O vice-reitor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Francisco Souto, vai levar à reitora Maria Lúcia Cavalli Neder o pedido feito pela plenária, que debateu sobre os reflexos do Enem como meio único de ingresso na UFMT, para que ela reconsidere e a UFMT volte ao modelo anterior de seleção, ou seja, 20% de ingresso pelo Enem e o estante por meio de vestibular.
Ele também vai levar informações sobre tudo
o que foi dito no debate a uma comissão formada dentro do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) para analisar o Enem.
O debate – “Enem: solução ou mais crise na educação?” – foi convocado pela Associação
dos Docentes da UFMT (Adufmat), diante das mais de mil vagas ociosas na instituição, que historicamente tem sido a mais requisitada do Estado.
“Poderíamos resolver isso numa Assembléia Universitária. O Estatuto da UFMT determina que a reitoria convoque uma na primeira semana de aula. Aproveito para reiterar meu pedido, em nome da Adufmat”, cobrou o presidente da
Adufmat, professor Carlinhos Eilert, ao vice-reitor.
Ao final do debate, Francisco Souto pediu um tempo e se colocou a disposição para conversar com os segmentos.
Na mesa composta para o debate, várias vozes críticas ao Enem.
O diretor do Colégio Master, Paulo Andrade, lamentou o caos em todo o processo. “Eu não tinha dimensão do tamanho do estrago, agora tenho”. Para ele, as distorções causadas pelo Enem têm motivado angústia entre os estudantes e pais. “Eu quero entender e não entendo: por que a UFMT adotou o Enem como fase única se das 55 federais do país só 15 fizeram isso?” –
perguntou. Ele disse ainda que, dessas 15, há várias sem projeção nacional e que talvez tenham adotado o Enem justamente como forma de se projetar.
Ele rebateu argumentos usados por quem defende o Enem, como a questão da mobilidade acadêmica. “Qual a estrutura a universidade tem para receber os alunos de fora. De quanto é a bolsa paga por essa mobilidade aos alunos
daqui para morar em outro lugar?”
“A bolsa é de R$ 300”, respondeu o estudante Sandoval Vieira, do DCE-UFMT campus Cuiabá. Segundo ele, o Restaurante Universitário está sempre lotado e com filas quilométricas. Além disso, as casas do estudante não têm mais que
100 vagas e estão com problemas estruturais. “Chove mais dentro das casas do
que fora. Se a universidade não dá conta nem dos alunos que já tem, como vai abrir para outros”, pergunta.
O DCE entende que o Enem foi instituído sem o
devido debate por uma decisão autoritária da reitora, por meio do ad referendum, e que este é um dispositivo do tempo da ditadura militar.
O coordenador do Cuiabavest, Aquiles Nascimento, apresentou dados que causaram surpresa. O Cuiabavest é um cursinho pré-vestibular mantido pela Prefeitura de Cuiabá e tem vagas limitadas, sempre muito disputadas.
“Temos 3.500 vagas. Ano passado, tivemos 9.618 inscritos. Quando os alunos ficaram
sabendo que o Enem seria meio único de ingresso na UFMT, sobraram apenas 1.800 alunos. A maioria desistiu porque entende que em um ano não é possível se preparar para a complexidade que o Enem propõe. Após o esvaziamento, voltamos a chamar e completamos as vagas. Quando houve a fraude na primeira prova do Enem, perdemos outros 48% dos alunos. E fechamos o ano com 2 mil
apenas. Isso é preocupante”.
O professor Roberto Boaventura, que desde o ano passado tem sido voz insistente contra o Enem como meio único de ingresso na UFMT, disse que, com sua fala, pretendia desmontar aspectos falsos de defesa ao Enem. “Ele não é
democrático e nem inclusivo, isso é uma mentira, é um vexame, que eu ainda não havia visto a UFMT passar, desde 1987, quando entrei aqui como
professor”.
Para ele, “os estudantes perceberam o falso discurso e protestaram, mas não foram ouvidos”. Ele comparou as rodadas de ajuste dos
aprovados a uma roleta russa ou a bolsa de valores e avisou que o modelo unificado desconsidera tendências, talentos, porque as opções são muitas e o candidato vai migrando de engenharia elétrica a letras. Para Boaventura, “o
fiasco está consumado”. Ele entende que voltar atrás é o que resta à UFMT, se não quiser “apagar as luzes” do sistema unificado, que já deu o primeiro grande sinal de falência, adiando o processo em julho.
O vice-reitor fez o contraponto às críticas e disse que o Enem tem pontos positivos. Que não devemos abandonar o sistema só porque ele tem ajustes a serem feitos. Disse ainda que o vestibular como vinha sendo feito é um
modelo que precisamos ultrapassar. Francisco Souto admitiu que houve pressa na ampliação do Enem e que “o Inep” não escutou as universidades o quanto deveria. Defendeu que a confusão atual se deve mais à fraude na primeira prova do Enem, porque tudo o que está estourando agora deveria ter ocorrido em dezembro e janeiro. Se fosse assim, na volta às aulas, os problemas já
estariam resolvidos.
A mãe de um vestibulando, Esther Maxime, disse que o Enem não é democrático, não é organizado e é caro. Que para as famílias, o modelo antigo era menos estressante, antes, durante e depois do resultado. O filho dela, cansado de
olhar nota de corte e se sentir aprovado e reprovado, resolveu se matricular em uma instituição particular. “Nós já não agüentávamos mais tanta angústia”.
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Keka Werneck