O Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou relatório alertando sobre uma possível bolha que estaria se formando na América Latina, em função das taxas de juros estarem baixas em todo o mundo e de o apetite dos investidores continuar em alta e atrás de oportunidades. Duas semanas antes, ao elevar a estimativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, a instituição soltou outro alerta: o risco da pressão inflacionária comprometeria o atingimento da meta de inflação estabelecido pelo governo.
Com o peso de ser ouvido em todo o mundo e de ter o poder de influenciar o fluxo do mercado de capitais, o FMI traça um cenário que parece temerário. Levantamento feito pelo iG, no entanto, constatou que, desde o estouro da crise, em setembro de 2008, o fundo errou todas as projeções que fez sobre a economia brasileira. Análise feita a partir do relatório World Economic Outlook (WEO) – divulgado duas vezes ao ano e revisado, pelo menos, outras duas vezes –, mostra que o FMI errou nas projeções para PIB, inflação, conta corrente e reservas internacionais do Brasil.
Desde setembro de 2008, foram divulgadas oito versões do WEO (metade delas era atualização). Em todas, os números projetados não se confirmaram na prática (veja a diferença entre as projeções do FMI e os resultados oficiais no quadro ao lado). Os erros aconteceram basicamente nos números, mas não na tendência dos indicadores.
Apesar de os economistas afirmarem que os erros do FMI não afetam sua credibilidade, o impacto dos relatórios tem seus efeitos na economia brasileira como um todo. Para José Luiz Rossi, professor do Insper, quando analisado o aspecto político, as falhas podem prejudicar. “Quando o FMI fala, tem um peso significativo, até porque há muito dinheiro envolvido e isso afeta o próprio fluxo de capitais”, diz.
Em função dessa influência, a economista Thais Marzola, sócia da consultoria Rosenberg & Associados, defende que as projeções fossem feitas com mais de um cenário como base. “Ou então, deveria deixa claro quais são as hipóteses que o Fundo considera para projetar aqueles números”, afirma.
Ela não acredita, no entanto, que o FMI tenha uma análise pior do que as consultorias e bancos brasileiros – que ganham dinheiro investindo em juros, câmbio e outras variáveis e costumam chegar mais perto do resultado final em suas projeções. “Eles [FMI] não revisam tanto o cenário como nós, que acompanhamos mais de perto”, diz Marzola. O economista Roberto Luis Troster, sócio da consultoria Integral Trust e ex-presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), vai além e diz que mesmo os bancos e consultorias também erram frequentemente. “Na média, o Fundo até que acerta bastante”, diz.
Em trabalho elaborado com base nas projeções feitas pelo Fundo, Troster afirma que o Brasil foi o país com maior alta nas projeções de médio prazo, frente ao relatório anterior do FMI, divulgado em outubro de 2009. “A diferença para a projeção do PIB em 2014 para o Brasil foi de 0,36 ponto percentual, a maior entre os principais países”, disse.
Mas, dados os erros anteriores, ainda dá para apostar nas projeções do FMI? Segundo Troster, sim. “O FMI tem o melhor conjunto de economistas que existe. Não tem um segundo lugar que chegue perto. Mas, claro, que eles falham às vezes”, diz.
Miopia, não
Segundo especialistas consultados pelo iG, a crise mundial e o desempenho surpreendente da economia brasileira fizeram com que as análises – não só as do FMI – ficassem mais complicadas. “ [O erro foi] Normal, como o mercado inteiro errou. Hoje, principalmente os mercados emergentes têm uma mobilidade muito grande e isso interfere na avaliação macroeconômica”, diz Alex Agostini, economista da Austin Rating.
Ele não acredita que os erros possam indicar uma miopia do FMI com relação ao Brasil. “Seria injustiça falar isso”, diz Agostini. “O que a gente pode dizer é que o FMI é sempre mais conservador.”
Para Daniela Prates, professora do Instituto de Economia da Unicamp, o FMI, no entanto, “não teve uma avaliação correta” da conjunção de valores da economia brasileira, que acabou beneficiada pelo aquecimento do mercado interno, pelo ciclo das commodities e pelo diferencial de juros. “Em geral, o FMI erra as projeções como um todo”, diz ela. “O futuro é incerto e os erros recorrentes das previsões só reafirmam isso.”
Para os economistas, o contexto da crise faz com que os modelos de projeções não sejam eficientes, segundo o professor José Luiz Rossi, do Insper. “Em um momento de crise, há uma quebra de modelo”, diz. “A aversão ao risco muda, as expectativas mudam. Então, é muito difícil usar modelos para projeções.”
A opinião parece ser unânime. “Os modelos estatísticos de projeção são, na grande maioria, estáticos”, diz Agostini. “Acabam sendo quantitativos e não qualitativos. Se no meio do caminho de uma projeção acontecer uma mudança fora do esperado, os números não baterão.”
Crise grega
Em meio aos questionamentos sobre a credibilidade de projeções em um cenário de crise, o FMI manteve a tendência de recuo das economias do chamado Piigs (grupo formado por Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha). Para a Grécia, o Fundo projeta recuo de 2% no PIB neste ano e de 1,1% em 2011, com déficit em conta corrente na casa dos 9,7% do PIB em 2010 e 8,1% no ano que vem.
No caso espanhol, o FMI espera crise menos intensa, com queda de 0,4% do PIB neste ano e retomada em 2011, com leve alta de 0,9%. Para Portugal, o FMI não prevê recessão: altas de 0,3% e 0,7% em 2010 e 2011, respectivamente.
Os especialistas reforçam que, em momentos de crise, o importante é observar a direção das projeções. “Incerteza existe bastante. O cenário está complicado e qualquer modelo vai partir de uma série de pressupostos que podem não se verificar”, diz Thais Marzola, da Rosenberg & Associados.
Klinger Portella, iG São Paulo