizados pela família ou pelo próprio paciente, optem pela ortotanásia, forma de eutanásia em que são suspensos os métodos artificiais que permitem o prolongamento da vida.

A resolução que promete causar polêmica, porém, não tem força de lei. Médicos podem ser responsabilizados, já que o ato, apesar de passar a ter o aval da categoria, é ilegal no País. “O objetivo é acabar com a morte prolongada, dolorosa, em que a vida é prolongada através de métodos e procedimentos artificiais fúteis sem benefício real ao paciente vítima de doença incurável, grave e terminal”, diz o diretor do CFM Roberto Luiz d’Ávila.

A decisão, que será publicada no Diário Oficial da União, foi aprovada por 27 votos a 0 e baseada no trabalho de uma comissão que incluiu o padre Léo Pessini, autor de livros sobre eutanásia, bioética e temas afins.

“Pessoas com câncer em estágio terminal, em que muitas vezes nem morfina ameniza a dor, ou com doenças crônicas degenerativas em que órgãos vitais, como rins ou coração, já começam a apresentar problemas, teriam direito a uma morte tranqüila. Em vez de se prolongar a vida dela por um mês, colocando num CTI, cheio de tubos e aparelhos e sozinho, o paciente ficaria com a família, recebendo remédios contra a dor e sedação”, explica d’Ávila, acrescentando que não seriam ministrados antibióticos e outros medicamentos para manter coração e demais órgãos funcionando.

A resolução, que ainda não teve o texto final divulgado, prevê que a família do paciente tenha direito a mais de uma opinião médica antes de se decidir — além de ter plena autonomia para não aceitar a resolução e tentar os métodos possíveis para manter seu parente vivo.

Tão polêmica quanto a decisão dos médicos é a questão judicial. Para d’Ávila, o médico não pode ser acusado de um crime: “Ele não tirou um aparelho vital. Não provocou a morte, só não prolongou sofrimento”.

Já Volney Garrafa, professor de Bioética da Universidade de Brasília, afirma que há risco de responsabilização criminal. “O Código Penal Brasileiro é muito antigo e, se o médico parar de investir no paciente, pode ser acusado criminalmente”.

Por isso mesmo, o jurista Dalmo Dallari recomenda que seja formada uma junta médica para analisar os casos mais graves. “Na Constituição, a eutanásia está implícita no artigo que fala do direito à vida. Ou seja, não é permitida. Na Justiça, porém, serão analisadas as circunstâncias caso a caso. O ideal é que nenhum médico tome a decisão sozinho. É aconselhável consultar outros profissionais porque, às vezes, ele pode se ver numa situação de dúvida” afirma.

Religiosos exaltam o direito de viver

A resolução aprovada ontem pelo CFM divide a opinião de lideranças religiosas. O presidente da Comissão de Vida e Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Rafael Cifuentes, afirma que, em meios excepcionais, pode vir a ser necessário desligar aparelhos que mantenham o paciente vivendo “uma vida absolutamente artificial” com a autorização do paciente ou de seu representante legal. “O que não se pode é interromper uma determinada medicação ou, então, aplicar injeções letais”, ressalva.

Para o presidente da Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro, Guilhermino Cunha, pelo juramento de Hipócrates os médicos têm o dever de lutar pela vida e não de decidir por terminá-la, mesmo que autorizado: “A eutanásia é um atentado à vida e, conseqüentemente, uma agressão contra o próprio autor da vida”.

O pastor Vanderlei Torres Bibá, da Assembléia de Deus, diz que já viu casos de pacientes desenganados que se recuperaram. “A vida é dom de Deus e, como tal, somente Deus poderá interrompê-la”, afirma.

FRASES

“Até hoje, a moralidade médica dizia que tinha que se fazer tudo pelo benefício do paciente, mesmo que causasse sofrimento e tortura ao doente. Agora, para esse tipo de paciente terminal e incurável, propomos que ‘esse tudo’ seja dar conforto, alívio da dor, sedação e a companhia da família na fase final da vida”
Roberto d’Ávila, diretor do Conselho Federal de Medicina

“A decisão dos médicos passa a ser bastante delicada. Pelo Conselho Federal de Medicina, o profissional que não cumprir a determinação fica sujeito a penalidades. Pela Justiça, serão analisadas as circunstâncias de cada caso”
Dalmo Dallari, jurista

“A interrupção de procedimentos médicos extraordinários ou desproporcionais ao resultado pode ser legítima. Não se quer provocar a morte do paciente, mas aceita-se que também não se pode impedi-la”
Dom Rafael Cifuentes, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

“A gente tem hora certa para nascer e para morrer. A eutanásia significa a boa morte. A bioética defende a autonomia do paciente, que tem o direito de morrer de uma forma digna. Essa resolução chama a atenção da Justiça brasileira e do Legislativo sobre a necessidade de atualização da legislação brasileira. No Congresso Nacional, ninguém fala em eutanásia porque tem medo de perder voto”
Volney Garrafa, professor de Bioética da Universidade de Brasília

MEMÓRIA: DEBATE NOS EUA E NO BRASIL

Os casos recentes mais rumorosos envolvendo a eutanásia foram o da americana Terri Schiavo, que morreu aos 41 anos, e o pequeno brasileiro Jhéck Breener de Oliveira, hoje com 5.

Terri foi protagonista do caso mais famoso mundialmente de eutanásia. Ela morreu ao ter tubos de alimentação desligados em março do ano passado, depois de passar 15 anos em estado vegetativo, com danos irreversíveis no cérebro.

O decisão de parar de alimentar a doente foi do tribunal da Flórida (EUA), precedida de uma grande batalha judicial entre o marido, que defendia a eutanásia, e os pais da paciente. Na época, a campanha contra a morte de Terri envolveu o Vaticano e o presidente americano George W. Bush.

Em Franca (SP), a história de Jhéck comoveu o País em setembro do ano passado. O caso da criança, vítima de doença degenerativa no cérebro que também o deixa em estado vegetativo, ganhou notoriedade quando seu pai, Jeson de Oliveira, 35, ameaçou entrar na Justiça pedindo o direito de desligar os aparelhos que mantinham o filho vivo, contra a vontade da mãe. Mais tarde, Jeson mudou de idéia e passou a crer na recuperação do filho.

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Parmenas Alt
Parmenas Alt
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