quinta-feira, 21/11/2024
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O mensalão não foi ao debate

O melhor participante do debate eleitoral na Rede Globo foi a câmera. Não houve, nas quase duas horas de discussão, argumento mais eloqüente que o close na cadeira vazia de Lula. O que é muito pouco.

A pouco mais de 48 horas das eleições, com o presidente cerca de 5 pontos percentuais à frente da soma de seus adversários, os escândalos que colocam seu governo sob suspeita não foram ao debate. Ou melhor: foram, mas estavam mais roucos e abatidos que o gripado candidato Cristovam Buarque.

A literatura sobre o mensalão é farta. O caso do dossiê Vedoin é grave e recém-saído do forno, mas a parasitose entre partido e governo criada pelo valerioduto é o único tema que não poderia atravessar a eleição sem ser passado a limpo. Mas atravessará.

Na hora agá, da incomparável tribuna eletrônica da Globo, Cristovam, Heloísa Helena e Geraldo Alckmin se referiram a uma “sucessão de escândalos”, à “corrupção no governo”, a “malas de dinheiro” etc – dando a impressão de estarem fazendo acusações genéricas. E isto não quer dizer nada, porque todo governo, de alguma forma, sofre acusações de corrupção.

Os três candidatos que compareceram ao debate perderam a oportunidade de ser didáticos. Se concentraram nas frases feitas e palavras de ordem, como gostam os marqueteiros, e jogaram fora a chance de reconstituir, minuciosamente, a incrível saga do mensalão.

Bastaria um bom medley de trechos da denúncia do procurador-geral da República, ou mesmo uma narrativa completa do caso Visanet – em que o alquimista Marcos Valério fez pelo menos 10 milhões de reais do Banco do Brasil sumirem, e reaparecerem nos cofres do PT.

Cristovam começou bem, dirigindo a primeira pergunta da noite ao ausente Lula. Levantou uma questão esperta: se o presidente ganhar em primeiro turno e ficar provado que o dossiê Vedoin seria pago com dinheiro de campanha, ele, sob suspeita, renunciará? Quem está votando em Lula estaria então, na verdade, votando em José Alencar?

Logo depois o senador do PDT veio com outro achado, ao afirmar que a fuga do debate também era uma forma de corrupção. “Não é roubo de dinheiro, mas é roubo de esperança”, atacou Cristovam.

Mas nem ele, nem seus concorrentes foram além de boas tiradas e slogans providenciais. Alckmin, se tivesse de conteúdo e criatividade metade do que tem de firmeza, não teria ficado na acusação a Lula de “desrespeito ao eleitor” e de que “deve ter algo a esconder”. Sorteado para perguntar sobre corrupção e dirigindo a pergunta à cadeira vazia do presidente, o tucano tinha a faca e o queijo na mão. Gastou seus 40 segundos perguntando a Lula sobre saúde e educação.

Em seguida, perguntando a Cristovam ainda sobre corrupção, Alckmin conseguiu a façanha de esfriar o assunto, indagando o que fazer para que os jovens voltem a se interessar pela política. Nessa hora, provavelmente alguns milhares de brasileiros diante da TV jogaram a toalha.

Recentemente, numa conversa por telefone, o deputado Fernando Gabeira resumiu para o candidato do PSDB a perplexidade geral com a forma como a campanha tucana vinha tratando os escândalos em torno de Lula:

— Alckmin, pelo amor de Deus, bom-mocismo tem limite!

Mas o deputado estava enganado. Bom-mocismo não tem limite. E a prova foi dada por Geraldo, o virtuoso, ao usar sua pergunta sobre corrupção para fazer a pregação da política como arte. E como atividade sadia para as melhores famílias brasileiras. Marcos Valério deve ter ficado comovido diante da TV.

A senadora Heloísa Helena trouxe o seu habitual repentismo arretado-giratório, falando aquele dialeto de funcionalismo público cheio de “implementar”, “disponibilização”, “estruturação da infra-estrutura”, “sabotamento” e por aí vai, sempre usando o palavreado máximo para explicar o mínimo.

Lula disse, na carta à Globo – citada com ironia por William Bonner – que não foi ao debate porque seria vítima de ataques virulentos e desesperados. Heloísa Helena vestiu a carapuça e caprichou: disse que o presidente comanda uma organização criminosa e não foi ao debate porque não desce do seu trono de corrupção. “Ele não tem autoridade moral para me enfrentar”, bradou a candidata, a única que fez referência ao caso do investimento milionário de uma concessionária de telefonia na empresa do filho de Lula.

HH e Cristovam fizeram a dobradinha dos opostos. Tudo que a senadora tem de agressividade, lhe falta de conhecimento de causa. O senador fala como se tivesse pedindo esmola na calçada, mas sabe bem o que diz.

Respondendo a um dos discursos mirabolantes da candidata do PSOL sobre estruturar a infra-estrutura (com dinheiro público sem fim para obras viárias), Cristovam teve a coragem de dizer: a recuperação da malha de transportes é um investimento demorado, porque “não vale pôr em risco a estabilidade econômica”. Um manifesto genuíno de responsabilidade fiscal.

Cristovam Buarque foi autor também da manifestação mais inteligente em termos eleitorais. Dirigiu-se direta e carinhosamente à militância do PT, observando o quanto ela deveria estar constrangida com a fuga de seu líder máximo do debate. “Vocês, militantes, devem estar se perguntando: por que Lula não veio ao debate? Porque não sabe explicar seu governo? Ou não sabe explicar a corrupção?” Uma tacada esperta do senador.

Alckmin fez uma denúncia consistente sobre o perigo de uma crise de energia. Mostrou que o populismo tarifário e a invasão política das agências reguladoras praticamente zerou o investimento em geração energética. O índice de chuvas no Sudeste está baixo e não há gás para as termelétricas por causa do chilique nacionalista de Evo Morales.

De resto, as discussões sobre programa de governo caíram na ladainha enciclopédica de sempre. O tanto faz dos números e propostas chegou a tal ponto que o candidato tucano, ao falar sobre redução de impostos, disse que um quilo de açúcar contém hoje 40% de esgoto. Conseguiu uma milagrosa síntese entre reforma tributária e saneamento básico.

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Parmenas Alt
Parmenas Alt
A estrada é longa e o tempo é curto. Não deixe de fazer nada que queira, mas tenha responsabilidade e maturidade para arcar com as consequências destas ações.
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