O Brasil pode ficar em desvantagem no comércio de cosméticos com a União Europeia, especialmente a partir de 2013, quando o bloco passará a proibir a venda de produtos com testes de toxicidade em animais. Como alternativa para fugir à restrição, especialistas recomendam que o país passe a incentivar tecnologias com métodos alternativos aos testes em vertebrados como ratos e coelhos.
Na Europa, este órgão é o Centro Europeu para Validação de Métodos Alternativos (ECVAM, na sigla em inglês). A consultora brasileira Chantra Eskes, que mora no exterior e já trabalhou para a ECVAM, afirma que o Brasil precisaria de um instituto com as mesmas características. “É preciso um órgão no pais para tomar conta das validações, que possa fazer o controle de qualidade das novas tecnologias e ajude a divulgá-las à comunidade científica”, afirma a doutora em toxicologia pela Universidade de Lausanne, na Suíça. “Um instituto talvez possa aconselhar políticos e legisladores para a criação de novas leis.”
Foi o que aconteceu na Europa, que a partir de março de 2013 não permitirá mais a circulação de cosméticos testados em animais, sejam eles do continente ou importados. Ingredientes que formam os produtos e envolvam em seu desenvolvimento verificações em cobaias também não poderão ser comercializados na região a partir dessa data.
Debate
Durante evento realizado pela Unesp, na sede da reitoria da universidade, em São Paulo, especialistas brasileiros e internacionais avaliaram nos dias 13 e 14 de outubro o quanto o Brasil está atrasado na área.
O uso de animais em testes de toxicidade foi bastante questionado. “Para o caso dos cosméticos, apenas o Brasil e a China ainda mantêm testes com ratos, camundongos e coelhos”, afirma Chantra, lembrando que as empresas do setor na Europa já aboliram o emprego de vertebrados há alguns anos para verificar a toxicidade.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também foi alvo de críticas. Para cientistas e profissionais da indústria, o órgão dificulta a adoção de técnicas menos agressivas ou que até dispensem o uso de animais.
“O teste crônico em cães requer um ano. São usados de 45 a 60 animais por um ano, com diferentes doses da substância a ser testada. Depois são sacrificados, uma autópsia é feita para que se verifique a toxicidade. O subcrônico dura só noventa dias e obtém as mesmas informações. O teste de 12 meses passa a ser redundante. A Anvisa, porém, exige os dois”, afirma João Lauro de Camargo, professor de patologia na Escola de Medicina da Unesp.
Para o médico, as vantagens são várias. “É um exemplo no qual menos animais são usados, a resposta é obtida em tempo mais curto, com pouco substância química.” Procurada pela reportagem do G1, a agência não havia se pronunciado até a noite de segunda-feira (18).
Indústria
Para o presidente da Associação Brasileira de Cosmetologia (ABC), Alberto Keiji Kurebayashi, “o grande problema está no embaraço de produtos junto à alfândega”, afirma o bioquímico. “É preciso uma política para facilitar a entrada de kits para testes in vitro no país.”
Um exemplo está na dificuldade para obtenção do EpiSkin, tecido de pele humana usado para testes de toxicidade cutânea. A tecnologia foi adquirida pela L”Oréal em 1997 e é vendida na forma de kits. Porém, o material quase não chega nas mãos dos pesquisadores brasileiros. “É material biológico, são células vivas, há uma regulamentação toda rígida para importar. Ao chegar no país, o material é bloqueado, vários formulários são assinados e depois de dez dias, o conteúdo dos kits se perde”, afirma João Lauro.
O médico acredita que, mesmo compreensível, a postura da Anvisa imobiliza a pesquisa. “A dose excessiva vira veneno. Por mais que seja importante ser cauteloso quando o foco é saúde humana, a flexibilidade também é um assunto que precisa ser levado à discussão dos cientistas e da sociedade”, diz.
“Nós estamos muito atrasados nesse campo, é preciso sensibilizar os órgãos”, diz Kurebayashi.
Métodos
Validados no ECVAM, há testes para saber se uma substância é tóxica à pele ou aos olhos. Um deles é o BCOP (permeabilidade e opacidade de córnea bovina, na sigla em inglês). Consiste no uso de material dos olhos de bois usados para abate. “O material que seria desperdicaço dá origem a uma possibilidade de pesquisa, que poupa a cegueira em outro animal, ainda vivo”, explica Chantra.
Outro exemplo é o ICE (olho de galinha isolado, na sigla em inglês). No caso da ave, o órgão inteiro é utilizado para os testes de toxicidade.
Tanto o ICE como o BCOP são modelos organotípicos. Isso significa que o material usado nos testes de toxicidade respeita o formato original do órgão no animal vivo, não sendo, por exemplo, achatado em uma placa de petri. “São como culturas de células, mas tridimensionais”, afirma a consultora.
Já o “liquid fluorescent” é uma típica cultura de células. “São cultivadas em monocamada. A substância a ser testada é aplicada e depois um líquido fluorescente é adicionado. Caso exista corrosão, causada por reações tóxicas, você consegue identificar o marcador embaixo.”
Mesmo com uso restrito à irritação na pele e nos olhos, Chantra acredita que as técnicas alternativas um dia podem servir até mesmo para a pesquisa científica com medicamentos. “A própria indústria farmacêutica, no caso do BCOP, desenvolvido pela Johnson & Johnson, já mostrou que o caminho é esse”, diz.