Terminadas as eleições, restam algumas lições. Apesar de termos presenciado uma campanha sórdida e rasteira baseada em mentiras, calúnias e difamações que deixou a nação brasileira em suspense durante um mês, prevaleceram as lições de democracia. Brasileiros e brasileiras, apesar das agressividades manifestas durante a campanha deste segundo turno, realizaram tranquilamente a sua escolha. Sem tumultos.
Outra lição que deduzimos destas eleições é: Os pobres sabem votar, sim! Maria Rita Kehl, naquele famoso artigo “Dois pesos…”, que causou a sua demissão de O Estado de São Paulo, alertava às vésperas do primeiro turno quanto à desqualificação dos votos das classes D e E que seriam, segundo os opositores, frutos da “bolsa-esmola”. Faço questão de ressaltar as suas palavras, já muito conhecidas pelos internautas:
“Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.”
Foi por esta conquista cidadã que os mais pobres votaram pela continuidade das políticas do Governo que ora se encerra. Porém, se para a presidência, eles escolheram pelo bolso e não pela consciência política a pessoa de Dilma Rousseff que representa seus interesses, por que não poderiam fazê-lo? Ora, a classe A não vota segundo seus próprios interesses? Quando as classes D e E escolhem candidatos segundo seus interesses, trata-se de compra de votos? Pior, as classes D e E são compradas por ninharias?
Terminadas as eleições, todavia, a desqualificação continua. Agora, salienta-se o perfil geográfico dos votos associado aos perfis econômicos regionais. Com uma ressalva: Minas Gerais e Rio de Janeiro foram deslocados ao Norte-Nordeste. A desqualificação dos votos dados à Dilma Rousseff, além do ranço preconceituoso, também busca suavizar a derrota do seu adversário a fim de mantê-lo no cenário político.
Serra, no seu discurso de despedida, embora falasse em humildade, ressaltou o “orgulho”. Admitiu a derrota como todo bom político o faz, mas sem humildade também necessária a um bom político. O maniqueísmo da sua campanha também se manifestou em seu discurso, ao desejar que a sua adversária vitoriosa “faça bem para o nosso país”. É, ao mesmo tempo, outra desqualificação: insinua que Dilma Rousseff “não sabe fazer as coisas direito”, ou seja, não saberá governar.
É este orgulho paulista, no caso de Serra, de paulistano, que dominou a pauta de sua campanha. Não ser trata do orgulho a ser valorizado dos sem-cidadania citados por Maria Rita Kehl na conquista dos seus direitos. Trata-se do orgulho pernóstico dos e daqueles que se identificam com os poderosos, ou mais exatamente, trata-se da arrogância, da soberba. A arrogância paulista manifesta por Serra não achaca apenas os nordestinos, como também, nestas eleições, irritou os mineiros. A mensagem já havia sido dada: “Não mexa em Minas que Minas reage” (CartaCapital, 13/11/2010). No Rio de Janeiro, a campanha serrista provocou a animosidade sempre manifesta na rivalidade entre paulistas e cariocas nos campos de futebol.
Ou seja, com a campanha caluniosa e difamatória, Serra atirou no próprio pé. Seus discursos, recheados de mentiras, calúnias e difamações, acirraram a raiva, para não dizer o ódio, já que ainda quero ver, embora enganosamente, o povo brasileiro como um povo cordado e pacífico. A agressividade, a ferocidade que Serra destilou em sua campanha poderá voltar-se contra os paulistas e paulistanos por ele representados.
Mentiras, calúnias e difamações são instrumentos do ódio. Não foi à toa que a sua imagem demonizada “Xô, Satanás” circulou pela avenida Paulista nas comemorações de vitória da petista. Serra e seus marqueteiros criaram esse demônio. O demônio das calúnias e das difamações. E o que deveria ser apenas uma brincadeira para extravasar as tensões da luta política terminou em uma degola simbólica e na destruição do boneco. Uma violência que não partiu apenas dos apoiadores de Dilma Rousseff e do PT. A campanha de Serra estava recheada de violência contida.
Suas mentiras, calúnias e difamações mancharam a própria imagem pública. O portar-se como homem de família e do bem, beijando imagens santas, não lhe lavou a alma. Não enganou ninguém. Seu índice de rejeição, às vésperas do segundo turno, foi muito alto. Se o homem político José Serra continuar entendendo que se faz campanhas políticas com escândalos, mentiras, calúnias e difamações, com a arrogância disfarçada em religiosidade, é melhor dizer adeus e ficar em casa. Senão, a “guerra da bolinha” registrada em sua passeata no Rio de Janeiro não vai ficar somente na bolinha de papel e o “Xô Satanás” não será apenas simbólico. O Brasil não merece isso.
Taeco Carignato
De São Paulo